Friday, July 11, 2008

fragmentos de fim de dia…

(Paul Klee, Highways and Byways, 1929
Ludwig Museum, Cologn)

3.ª feira. Jazz no agradável Jardim do Goethe-Institut. O Verão convida e o Instituto Alemão é um excelente destino: o Jazz im Goethe Garten estreou esta edição com o trompetista Gast Waltzing, compositor de mais de 150 bandas-sonoras. De formação clássica e fundador do ensino do jazz no Conservatório do Luxemburgo, concretiza a sua visão do jazz – eclética e eléctrica – condimentado com mundos diversos. Ouvir 60 minutos de música jazz ao final da tarde acreditem que garante uma boa noite de sono. 4.ª feira. Uma coreografia radiofónica no centro da cidade de Lisboa. O Teatro Ligna de Hamburgo, responsável por um programa original no âmbito da rádio interactiva, associou-se à Antena 2 apresentando uma narrativa em torno de episódios históricos representados ao vivo. O evento contou com a intervenção de duzentos participantes numa onda de bailado colectivo. A iniciativa “À Procura da Revolução Perdida” evocou o 25 de Abril e a euforia revolucionária, mas também a impetuosidade consumista. A narrativa foi conduzida pela actriz Carmen Dolores. Quem passou pela Rua Augusta, entre as 18.00 e as 19.00, levou seguramente algum tempo a perceber que o misterioso fenómeno que observavam não se tratava de um caso de transe colectivo. Um rádio com auscultador, para ouvir a voz de comando, uma máquina fotográfica, para guardar alguns instantes, uma esteira e uma flor. O resto era o desejo de ir "à procura da revolução perdida". O meu núcleo familiar restrito ali assentou arraiais e participou descontraído nesta encenação. 5.ª feira. Jorge de Sena. O poeta e ensaísta falecido há 30 anos foi celebrado no Teatro Nacional de S. Carlos, numa sessão organizada pela Fundação José Saramago e destinada a reavivar a memória e a obra de um grande autor quase esquecido. "Jorge de Sena não teve o reconhecimento que merecia e hoje em dia os seus livros são difíceis de encontrar nas livrarias", lembrou alguém. Perante uma audiência que encheu o Salão Nobre do TNSC, Saramago justificou a escolha de Sena para a sessão intitulada «Um Regresso»: «É um grande poeta, um grande escritor, uma grande cabeça e um grande coração». Além do Nobel português, foi bom escutar Eduardo Lourenço exercendo um profundo fascínio e sempre surpreendendo pela capacidade de ser portador de um olhar inquietante. O programa incluiu ainda um recital de António Rosado e a leitura de poemas por Jorge Vaz de Carvalho. Apetece-me pegar nas palavras de António Mega Ferreira, também presente: "Leiam-no e amem-no!"
Quanto de ti, Amor...
Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre -
Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego -
Quanto de entrega é como um rosto aberto,
sem olhos e sem boca, só expressão dorida
de quem é como a morte -
Quanto de morte recebi de ti,
na pura perda de possuir-te em vão
de amor que nos traiu -
Quanta traição existe em possuir-se a gente
sem conhecer que o corpo não conhece
mais que o sentir-se noutro -
Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará -
Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só -
Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na ausência indestrutível que
nos faz ser um no outro -
Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida -
Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam -
Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.
Jorge de Sena
in Visão Perpétua
E assim a vida vai deslizando noite fora…

17 comments:

Ana Paula Sena said...

Muito bons tópicos!

Retenho o recital de António Rosado e a justa recordação de Jorge de Sena. Agora que o tempo é de descanso, é de guardar uns dias para o reler. E depois... continuar e nunca esquecer a sua escrita fabulosa.

Bom fim-de-semana!

Lúcia Laborda said...

Oie lindinho! Belos finais de tarde! Culminando com um belo poema!
Bom fim de semana! Beijos

Paulo Tomás Neves said...

Belíssimo post Luís, com um excelente remate.
Abraço e bom fim-de-semana

m said...

Quantos cafés arrefeceram e quantas vezes o coração ficou apertado. Quantas e quantas vezes...

Somos nós que inventamos o amor, e somos nós que sofremos com ele :s

Obrigada pela disposição, obrigada mesmo :)

beijinhos

ps: o meu email também está no blog, sempre que precisares já sabes! :)

João Roque said...

Eu repito-me mas que importa...
Não há na blogosfera um blog culturalmente tão completo e variado como este; e não me refiro só às postagens: é toda uma imensa coluna da esquerda que nela se passa quase uma semana, se se quser ir ao promenor.
Como consgues, luís? E ainda por cima, tudo esmeradamente perfeito: se não te conhecesse pessoalmente, questionar-me-ia, se existes? Abraço.

Anonymous said...

Quando eu mandar na RTP (ou numa privada qualquer, desde que decente), confisco-te para fazeres um "Cartaz das Artes" (para que me possa orgulhar das tuas escolhas e análises).

Eduardo Lourenço é um dos meus gurus, mas sabes que na última entrevista dele na tsf (num Domingo de tarde, há Domingos atrás), pareceu-me algo titubeante e frágil? De qualquer forma - deste senhor a quem devemos tanto de quase tudo - sempre achei que escreve melhor do que fala. E como escreve bem!...

ivone said...

quanto mas quanto de ti e para ti
eu abraço

quanto mas quanto em ti




lindo poema esse o de jorge de sena

kiduchinha said...

Olá Luís!!! Obrigada pelas tuas mensagens no meu blog. E obrigada por me dares a conhecer este poema. Tenho realmente que fazer maior investimento na poesia ;). O teu blog continua realmente fantástico! Bom trabalho! E é assim porque pertence a uma pessoa como tu, com a tua sensibilidade. beijocas grandes

Carlos Faria said...

Bem, a semana aí promete diversidade e qualidade, tenho curiosidade na coreografia radiofónica, pela originalidade, mas os outros 2 eventos fazem-me lembrar que também gostava de estar aí...

Paula Crespo said...

Soube da coreografia radiofónica na véspera e ouvi excertos em directo. Mal sabia eu que o teu "núcleo familiar" participava, naquele preciso momento, deitado numa esteira na Rua Augusta!...:)
Estás um verdadeiro "culture eater" (se tal expressão existisse...;)Belas dicas!
Bjs e bom fim-de-semana!

BlueVelvet said...

Fantástico post, Luis.
Como o são todos...
Vai deslizando a vida...
Beijinhos amigo

Anonymous said...

e vai deslizando muito bem...
2ª combinamos um almoço das alegres comadres... 4ª já estou de férias.
Vais ao picnic?

pin gente said...

lindíssimo poema!
quanto de mim é assim
por nada e tudo ter

um abraço
luísa

avelaneiraflorida said...

Amigo Luís,

E assim vamos ficando mais ricos de saber e sentir!!!!

Tive pena de não poder estar a ouvir falar de Jorge Sena...mas estive em Queluz nessa noite!
No entanto, releio um livrinho fantástico que recuperei de uma prateleira em desarrumação...o título: O Físico Prodigioso!!!!

Bom fim de semana!!

Sara said...

Uma tema sempre presente e sentido, o amor. Descoberta de sentidos, fascínio de cores, lágrima de um sorriso, alimento da alma.

Lindo o quanto de ti amor!!!!!

...os meus parabéns pelo Blog!!!!

almas said...

Quando se Pensa Nesse Amor

Quando se pensa neste amor que é feito
De tão variados modos sempre iguais
(ou de modos semelhantes tão diversos),
e se viveram já mais de trinta anos
de sonhá-lo, e fazê-lo, e desejá-lo
ainda e sempre como adolescente
sempre temendo quanto não conhece
( e ao mesmo tempo nada é já surpresa
no prazer que não cansa como nós)-
quando pensamos quantas vezes, quanta
gente por nós passou que possuímos
( se era de quem sempre desejou
um outro corpo além do que abraçava,
mesmo se o corpo fora o desejado mais)-
quando se pensa na ternura, o anseio
nos rodeando a vida que nos foge
e sendo como o que ainda mais a afasta
na dor de ser-se amado não se amando
senão o amor e não quem nos amara
por nós e em nós e não do que fazemos-
desde o nascer á morte, desde o instante
em que o prazer do sexo se descobre
até quando será memória extinta
nada sentido tem, nem o desejo
que sem sentido continua a ser
o só que vale a pena de ter tido
no desespero irónico de ser-se.

Anonymous said...

Nada a dizer do que escreveu...perfeito.
Vou "deslizar" pela pintura.
Paul Klee, W. Kandinsky, entre outros, pertencem ao movimento Der Blau Reiter (1911/14). Desejavam ir “além das aparências”, através de uma tendência de espiritualismo, daí o nascimento “Do espiritual na Arte” (Livro fascinante) de Kandisnky. “A cor é um meio de exercer influência directa na alma (…) é o teclado, os olhos os martelos e a alma o piano com muitas cordas”, a propósito da relação entre música e pintura.