Friday, March 23, 2007

França chorou a morte da lenda da Resistência...


Morreu Lucie Aubrac, definida com os adjectivos reservados aos maiores. A "consciência" da França, que aos 94 anos andava ainda de escola em escola a contar a sua luta. A lutadora, apresentada em todas as notícias como "uma das últimas grandes figuras" do combate dos franceses à ocupação nazi, faleceu no Hospital Suíço de Paris depois de uma vida de combate. Primeiro contra os fascismos europeus, depois contra o nazismo. Lucie não esperou nem por crescer nem pelas horas mais sombrias da história do seu país para tomar consciência das convulsões que sacudiam o seu tempo, escreveu o Le Monde. Filha de vinhateiros maçons, excelente aluna e apaixonada pela história, cedo quis ser o elo de ligação do passado e da memória - não sabia ainda que iria fazer parte dela - e tornou-se professora nos anos 30. Foi por essa altura que se fez militante comunista, com um empenhamento total. E veio a guerra. Quando ela estalou, estava colocada em Estrasburgo, onde conheceu um jovem engenheiro de pontes saído da burguesia judaica, Raymond Samuel, formado nos Estados Unidos mas ideologicamente próximo das análises marxistas, com quem casou. E a seguir a ocupação, na Primavera de 1940, e com esta a sua primeira acção lendária. Na defesa do país, o marido tinha sido preso. A sua decisão foi rápida, libertá-lo de onde estava, em Sarrebourg, no meio de uma confusão geral, o que conseguiu, regressando com ele a Lyon. Os meses seguintes foram os das grandes decisões. O regime de Vichy instalara-se. Lucie e Raymond eram os dois comunistas, ele ainda por cima judeu, motivos mais do que suficientes para partirem. Seria prudente saírem quanto antes da França de Pétain. Mas recusam, optam por ficar, por resistência - palavra que passaria a ser a primeira de todos os seus futuros dias. Os dois são então dos primeiros a constituírem uma rede clandestina contra os ocupantes e os colaboradores, o que acontece no Outono de 1940, quando conhecem Emmanuel d"Astier de la Vigerie, fundador do grupo Libération. Nos primeiros tempos escrevem e espalham panfletos, a seguir decidem fazer um jornal com o nome da célula combatente. É já a clandestinidade. Viverão a partir daí, até à expulsão dos alemães, no fio da navalha. Aos olhos de todos, são uma família pacata. Ninguém suspeita de nada mas pelo meio há um combate febril pela construção do movimento que cedo passará das palavras aos actos. Em 1941, Lucie e Raymond entregam-se sobretudo à impressão e difusão do Libération, que depressa se torna uma poderosa arma de propaganda. No ano seguinte alargam os seus objectivos procurando dinheiro, armas e esconderijos. A luta já aberta, no terreno. A dada altura a margem de manobra de Lucie, grávida, e de Raymond tornou-se tão estreita que ela não teve alternativa senão sair de França. Valendo-se dos contactos do grupo, refugia-se, no dia 8 de Fevereiro de 1944, em Londres, onde alguns dias mais tarde terá uma filha.

Há dez anos, a vida aventureira da resistente tremeu. Um filme do realizador Claude Berri, com Carole Bouquet, fez dela uma heroína nacional, enquanto um livro, Aubrac, Lyon, 1943, do historiador Gérard Chauvy, levantava dúvidas sobre a verdade de muitos dos episódios desse ano. Mas ela levantou-se de novo sugerindo ao diário Libération uma mesa redonda com jornalistas e historiadores, duelo que ganhou.

Lucie Aubrac foi até ao fim uma pessoa de causas. Morreu ainda com uma agenda cheia, de lutas ao lado da Amnistia Internacional, nos movimentos de mulheres pela paridade ou a favor dos imigrantes ilegais. Não obstante os radicalismos que possam ter existido (ou não) a vida desta figura emblemática da participação das mulheres na Resistência e cuja audácia e coragem, além do compromisso com todas as grandes lutas modernas da República, não deixa de me impressionar e muito…

15 comments:

Bernardo Kolbl said...

Toda a gente sabe que os franceses são imbecis.
Boa noite e um abraço. Boltei carai!

kiduchinha said...

Por isto, pensei em Catarina...

CATARINA EUFÉMIA
Sophia de Mello Breyner Anderson

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente

Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da justiça continua

Fica bem! Beijocas

Deepak Gopi said...

Hi :)thank you for visiting my blog & commentoing
good day :)

silvia said...

As pessoas têm estrelas que não são as mesmas.
Para uns, que viajam,as estrelas são guias.
Para outros, elas não passam de pequenas luzes.
Para outros, os sábios, são problemas.
Para o meu negociante, eram ouro.
Mas todas essas estrelas se calam.

Tu porém terás estrelas como nínguém (...)
quando olhares o céu de noite,
porque habitarei uma delas,
porque numa delas estarei rindo,
então será como se todas as estrelas te rissem!
E tu terás estrelas que sabem rir!

(Antoine de Saint-Exupéry )

Despeço-me de ti com um sorriso:)
Ate um dia... Eu voltarei.

Beijo.

Maria P. said...

Magnífico post.

Boa tarde.

Jonice said...

Incansável em um trabalho de melhorar o mundo em que viveu. Então foi assim sua vida, que eu tanto gostei de conhecer através de teu texto, Luís.
Beijinho

Bernardo Kolbl said...

Ora bom dia e bom domingo!

Maria said...

Uma MULHER, como tantas outras, anónimas, e que no dia a dia travam lutas tão desiguais...

Belíssimo post.

Um abraço

Alexandre said...

São Pessoas como Lucie Aubrac que fazem a história da humanidade.

Sempre tive uma atracção pela resistência francesa, acho que de certo modo o ocidente é aquilo que
e hoje porque houve heróis - muitos anónimos - no centro da Europa que mudaram o rumo daquilo que a certa altura parecia quase certo: o domínio total da França por parte da Alemanha.

Grande homenagem, especialmente mais de 60 anos depois de ter terminado a II Guerra - que não outras...

Um abraço- No meu blog tenho uma espécie de desafio hoje: o porquê dos nomes dos nossos blogues, onde os fomos buscar e porquê?

Um abraço!!!

Suspiros said...

Que post tão interessante!

Continuarei a espreitar este blog, com a sua permissão...

:)

Luís said...

Mulheres (e homens) assim. A falta que fazem.

Uma homenagem devida e merecida: parabéns Luís!

Alexandre said...

Viva!

Sobre o teu comentário no meu blog tens toda a razão: as pessoas andam desiludidas e despeitadas e como não se podem protestar de outra maneira protestam assim: devia ser algo para políticos, sociólogos, psicólogos, historiadores, etc, reflectirem.

Um abraço!!!

Anonymous said...

Infinitamente longe, do outro lado do Mundo ... uma lágrima resistente.
Um abraço ... e a promessa de que breve lerei atentamente os teus textos.

Bjs brother ...

Moura ao Luar said...

Beijooo

Vulcano Lover said...

obrigado sempre por nos trazer pessoas que fizeram essa outra história na que os livros de história não reparam tanto...
Abraço---- NO PASARÁN!!