Tuesday, March 27, 2007

adeus Valentina...

"O teatro é um dos mais expressivos e úteis instrumentos para a construção de um país, barômetro que marca a sua grandeza e sua decadência. Um teatro sensível e bem orientado pode mudar em poucos anos a sensibilidade do povo; e um teatro arruinado pode degradar e adormecer uma nação inteira. Neste momento dramático do mundo o artista deve chorar e rir com seu povo. É preciso deixar de lado as açucenas e enfiar-se na lama até a cintura para ajudar aos que procuram as açucenas. Particularmente eu tenho a ânsia de me comunicar com os outros. Por isso bati às portas do teatro e ao teatro consagro toda a minha sensibilidade".
(Federico García Lorca- 1898/1936)

Todos os dias deviam ser dias do teatro, porque nestes 20 séculos, a chama do teatro tem ardido constantemente nalgum canto do mundo. Ao teatro, sempre se decretou a morte, sobretudo com o aparecimento do cinema, da televisão e, mais recentemente, dos meios digitais. Houve obras sem palavras, ou sem luz ou sem actores, somente máquinas e bonecos numa instalação com múltiplos jogos de luzes. Hoje assistimos ao regresso do actor em frente do espectador e presenciamos ao retorno da palavra ao palco. O teatro comove, ilumina, incomoda, perturba, exalta, revela, provoca, transgride. O teatro é a primeira das artes que se confronta com o nada, as sombras e o silêncio para que surjam a palavra, o movimento, as luzes e a vida. O teatro é um ser vivo que se consome a si mesmo enquanto se produz, mas constantemente renasce das cinzas. É irrepetível e absolutamente efémero: isso é que é fantástico, é o mistério do teatro! Não fica nada, só a memória do público. Mas o teatro tem inimigos visíveis, a ausência de educação artística, que impede a sua descoberta e o seu usufruto; a pobreza que afasta os espectadores, e o desprezo dos governos que deviam promovê-lo. No teatro falavam os deuses e os homens. Para isso o teatro tem de ser maior e melhor que a própria vida.

Desde os meus 12 anos que o teatro é para mim comunicação mágica. Foi com essa idade que os meus pais me levaram a ver uma peça no Teatro Variedades, num Parque Mayer já um pouco degradado, protagonizada por uma grande actriz quase em final de carreira, Laura Alves. A peça chamava-se Adeus Valentina. Durante todos estes anos o palco entrou no profundo da minha consciência e deixou raízes, li tudo quanto se escrevia sobre Teatro e tive ocasião de assistir aos espectáculos mais diversos e em vários palcos por essa Europa fora e em Nova Iorque, mas foi precisamente aquela peça musical que me ajudou a sonhar e a querer um mundo com actores, actrizes, adereços, camarins, cortinas, holofotes e aplausos…

Hoje, também, abraço Maria José Bravo, agora uma infatigável advogada, mas que há muitos anos atrás e num teatro amador que ambos partilhámos, embora em secções diferentes (ela, com 16 anos, nos “juniores”, representava Brecht ou seria Pirandello? Para além de recitar, como ninguém, José Régio e o seu Cântico Negro; eu, com 12 anos, nos “infantis”, mergulhava em peças meio idiotas adaptadas por nós, miúdos de 12 e 13 anos; ela uma prima donna, eu o protagonista de peças para a infância) acreditávamos que a palavra era a nossa vida. Só voltei a ver a Maria José muitos anos depois, já os dois formados. Curiosamente nesse reencontro, num café de esquina, mesmo perto do tribunal e do departamento de cultura, onde um e o outro desenvolvíamos parte das nossas actividades profissionais, voltámos a falar de teatro e de sonhos. Viva o teatro e o seu dia e tu também Maria José, mais que o teatro, até!!!.

10 comments:

Anonymous said...

Carissimo,

Quem puder vá ver a peça "A filha rebelde no Teatro D.Maria II.
Vale a pena

Anonymous said...

Um “viva” caloroso e clamoroso ao teatro, à palavra e a quem a diz e sente.
Para ti, Luís… deixo-te a minha amizade em jeito de poema, porque ao “ler-te”, todas as palavras me pareceram poucas para que soubesses o que me ficou na alma.

“Poema para o Luís”

Já inventaram todas as palavras!
E aqui me fico.
Braços cruzados sobre o peito, queixo erguido,
olhar perdido.
Reflicto.
…………………………

É que queria dizer-te tanto e tudo.
Dar-te o que pedes e o que não dizes.
Pegar em letras, embrulhá-las e
sem assombro desatar, para ti, palavras novas.
Reflicto.
…………………………

Precisava de uma ode triunfante a ti, a nós.
Falar-te da amizade
e dizer-te que redemoinha em mim,
entre o coração, a cabeça, a boca.
E que é eterna.
Incomensurável mesmo no silêncio.
Reflicto.
…………………………

Mas afinal, mesmo com palavras gastas,
o sentimento é sempre novo, renovado e muito.
Pudera eu e dar-te-ia o infinito.

12h 49m
27 de Março de 2007

Maria José Bravo

Bernardo Kolbl said...
This comment has been removed by a blog administrator.
Anonymous said...

Estragon: Komm, wir gehen!
Wladimir: Wir können nicht.
Estragon: Warum nicht?
Wladimir: Wir warten auf Godot.
Estragon: Ach ja.

" Warten auf Godot "
Samuel Beckett

***********************************
Noite. Um céu estrelado. Sentados lado a lado à porta de um museu de arte moderna: Samuel, Pirandello e Ionesco. Cada um tem uma cerveja na mão. É o dia 13 de Abril de 19..., dia dos anos de Samuel.

Samuel:

O teatro é uma realidade na realidade que nos mostra a realidade ou gera uma nova realidade, partindo de uma outra,
talvez outra,outra, realidade...

PIRANDELLO:

Oh pá, pára lá com isso. Afinal o que é a realidade? Será que Platão tinha razão?

IONESCO:

Seja como for...
Entre o nascimento e a morte só nos resta esperar... Bom, mas enquanto esperamos, deixai-nos fazer um pouco de teatro e beber uma boa pinga. A malta tem que passar o tempo com alguma coisa..
E sendo assim, vá lá, todos em uníssono: parabéns para o Samuel e
VIVA O TEATRO!

Improvisado by: luís Costa

Maria said...

Pois então que, ao menos neste dia, possamos ver que a comunicação social fala em Teatro!

Sou do tempo em que havia teatro em directo na rtp, falo do teatro a sério, não de algumas "palhaçadas" com que nos têm brindado... ainda por cima pagas por nós.
E que falta faz ver esse teatro, que entrava em nossas casas... ao menos esse...

Muito obrigada por este post.
E que viva o Teatro!

silvia said...

Tenho que ir um dia destes ao teatro...
Há anos que não vou.

Não importa se estás perto ou longe, o que importa é
que existes para que eu possa sentir tua falta.

Voltei a este mundo;)

Beijos.........

Anonymous said...

Também gosto muito do teatro, a relação dos actores com o público é uma coisa que me fascina, e que a televisão nunca o conseguirá.
Costumo dizer que adoro no teatro ouvir o barulho dos paços dos actores, porque acho que é um simbolo da proximidade a que estamos deles.

O lusilandismo está de volta, com nova cara e novos sonhos...

Maria P. said...

Hoje sabia exactamente onde tinha de vir para ler um excelente post sobre este tema. E não me enganei.Obrigada Luís.

Beijinho*

Jonice said...

Falar de teatro e de sonhos é uma delícia. Teus post hoje faz-me recordar outros momentos de minha vida quando também participei desta forma mágica de expressão. Tão bom!!!!!!!!!!!
Beijinhos :)

kiduchinha said...

Muito sentido o que escreveste! E muito bonito o poema de Mª José Bravo!
e já agora...
(...)Compreendi a força
O amor
Em cada actor ou actriz
Que qualquer coisa me diz(...)
pela mão do meu pai acho que a 1ª vez que vivi uma experiência com teatro foi assistir a Teatro de Marionetas, acho que tinha 4 anos! :)
BJS