(Pablo Picasso, A família de saltimbancos, 1905, National Gallery of Art, Washington)
O pensamento da morte engana-nos, pois faz-nos esquecer de viver
Luc de Clapiers Vauvenargues
Hoje fui visitado pelos meus sobrinhos mais novos, filhos do meu irmão mais velho. Há uns anos as ciências médicas detectaram uma doença grave a este meu irmão e deram-lhe meses de vida. Tinha saído de uma separação, a mulher ausenta-se e deixa-lhe três filhos crianças e um enteado adolescente a cargo (filho dela, de uma anterior relação) e entregue a uma doença letal. Ao chegar a casa tinha uma mensagem no gravador, daquelas que causam medo, em que o corpo todo estremece, os dedos insistem em tremer e a língua fica presa entre os dentes: uma médica que de forma desafectada informa da gravidade do assunto e de que nada há a fazer. Eram poucos, mas muito poucos, os instantes de vida, diz-me em retorno de chamada. As frases são económicas e deixam-me ao desamparo – uma ex-docente de uma conceituada faculdade de medicina, como duvidar? Sem saber como agir e atender as lágrimas, como ser prático face à condenação, científica, irrevogável, pronunciada pelos especialistas de saúde? Uma notícia desta natureza deixa-nos desabrigados. A morte de um familiar próximo é, sem dúvida, uma das questões que mais pode ferir, por demasiado atroz. Passaram talvez 11 anos e aí aparece ele - hoje - em minha casa, com os seus filhos mais novos, mais três. Uma nova companheira. Uma outra existência. Os filhos mais velhos nas suas ocupações, mas perto dele. Quem pensa que pode dizer a última palavra? Quem tem a presunção de mandar mais do que o destino? Quem tem a veleidade de confundir sinceridade/pragmatismo com brutalidade? Só um politico como o príncipe Metternich pode afirmar “L’ erreur n´a jamais approché de mon esprit”. Depois de um atestado de óbito, somam-se três filhos a outros três, três rapazes, três raparigas, uma outra mulher, uma nova casa, uma cidade diferente, um universo alterado, uma vida refeita…
O pensamento da morte engana-nos, pois faz-nos esquecer de viver
Luc de Clapiers Vauvenargues
Hoje fui visitado pelos meus sobrinhos mais novos, filhos do meu irmão mais velho. Há uns anos as ciências médicas detectaram uma doença grave a este meu irmão e deram-lhe meses de vida. Tinha saído de uma separação, a mulher ausenta-se e deixa-lhe três filhos crianças e um enteado adolescente a cargo (filho dela, de uma anterior relação) e entregue a uma doença letal. Ao chegar a casa tinha uma mensagem no gravador, daquelas que causam medo, em que o corpo todo estremece, os dedos insistem em tremer e a língua fica presa entre os dentes: uma médica que de forma desafectada informa da gravidade do assunto e de que nada há a fazer. Eram poucos, mas muito poucos, os instantes de vida, diz-me em retorno de chamada. As frases são económicas e deixam-me ao desamparo – uma ex-docente de uma conceituada faculdade de medicina, como duvidar? Sem saber como agir e atender as lágrimas, como ser prático face à condenação, científica, irrevogável, pronunciada pelos especialistas de saúde? Uma notícia desta natureza deixa-nos desabrigados. A morte de um familiar próximo é, sem dúvida, uma das questões que mais pode ferir, por demasiado atroz. Passaram talvez 11 anos e aí aparece ele - hoje - em minha casa, com os seus filhos mais novos, mais três. Uma nova companheira. Uma outra existência. Os filhos mais velhos nas suas ocupações, mas perto dele. Quem pensa que pode dizer a última palavra? Quem tem a presunção de mandar mais do que o destino? Quem tem a veleidade de confundir sinceridade/pragmatismo com brutalidade? Só um politico como o príncipe Metternich pode afirmar “L’ erreur n´a jamais approché de mon esprit”. Depois de um atestado de óbito, somam-se três filhos a outros três, três rapazes, três raparigas, uma outra mulher, uma nova casa, uma cidade diferente, um universo alterado, uma vida refeita…
20 comments:
As histórias reais ainda conseguem ser aquelas que mais me fazem simplesmente acreditar. Acreditar que o dia seguinte pode ser o melhor das nossas vidas. O verdadeiro "perfect day", como diria o Lou.
Enorme abraço para ti, Luis, pela partilha, e para o teu irmão, pela força de vontade.
Senti um enorme alívio a partir da metade do teu post.
"desabrigados", palavra que usaste, e que exprime, de facto, o que sentimos...
Ainda bem que o teu irmão esteve contigo. Fico feliz por vós...
Um abraço, Luís
Há coisas assim. Neste caso fico muito feliz com um erro médico. Ainda assim deve ser um choque enorme receber uma notícia daquelas. Nem quero imaginar...
Um abraço
Este post vem ao encontro, em vários pontos ao meu penúltimo texto, sobre uma das minhas irmãs, o seu "ressucitar" depois de uma condenação sumária e o voltar à vida, dela fruindo, se possível um redobrado prazer; todos os votos de felicidade para o teu irmão e família.
Abraço.
feita de ilhas, a vida. verdades absolutas que nunca o são. a verdade é um sentir transitório a chapinhar interesses.
eu sou mais do instinto talhado no reflexo do espaço.
há quem não saiba nada de pestanas. e esses provocam tédio, tédio, tédio de morte. nunca chegarão a perceber que há pontes levadiças a libertar verdades. e é por aí que vamos.
um gravador com uma voz a falar de morte... irrita-me a facilidade com que a estupidez se ramifica... criaturas de outros espaços a falarem de como se fuma um cigarro.
esta reviravolta é que é a verdade.
obrigada Luís, por esta e por todas as voltas que dás às partituras... tu sabes!
beijo grande!
p.s.
segunda? :))
nem sempre podemos confiar na ciência... ou direi eu que toda esta reviravolta inesperada provém da força de viver do teu irmão? Mais depressa acredito nesta última!
Ainda bem que está tudo bem, com uma nova vida, um novo sorriso!
:)
Beijinhos
A vida é feita de vidas, Luís.
O teu irmão teve a oportunidade de recriar o seu caminho e agarrou-a com toda a gana que tinha. É um homem de coragem. Um pai coragem.
Se eu tivesse um irmão (quem me dera) e se ele fosse assim, incharia de orgulho nele. :)
Ao meu irmão deram poucos anos de vida depois de ter nascido. Afinal viveu, tem hoje 5o anos, uma mulher, um filho uma vida "normal"...é apenas mais um exemplo da pseudo-sabedoria da ciência.
A isso chama-se vida. E ainda bem. Abraços do EU, SER IMPERFEITO
Erro médico? Milagre? Que importa se esse foi o resultado?
Ainda há finais felizes sem ser nos filmes.
Que bom, Luis.
Fiquei feliz, por si, por ele, e por toda a família.
Beijinhos
há sentenças que não devem ser levadas a sério. mas não sei como conseguir-lhes sobreviver. como as contornar...
ainda bem que o teu irmão conseguiu, é uma espécie de milagre, daqueles que fazem acreditar, afinal, na vida!
A vida é feita de emoções.
Emocionei-me ao ler... esta história de vida.
Como sou uma miudaaa de emoções, agradeço o facto de o mundo ser bonito, como o que aqui deixa, hoje escrito.
Um Beijo da miudaaa
uma vida é todas as vidas: a vida segue... (belíssimo relato, chapeau!)
Luís bem sei que este teu irmão te tem pregado alguns sustos... MAs Deus é grande e como estou feliz por todos; Sabes isso...
um bj
A vida real consegue sempre superar a ficção. Neste caso para melhor!
Bjs
Numa noite de trabalho, com o meu amigo Óscar, tomei conhecimento do seu Blog. Todo ele me faz lembrar a geração modernista do início do século XX. A empatia está explicada! Há pessoa diferentes...
"Gosto das pessoas que vão para além da realidade", dizia o pintor António Pedro. O seu irmão consegiu ir mais além...Entendo-o.
Sílvia
Amigo Luis,
A vida ensinou-me...que não há impossíveis!!!!
EU ACREDITO!AGORA!
Que seja uma NOVA VIDA para todos vós!!!!
Misticismos à parte, a imprevisibilidade é o sal da vida, e o caminho é o mais importante (há que aproveitar a viagem pois o destino final já se sabe qual é).
Abraço
Olá Luís!
"Pedras no caminho? Um dia junto todas e construo um castelo"! Perante as adversidades, temos de ganhar novas forças, sabe-se lá de onde... E quando nos querem condenar, deitar abaixo, lembro José Régio e digo " Não sei por onde vou, Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!" Ainda bem que o teu irmão não cruzou os braços e lutou e seguiu novo caminho!
Bom fim semana!
Beijocas
Ainda bem que o teu irmão não cruzou os braços e lutou!!! Ainda bem que, perante as adversidades, deu a volta ao caminho e disse, tal como José Régio "Não sei por onde vou,Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!"
Bom fim de semana!
Beijocas
Post a Comment