Saturday, November 04, 2006

enquanto a chuva cai...

Enquanto a chuva cai

A chuva cai. O ar fica mole . . .

Indistinto . . . ambarino . . . gris . . .

E no monótono matiz

Da névoa enovelada bole

A folhagem como o bailar.


Torvelinhai, torrentes do ar!
Cantai, ó bátega chorosa,

As velhas árias funerais.


Minh'alma sofre e sonha e goza


À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento

De tão ardido pelo pranto.


Dai um brando acompanhamento

À canção do meu desencanto.


Volúpia dos abandonados . . .


Dos sós . . . — ouvir a água escorrer,


Lavando o tédio dos telhados


Que se sentem envelhecer . . .


Ó caro ruído embalador,

Terno como a canção das amas!

Canta as baladas que mais amas,

Para embalar a minha dor!


A chuva cai. A chuva aumenta.

Cai, benfazeja, a bom cair!

Contenta as árvores! Contenta

As sementes que vão abrir!


Eu te bendigo, água que inundas!

Ó água amiga das raízes,

Que na mudez das terras fundas

Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas

Ao sopro mau dos vendavais

As grandes árvores antigas,

Quer quando mansamente cais.


É que na tua voz selvagem,

Voz de cortante, álgida mágoa,

Aprendi na cidade a ouvir

Como um eco que vem na aragem

A estrugir, rugir e mugir,

O lamento das quedas-d'água!

Manuel Bandeira
(pintura Van Gogh et les estampes japonaises)

Bom Dia (de chuva)!

1 comment:

Amaral said...

Um dia de chuva, temperadora que seja, que não as trombas que destróem e afectam os bens de quem trabalha...
Bonito poema do Manuel Bandeira, poema duma chuva embaladora, canção de amores e desamores...