Sunday, March 07, 2010

o silêncio do inocente...

Depois de tirar a roupa, atirou-se ao rio e pôs termo à vida. Vítima de bullying, a única saída possível foi a morte. Chamava-se Leandro, frequentava o sexto ano de escolaridade e tinha doze anos. E onde estavam todos? Onde andavam enquanto esta criança foi reiteradamente humilhada pelos colegas? Ninguém deu a menor importância a nenhum dos sinais de aflição? Oiço a notícia em forma de náusea na Rádio e à noite com sentimento de horror vejo-a confirmada num qualquer canal de televisão, já com sons de funeral. Uma informação monstruosa: a do rapazinho que se atirou ao Tua porque sofria violência física e psicológica por parte dos companheiros da escola face à paralisante imobilidade dos que o rodeavam. Com o espírito cheio de escárnio e desprezo deviam actuar em grupo, rir-se às gargalhadas e achar um piadão, cérebros de pigmeu, carcereiros de nojo. A valeta e o que nela vive fascina-os. Mancham as mãos com o sangue dos outros. Há o rapagão, com brutalidade no riso, que espanca e o miúdo frágil que exposto ao perigo sofre as agressões em silêncio porque tem medo e vergonha. É assim, sentem-se grandes, fortes e estupidamente engraçados por sujeitarem os que estão sozinhos ou são menos combativos, a situações vexatórias e cruéis; ignóbeis petrificados na insensibilidade mais absoluta que se enaltecem por arrastarem pela lama a auto-estima de inocentes. Indivíduos brutos, rudes com o objectivo de intimidar ou crucificar outro indivíduo incapaz de se defender. Repugnantes ameaças de forma continuada ao longo do tempo, sentiu aquele miúdo que nem sequer completou a Primavera. Praxar, rebaixar, envergonhar, agredir porque a lei que prevalece é a do mais forte e a do que está mais escoltado. Era uma criança calma, carinhosa e sensível, perfume leve e, ao contrário do irmão gémeo, nunca se conseguiu defender, talvez pretendesse dos outros apenas mera humanidade. Não era o super-homem; não era sequer rapaz encorpado; um menino assustado, uma vida em colherinhas de medo, uma sinfonia de tristeza. Dias de angustia, agitada e espasmódica. Vida pornograficamente curta, cheia de momentos e dias trágicos, amargos, sinistros nos seus avisos. Para ele havia apenas uma estação, a do sofrimento. Já tinha estado internado no hospital, há um ano, depois de ter sido pontapeado na cabeça. Um entre vários episódios de violência de que terá sido vítima. Cansado da tortura de quase todos os dias, agora é simplesmente um número que se encontra numa comprida galeria de vítimas, um dos muitos números sem vida. Desconhece-se o paradeiro do seu corpo, apenas que o tormento para ele foi um longo instante. As buscas alargadas até à foz do Tua e interrompidas sem sinal do cadáver: 130 homens da Protecção Civil, PSP e GNR e ainda cães treinados procuram Leandro. Alguém lembra ao Ministério da Educação uma frase de Antoine de Saint-Exupéry: «Todas as grandes personagens começaram por ser crianças, mas poucas se recordam disso». Amália e Armindo, pais da criança, debaixo de uma grande emoção, entorpecidos pela dor mais profunda, almas feridas de desgosto choram em desespero a morte do filho. Não têm palavras para exprimir a aflição e a desgraça. Em choque, deixam apenas as lágrimas correr pela face. O horror de pensar que uma existência se esgota de uma maneira revoltante. Estremeço com um apavorante pensamento: - "Podia ser o meu filho”.
Luís Galego

32 comments:

Eu Meus Reflexos e Afins said...

Eii!
Vim conhecer teu espaço
e
Vim te ler e
te dizer que estou postando
Vim te ler e
te dizer que estou postando
um argumento novo
mas so que nesse endereço
por uns tempos.
Passa la?http://meusreflexoscontostextoseafins.blogspot.com/
Te espero.
Bjins entre sonhos e delírios

Há.dias.assim said...

Luís,
obrigada por este excelente grito de revolta de uma forma tão bem escrita e sentida. Sim, poderia ser o filho de cada um de nós. Será que esta morte não pesa na consciência de ninguém?
incomoda-me não pedirem explicações aos pais dos criminosos, como podem ter educado assim? como podem dormir desancados? é certo que os criminosos também são crianças, mas os pais também são responsáveis.

Maria said...

Não tenho palavras para te comentar. Já dizes tudo.
Também não tenho palavras para o que sucedeu.

Um abraço.

Rosario Ferreira Alves said...

Luís,
Obrigada pelo grito de alerta. Também estremeço apavorada...
Bj

Rosário

Anonymous said...

......apeteceu-me, hoje, pisar
a escuridão das ruas, o negro dos telhados.
(foi uma vontade tão forte, tão cruel!)

Quis ouvir a rua gritar
E a chuva a cair de olhos molhados.

Priscila

maria said...

Aqui a realidade supera a ficção. E a indignação, como diz Roth, é a única palavra que nos resta para descrever esta realidade. Um murro no estômago, uma pancada na nuca, e atordoados temos dificuldade em acreditar que, uma criança de 12 anos, não conseguiu aguentar a "realidade". Sou mãe e sou professora. Também eu me sinto envergonhada, indignada, face a esta "realidade". "Podia ser o meu filho", podia ser meu aluno...
Não há lágrimas que atenuem esta dor, esta vergonha, esta frustração de já nada fazermos...
Quando acordarmos será tarde de mais.

maria said...

E ainda há o pormenor... Depois de tirar a roupa...
Só tinha 12 anos.
O silêncio é ensurdecedor...
Esta foi a melhor homenagem que lhe prestaram. Tenho vontade de a plagiar, de a publicar, de a imprimir e distribuir...
Obrigada

maria said...

E ainda há o pormenor... Depois de tirar a roupa...
Só tinha 12 anos.
O silêncio é ensurdecedor...
Esta foi a melhor homenagem que lhe prestaram. Tenho vontade de a plagiar, de a publicar, de a imprimir e distribuir...
Obrigada

maria said...

Deixo aqui uma sugestão a todos que sofrem com esta realidade. Visitem o site:
http://bibliofilmes.blogspot.com/2010/03/top-10-filmes-sobre-bullying-3-baseados.html
Talvez possamos ainda fazer alguma coisa...

AnaLee said...

Obrigada Luís.
Para que não seja o filho de mais ninguém, levantemos a voz.

Anonymous said...

Obrigada por partilhares comigo este post. Estava aqui a pensar o quão triste estou, na "puta" da vida. Não me traz consolo as desgraças alheias, mas faz com que relativize as minhas "merdas"; estou mais que comovida...
Não consigo dizer mais nada.
Um bem aja
Ana Paula

João Roque said...

Estive para postar sobre este assunto, mas não o fiz porque tenho um certo medo das minhas palavras, nalgumas circunstâncias especiais, e esta é uma delas; perco o controlo da minha indignação e não consigo dizer as coisas como tu o fazes,com a "violência" necessária mas contida que tu usas.
Já disseste tudo e de uma forma ainda mais concisa do que é habitual, pois aqui não estás a lidar com ficção: é a realidade nua e crua de hoje, aqui numa localidade do Norte, como poderia ser de qualquer outro lugar. E nem sequer é daquelas escolas apontadas como "problemática", mas sim uma escola normal onde reina a "normalidade" que apregoaram aos sete ventos os responsáveis directos: conselho directivo, associação de pais(vergonhosas declarações); só um pequeno amigo falou e disse a verdade, de cara descoberta até lhe a terem tapado, posteriormente, porquê?
E agora? Faz-se um processo,mais um, e amanhã tudo volta ao mesmo. E as novas pedagogias - porra para as novas pedagogias - até lembram que se deve acautelar as eventuais consequências negativas que recaiam sobre o(s) agressor(es), pois essas crianças podem vir a ficar traumatizadas...Eu tratava-lhes da trauma!!!!
Quantos mais Leandros será necessário haver para se encarar este assunto de frente e responsabilizar quem de direito?
E este não é assunto de polícia, não sacudam por aí, a água dos capotes...
Eu não tenho um João aqui em casa, infelizmente, mas se tivesse tinha procurado escrever este texto que, como já foi dito aí atrás tenho muita vontade de reproduzir na íntegra no meu blog.
Obrigado, Luís por não teres calado a "nossa" indignação.

Paula Crespo said...

Este teu grito tem uma forma muito bela, como aliás é habito :) Mas, dado o assunto, o que importa mais aqui realçar é mesmo o conteúdo. A violência - que até já tem nome, conceito fino e tudo, hem?! - vai num crescendo e apesar de todos falarem nela, parece-me que pouco se faz. Além de congressos e conferências e colóquios e assim. Claro.
Casos práticos: as praxes académicas, por exemplo. Não consigo entender por que ainda subsistem e não percebo que reitores são estes que não têm força, ou vontade, para chegar junto das associações de estudantes e fazê-los ver que as praxes nada têm de tradição ou seja lá o que for; apenas de parvoíce e estupidez.
Quanto à restante violência em contexto escolar: não acredito que os professores e auxiliares de educação, etc., não se apercebam nunca de tais situações. Para quê vigilantes nas escolas se estes pouco vigiam? Para abrirem as salas de aula, só? Ou levarem os livros de ponto ou outra coisa parecida?! E os pais, também nunca se apercebem de nada? Estranho, no mínimo.
É uma sociedade inteira que anda a assobiar pro ar. E depois choram-se lágrimas de crocodilo. Repetidas vezes.

Anonymous said...

Luís
O que escreveste só não é maravilhoso, por ser tão triste.
Quando ouvi as notícias o que mais me impressionou foi constatar que uma criança com dozes anos, que deveria apenas preocupar-se em brincar e ser feliz e viver a vida intensamente, se tenha despegado dela, assim... com um "vou-me matar"...
É de facto revoltante concluir que afinal os nossos filhos não estão tão bem protegidos na escola como gostaríamos de pensar e que a indiferença cada vez mais impera nos corações das pessoas e que a violência vai ganhando terreno a cada dia que passa.
Apesar de sempre tentar saber como o meu filho se sente, como foi o seu dia na escola, etc, o que aconteceu com o Leandro deixou-me num estado de alerta ainda maior, tal como, tenho a certeza, também a muitos outros pais.
Foi o Leandro com doze anos, como poderia ter sido o Mário, com treze e não, não consigo imaginar o sofrimento de se perder um filho, muito menos em circusntâncias tão aterradoras.
Um grande beijo para ti!
Luísa Cabral

Docemania said...

Pobrezinho...as tuas palavras demonstram bem a angústia e raiva que sinto por existirem vermes disfarçados de gente...Paz à sua alma...Beijinho

nsp said...

De facto, não sei o que a Humanidade anda a fazer aos seus filhos... Em vez de discutirmos os ridículos acontecimentos de Sócrates e dos 7 Anões, deveríamos mobilizar-nos para responder categoricamente à permissividade das nossas sonâmbulas instituições de protecção social (?!) Não teria sido igualmente belo que alguém deste miserável governo se tivesse deslocado aquela pequena e recôndita localidade portuguesa, para investigar o que se passou? Ou não é tão mediático quanto os mais recentes, dramáticos acontecimentos na Madeira?

Mel de Carvalho said...

Todos já fomos crianças, meu amigo... Todos já, de alguma forma, sentimos o quão injustas são as realidade que nos rodeiam...


Mas

... que uma criança escolha entre o desconhecido, o escuro de um rio, o adeus aos que amavam e, certamente amava, a começar pelo seu gémeo, é, deve ser, ainda que tardiamente

(porque andamos a viver - tão distraídos com os nossos umbigos, com as nossas vidinhas, com a cor dos nossos cabelos (falo por mim), com a bijutaria que nos adorna -, andamos a viver como pedras, inertes ... e nem essas se detêm quietas... )

motivo de, no mínimo, desconforto…

Que este teu post seja uma das muitas vozes de alerta.
Seja um despertador de consciências: pais, comunidade, educadores ... todos somos um só, com mil raios, onde é que nos perdemos????

De reflexão
De dúvida
De questionamento

Como, Porquê, Onde… E de ora em diante??? Caminhos? Soluções? …

... para que outros Leandros queiram ser, tão-só, meninos. E as águas do rio sejam, tão-só, deleite de horas de ócio e jamais o leito escuro e perpétuo ou o espelho onde nos olhemos e nos vejamos indiferentes.

Bem-hajas Luís. Um abraço enorme da Mel ...

Minhas Impressões... said...

Só deu para ler teu texto agora, Luís, e quanta tristeza. Este é quem foi noticiado, e quantos outros ficam na obscuridão.
Com tanta banalização frente à moral e a ética, tudo tornou-se permissível. O respeito caiu por terra. Na minha terra, que também é terra de todos, assim como tua terra é também, uma vez que somos cidadãos do Universo, atear fogo em pessoas, colocar apelidos abomináveis, causar pressões psicológicas virou ato normal para muitos.
Pais falhos, filhos fragmentados.
Afirma Dorothy Nolte e Rachel Harris em um bom livro que muitos adultos deviam ler e por em prática - "AS CRIANÇAS APRENDEM O QUE VIVENCIAM".
Eis uma máxima a ser levada em conta. Nossas crianças são reflexos dos adultos impiedosos, crueis, sarcásticos, arrogantes, vazios, donos de verdades que na verdade são verossimilhanças.
Grande beijo, Poeta

Anonymous said...

Obrigada meu querido amigo por GRITARES o que todos pensamos e comentamos apenas com os que nos estão próximos. Tens o "tacto" para colocar em palavras o Horror, a Indignação, Extupefacção que sinto. Sempre abominei a falta de respeito pelo outro, a falta de civismo, a falta de educação (todos eles no sentido mais lacto que podemos conhecer). Detesto praxes, destesto qualquer "partidinha" que se faz ao novato, só para que ele se integre mais facilmente. Qual integração?!
O que é que pode levar um menino de 12 anos a acabar com a vida que ainda está só a começar?!
E que educadores (?) são estes que fingem que não percebem, para não se comprometer?! Como é que conseguem dormir?! Serão pais?!
Conseguirão cumprimentar os pais do Leandro quando os encontrarem na rua, ou até no funeral, se vier a acontecer?!
Estou nauseada!!!

Beijinhos,
Fátinha

FlorAlpina said...

Um grito mudo...no silêncio ensurdecedor dos inocentes...
O meu lamento...

Bjs dos Alpes...

Gabriela Rocha Martins said...

o grito de um inocente perante a inépcia de todos


até quando e até onde?




.
um beijo

Luís said...

Assombra-me pensar no sofrimento que aquele menino devia carregar dentro de si para chegar a tanto...

Mais do que lamentável, é revoltante.

Anonymous said...

"Ninguém deu a menor importância a nenhum dos sinais de aflição?". Andamos todos muito ocupados para sentirmos os sinais alheios de aflição.Quantos casos destes já ouvi? Muitos, por isso não estranho. No fundo, nem todos suportamos a dor, nem todos encontramos uma saída, nem todos temos coragem e, há sempre quem nunca nos aponte uma solução, virando as costas e deixando-nos na dor. Se já é difícil o adulto entender o que digo, que direi de um jovem...

Sílvia Marques

Isabel Victor said...

Cito "Impressões minhas", voz q aqui lembrou que "AS CRIANÇAS APRENDEM O QUE VIVENCIAM", afirmação de Dorothy Nolte e Rachel Harris.

Pois, isto é aflitivo. Reflecte uma sociedade doente, uma inusitada crueldade, um nada (um imenso vazio) que invade tudo, a banalidade do mal.

Um enorme desatenção aos sinais de perigo.

Luís, obrigada

(Levo o teu gritante "silêncio do inocente" para as folhas do "Caderno de Campo". Permites-me ? Se pudesse criava uma Câmara de eco ... para repetir até ao infinito esta voz)

impressionante ...



(:

com senso said...

Partilho completamente das opiniões aqui expressas e interrogo-me como é possível que escolas se transformem em campos de tortura e que famílias são estas que produzem seres mais próximos da animalidade do que da humanidade.
Sempre houve violência nas escolas, a crueldade infantil e da adolescencia são dados conhecidos, por isso o papel dos educadores é impor regras de civilidade, já que ninguém nasce ensinado!
Tudo isto é terrivel demais para que possa a continuar a ser suportado!

casndida said...

nem todos são suficientemente fortes para enfrentar uns covardolas que ainda por cima actuam em grupo. coitadinhos! muito mais dignos de dó do k a vítima k essa merece a minha total solidariedade.

candida said...
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anjo said...

O teu blogue é há muito tempo um lugar de bom gosto.

Obrigado pelas palavras simpáticas.

Um abraço «««

partilha de silêncios said...

Assim vai o mundo !! Sim, poderia ser o filho de qualquer um de nós, a vida que andamos vivendo, é demasiado autista, para nos apercebermos de questões mais subtis.
É muito triste...

bj

Anonymous said...

Que posso eu dizer? Só ontem tive o enorme prazer de ver este blog e fiquei agradecida ao Luis por ainda se poder ler em bom português...e ainda ver uma rara sensibilidade. Quanto a esta horrível história sobre a maldade e covardia "de grupo"...o verdadeiro cobarde nunca age só...apenas em grupo...e não falando do horror que o pequenito deve ter sofrido....aos outros o destino seria o mais cruel que eu pudesse imaginar!!!! Xi

ANITA said...

O Maior Problema é que o assunto deixou de ser notícia, e todos os dias muitos meninos sofrem o "Horror de viver" numa idade que deveria ser de Alegria e Descoberta!
Quantas vidas ceifadas no seu começo!!!
Esta é uma realidade que parece interessar pouco à maioria!
Todos têm responsabilidade sobre este assunto.
Resta-nos ter fé, e esperar que não aconteça a nenhum dos nossos! Mas isto assim não está certo! Tem que se responsabilizar quem de direito!
Serão estes "indiferentes" os mesmos que tantas vezes crucificam qualquer um por actos muito menos destruidores?!........
Obrigada Luís!
Há coisas que têm de ser gritadas até serem ouvidas!
Obrigada, amigo

Beijo
Ana

Fernado Palaio said...

Uma belíssima homenagem ao mais "fraco",ao que não usa as traiçoeiras "armas" do "sobrevivente que reina" num mundo de hipócritas...

ABRAÇO FORTE
fernando palaio