Friday, December 01, 2006

praga e preconceito...

Foi nas nações ricas que a sida foi identificada, há 20 anos, mas é nos países mais pobres que está a maioria das vítimas. Em duas décadas, morreram mais de 20 milhões de pessoas, o que coloca a sida a par da Peste Negra que grassou na Europa no século XIV. Surgiu como uma doença obscura, que parecia uma espécie de praga contra grupos cujo comportamento ofendia os valores sociais instituídos. Mas a sida não é nada selectiva. Hemofílicos, bebés, milhões de órfãos em África. O HIV, o vírus que aproveita ao máximo todas as oportunidades que tem de se multiplicar - sem olhar a quem.

Vulgarizaram-se as imagens terríveis dos doentes magríssimos, desvanecendo-se perante os nossos olhos - um dos polémicos anúncios da Benneton mostrava um doente de sida no seu leito de morte que se assemelhava às representações de Cristo no Calvário.

Mas a sida obrigou também a falar de sexo. Não sem bastantes resistências, que aliás ainda hoje perduram. Mas, algum caminho se fez desde os tempos de Margaret Thatcher que, segundo o The Guardian, não queria ouvir falar de sexo anal nas campanhas de sensibilização do público para as formas de transmissão. Hoje dia 1 de Dezembro é o dia Mundial da SIDA. Impõe-se acabar com a praga e com o preconceito.

aqueles que têm nome e nos telefonam
um dia emagrecem - partem
deixam-nos dobrados ao abandono
no interior duma dor inútil muda
e voraz

arquivamos o amor no abismo do tempo
e para lá da pele negra do desgosto
pressentimos vivo
o passageiro ardente das areias - o viajante
que irradia um cheiro a violetas nocturnas

acendemos então uma labareda nos dedos
acordamos trémulos confusos - a mão queimada
junto ao coração

e mais nada se move na centrifugação
dos segundos - tudo nos falta
nem a vida nem o que dela resta nos consola
a ausência fulgura na aurora das manhãs
e com o rosto ainda sujo de sono ouvimos
o rumor do corpo a encher-se de mágoa

assim guardamos as nuvens breves os gestos
os invernos o repouso a sonolência
o vento
arrastando para longe as imagens difusas
daqueles que amamos e não voltaram
a telefonar

Al Berto
in Horto de Incêndio

12 comments:

Maria P. said...

Excelente!
Junto a minha voz a este grito.

Boa noite.

OLHAR VAGABUNDO said...

concordo com os outros comentários...EXCELENTE...
abraço vagabundo

Menina Marota said...

Um grito emocionante e tão realista!

"arquivamos o amor no abismo do tempo
e para lá da pele negra do desgosto
pressentimos vivo
o passageiro ardente das areias - o viajante
que irradia um cheiro a violetas nocturnas"

Um abraço

silvia said...

Acho que ja disseram tudo, excelente...

Não podia deixar de vir cá para te desejar um optimo fim de semana.
Beijos e um :)

[[cleo]] said...

Uma peste ainda sem cura, passados mais de vinte anos após o seu primeiro sinal de existência... é muito tempo!
Milhares e milhares de vidas ceifadas pela sua catana impiedosa...

... e um dia deixamos de ouvir a voz daquele que tanto nos fazia sorrir...
... e nesse dia em vez de nos fazer sorrir... faz-nos chorar!

Beijo soprado

M J Correia said...

Sempre muito oportuno, muito eloquente e pertinente.
Ainda bem que voltaste
Bom fim de semana

MJC

Lucinda Duarte said...

Quantos de nós, ousaram sem saber,
Quantos de nós, partiram
Na ânsia da aventura...
De paixões vorazes,
Na urgência
Do sentir
Do frémito vibrátil,
Qual suporífero- impossível de olvidar...
Quantos de NÓS?

Som do Silêncio said...

Excelente!

Tino said...

Este é um problema de todos e não só de alguns. Impera o bom senso e o civismo na solução deste problema...nem é preciso pedir mais nada!

Grande abraço!

isabel said...

A ignorância ainda impera. Muitos acham que a vacina é já a cura...

Gostei dos textos. Bom fim de semana.

Nuno Guronsan said...

Vim aqui retribuir o cumprimento. E por aqui também se lêem palavras muito interessantes.

Abraço.

Anonymous said...

Muito interessante mesmo.
Também eu junto a minha voz a este grito.

Beijos
Paula Zegre