Monday, March 05, 2007

retrato do actor quando velho...

Vénus
Maurice e Ian são dois veteranos actores de sucesso cujas conversas passam sobretudo pelas enfermidades dos septuagenários (não gosto destas designações, enfim). Ian é o mais temeroso e julga que a morte está já ao virar da esquina, pelo que aceita que a sua sobrinha venha para sua casa tomar conta dele. Jessie, vinda da província para a grande cidade, com 20 anos, torna-se num pesadelo para Ian, mas Maurice vê muito mais do que seria normal na jovem irreverente. Típico fruto do século XXI, a jovem é a soma de uma intensa mistura cultural e um poço de insegurança, no entanto é uma tortura para o tio e acaba ficando aos cuidados de O’Toole. Essa interacção entre essas duas gerações, com uma enorme lacuna entre si, é o que guia o roteiro, do escritor inglês Hanif Kureishi. O primeiro passo de Jessie em direcção à auto-afirmação é posar como modelo. Porém, a inibição da jovem mulher impede-a de se despir. Maurice leva-a à National Gallery para que ela aprecie A Toillete de Vênus, de Velázquez. A relação entre os dois começa a se estreitar. São dois tipos em busca de uma segurança e atenção que já não têm mais. Os caminhos, no entanto, são tortuosos. Tanto Jessie quanto Maurice têm seus interesses específicos que condizem com suas idades, embora não se apresentem como meros emblemas das suas gerações.

Se por vezes a relação entre Jessie e Maurice esbarra numa vertente que lembra Lolita, não há um desejo doentio entre as partes, porém. Aqui, o outro representa a experiência de vida e o frescor da juventude. O flirt entre os dois vêm mais da solidão do que de um desejo propriamente sexual, mas, em minha opinião, a verdadeira Vénus é ele. Com direcção e guião harmoniosos, Vénus consegue navegar no enigmático e bonito oceano da dramaturgia, esquecendo os clichés de alguma da indústria cinematográfica actual.

Há alguns anos, a Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood ofereceu um Óscar honorário ao actor irlandês Peter O’Toole (Tróia, Lawrence da Arábia) – mas ele não queria aceitar. Dizia que esse prémio era como um convite à aposentação. Era como se Hollywood estivesse afirmando que ele estava velho demais para fazer algum outro grande trabalho no cinema. Ele acabou aceitando o prémio, mas isso não o impediu de realizar este grande trabalho no cinema (curiosamente a critica portuguesa arrasou este filme, estranho). O´Toole foi nomeado para o Óscar de melhor actor (a oitava nomeação na sua carreira), mas não ganhou. Tive pena, Peter O’Toole é o que podemos designar de grande senhor…
Venus - trailer

3 comments:

Anonymous said...

Fui ver este filme e adorei, embora considere que a decadência física é dos temas mais complexos de tratar em cinema, sobretudo quando se trata de retratar o quotidiano de individuos que, num pais do 1º mundo, deveriam ter uma qualidade de vida e um desafogo economico que lhes permitisse alguns devaneios (o filme passa-se em Inglaterra e supostamente seriam actores consagrados aposentados...
Peter O'Toole será sempre o melhor

APC said...

Também "não gosto destas designações" (tenho isso implícito em Chronos, Kairos, Temporal, Reviver e outros posts, e explícito numa qualquer troca de comentários que quase parecia querer fazer doutrina, e que já não consigo encontrar no meu blog hoje parado).
Gostei desta descrição cinematográfica, a fazer um pouco do teu retrato de artista enquanto novo (gostei do arzinho Joyciano;-).
Esse ressoar algo lolítico há-de estar presente sempre que duas pessoas muito(!?) díspares em idade cronológica se sintam muito iguais e muito bem enquanto tal no que mais privilegiem, ao ponto de se quererem juntas. Os afectos têm mistérios, disso sabemos; mas bem mais esses que as idades, afinal!

Um abraço.

Maria said...

Palpita-me que estão à espera que Peter O'Toole desapareça do mundo dos vivos para lhe prestarem a merecida homenagem...