Sunday, December 02, 2007

uma espécie de boneca…

"Mas agora vou começar a aprender pelos meus próprios meios. Vou tentar descobrir quem tem razão: o mundo ou eu" Nora, A Casa da Boneca (Ibsen)

Prolongo até tarde o trabalho no ministério e vou de seguida para a sala Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, para me encontrar com Norma Helmer que vive numa espécie de casa de bonecas, com brinquedos espalhados pelo chão. A protagonista, neste palco, é o retrato de todos os que vivem presos a uma máscara desde pequenos, entregues às regras e aos padrões que criaram e dos quais não conseguem libertar-se.

"Boneca" parte de um clássico da dramaturgia mundial que causou polémica no século XIX. O texto do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen coloca em cena uma mulher que, para conseguir realizar-se como pessoa, terá de abandonar a família. O clássico com que Ibsen chocou a sociedade expõe a história de uma mulher que antecipa, em mais de um século, a emancipação feminina.

Escrito em 1879, “Uma Casa de Bonecas” é um claro exemplo de realismo crítico. Nora, esposa e mãe, apercebe-se da sua cega obediência ao marido e à sociedade em geral. Além disso, está ferida com a ingratidão e o egoísmo do marido, a quem salvou a vida. Quando Nora bateu com a porta da sua casa de boneca, Ibsen lançou-a ao mundo para reclamar para a Mulher a liberdade de crescer e de se tornar numa pessoa autónoma.

Um ano depois das comemorações do 100º aniversário da morte do dramaturgo, o Nacional apresenta um texto em que a ilusão compete com a realidade e em que o teatro pretende ser um espaço de valorização, lugar de personalidades autênticas, despidas de referências ou obrigações. Hoje, tantos anos depois, quantas pessoas vivem mortas no casamento sem nunca sequer equacionar a sua independência pessoal?

O encenador comentou algures "Há uma frase do Roland Barthes que diz que a maior parte dos relacionamentos são mal-entendidos. Eu acho que esta peça é sintomática disso". Sábias palavras, admirável momento de teatro.

25 comments:

Red Light Special said...

Quantas pessoas vivem mortas no casamento? Infelizmente bem mais do que seria suposto... bem mais!
Mesmo nesta era de igualdade de oportunidades, a prostração perante o que é suposto num casamento é flagrante.
Beijos e boa semana!!

Lúcia Laborda said...

Infelizmente isso é corriqueiro demais! As pessoas não sabem cultivar o amor como se cultiva uma flor. O casamento vira rotina, enfado.
Boa semana!
Beijos

Anonymous said...

Sem dúvida que se vive agarrado a convenções mas isso também porque as pessoas não têm coragem para darem a si mesmas serem felizes...

Um abraço

Narcis

hora tardia said...

(espero que bom. o dito.)
:)


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tb. por aqui. Luis.


_____________

obrigada.

Shelyak said...

Para além do que foi aqui dito, uma pena eu não conhecer tanto do aqui partilhas... mas vou descobrindo... merci :)

avelaneiraflorida said...

IBSEN!!!!
de cada vez que aqui chego...algo de diferente e sempre um texto que me faz sentir dentro dele!!!!

"BRIGADOS"!!!!
No meio da confusão diária, da mediocridade, do desinteresse, do desgaste emocional e físico´das rotinas, é, no mínimo, reconfortante encontrar água neste oásis!!!!
"Brigados"!!!!

João Roque said...

Há duas frases a reter no teu texto e que de certo modo, ao complementar-se explicam o fracasso de muitas uniões sentimentais, de todos os géneros e formas: "Quantas pessoas vivem mortas no casamento sem nunca se equacionar a sua independència pessoal" e "A maior parte dos relacionamentos são mal entendidos".
Se se reflectisse um pouco mais nelas e se o respeito imperasse no meio do amor, as pessoas estariam menos sós, mesmo quando "acompanhadas".
Abraço.

sofialisboa said...

a casa das benecas pode ser lido, visto em filme ou em peça, mas é das melhores peças de palavras que vi/li na minha vida, recomendo. sofialisboa

Caco said...

Gostei do seu "infinito"!
abraço

eu said...

Sr. Luís Galego, sempre que por aqui passo sinto-me minúscula.


D. Galinha

GS said...

Lembro a peça, o autor!

É verdade que trouxe à mulher uma reflexão como 'ser pensante', autónomo, inteligente!

Não creio que a profissão a realize por si só! Mas também não acredito na 'sagração' do casamento!
O equilíbrio, sim, é importante!

Entre as emoções/afectos e a autonomia intelectual e económica... está a virtude!

Sensibilizada pelo olhar poisado em 'fragmentos'!

BlueVelvet said...

Olá Luis,
há muitos anos vi este filme.
Fiquei impressionada pela força desta mulher, não por se emancipar, mas por ter que cortar com a família para poder Viver.
Mal sabia eu que anos passados também eu teria a minha Casa de Bonecas.
Saudades e beijinhos

teresamaremar said...

E assim é, ao longo da vida, o homem vai ficando refém de uma série de elos.

Jonice said...

Gosto imenso deste texto. Arte e dramaturgia que não sejam mais do que pela arte e pela dramaturgia já são elementos propulsores da liberdade. Quando a dramaturgia canta com arte o romper das amarras, temos o ser humano a serviço do humano ser.

Lúcia Laborda said...

Olá! Passei pra lhe ver e desejar que seu fim de semana seja maravilhoso!
Beijos

Fernando Pinto said...

O amor, digo, o AMOR, é uma arte, digo, uma ARTE!

Abraço e bom fim-de-semana para ti.

FMOP

hora tardia said...

um blog que re.visito.



sempre que a sede do belo me ataca......:)


bjj.

TARCIO OLIVEIRA said...

A bênção, Professor...
-
Passei cá no teu blog novamente
aprendendo
maravilhando-me...
-
Abraço do sertão de Pernambuco.

ivone said...

afinal quase todos nós uns mais do que outros temos uma casa de bonecas...

é sempre com enorme prazer que entro nesta sua casa. e saio feliz não sei porquê.

Lúcia Laborda said...

Oie Luiz! Passei pra lhe ver, desejar um bom domingo e uma semana maravilhosa!
Beijos

Je Vois La Vie en Vert said...

Peço desculpa pela visita super-rápida mas enho um desafio para si no meu blog :
Vamos fazer uma cadeia bloguistica a favor dos direitos do homem, numa contagem decrescente até ao dia 10, dia em que se comemora a carta de declaração dos direitos do Homem.
Beijinhos verdinhos de esperança para si e para todos os seres que sofrem.

Oliver Pickwick said...

Vi há certo tempo, o filme baseado nessa obra. Mas tinha poucas lembranças, e também, não o associara a esse autor, Ibsen.
Post interessante, Luís, permitindo conhecer alguns detalhes do universo deste autor, além das considerações como você tão bem escreveu acerca desta obra.
Abraços, e tenha uma ótima semana.

pin gente said...

"Hoje, tantos anos depois, quantas pessoas vivem mortas no casamento sem nunca sequer equacionar a sua independência pessoal?"
imagino, luís, que a palavra casamento esteja aqui no sentido lato...
abraço
luísa

lena said...

Luís Galego

é com prazer que aqui entro e me sento para me deliciar

uma peça de teatro escrita por Henrik Ibsen

deixas-me curiosa, porque não a vi, só a li

ainda hoje assim é e já passaram mais de 100 anos, a peça foi escrita em 1897

nora esquece as próprias convicções e desejos, para se moldar a quem rodeia

para se libertar saí de casa...

esta peça é ainda o presente de um hoje...

obrigada por a trazeres até aqui, fizeste-me relembra-la

aqui todos os momentos são muito bem passados

um abraço meu para ti dentro deste

Infinito Pessoal!

beijinhos

lena

ninguém said...

Este é um dos meus textos preferidos não só em teatro mas na vida. Assim como Barthes, que você citou duas vezes e que tanto me alegrou ser lembrado. Homens de tempos diferentes, Ibsen e Barthes como souberam enxergar fundo na nossa alma. bj