Sunday, May 11, 2008

o lado mais intimo de uma ideologia...

“As mulheres, com menos ideias políticas, menos exigentes, menos complicadas, com noções de valores muito mais restritas, estão hoje aqui a dizer: Obrigado Salazar!” (locutora de rádio)

Hoje quase numa directa transportei-me para o Londres onde Inês de Medeiros me mostrou uma centena de cartas, escritas por mulheres portuguesas de diversos extractos sociais, que em 1958 - ano em que Humberto Delgado se candidatava à presidência da República, anunciando que se fosse eleito demitiria o emblemático ditador - foram encontradas por acaso num alfarrabista que não as leu por achar que eram cartas de amor. Respondem a uma circular enviada por um enigmático Movimento Nacional das Mulheres Portugueses de apoio à ditadura do qual não há referência nos manuais de história contemporânea. A circular a que respondiam nunca chegou a ser encontrada mas percebe-se que era um convite para que as mulheres se mobilizassem em nome da paz, da ordem, e sobretudo em defesa do salvador da pátria: António de Oliveira Salazar. Em todas as cartas, estas mulheres falam do reconhecimento e da admiração que têm pelo presidente do conselho. A realizadora ao confrontar essas mulheres com os fantasmas do passado, e graças a material de arquivo inédito, tenta perceber o lado mais íntimo de uma ideologia e mergulha-nos no mundo inquietante do salazarismo. A necessidade de falar foi mais forte e surgem por vezes o medo, a tristeza, o gueto em que se vivia em Portugal nos anos 50. Uma costureira, muitas professoras primárias, donas de casa, algumas mulheres de homens importantes do regime assinam as cartas.

Cartas a uma Ditadura é um documentário que desarma o regime e as suas estratégias de perpetuação a partir de testemunhos directos, pessoais, de um dos períodos mais bafientos da história portuguesa do século passado.

18 comments:

Special K said...

Também fiquei surpreendido com a existência deste movimento. Este filme torna-se portanto num importante documento para caracterizar a tal época cinzenta que o nosso país viveu.
Um abraço.

João Roque said...

Talvez daí a existência de uma estátua, pequena, e por acaso bonita, que havia naquele jardim perto de uma das entradas do Palácio de S. Bento e que dizia "Homenagem das mulheres de Portugal a Salazar"...
Enfim, obrigado por quê????
Abraço.

Anonymous said...

Acima de tudo é importante que venha a lume todo um tempo social e um leque de atitudes que ainda permanece algo obscuro. É cedo, muito cedo, para fazer história, mas nunca é tarde para o conhecimento.

MrTBear said...

Concordo com o Catatau, é muito cedo para fazer história....
Fica sempre a sensação que estão a fazer politica, a olhar para o passado com os olhos de hoje.... Acho que isso falseia a verdadeira história.

Anonymous said...

Todos os testemunhos que denunciem os 48 anos que afogaram este país num lamaçal de ignorância infernal, tudo o que contribua para a edificação dessa memória, é de louvar. E isso é fazer política porque o homem é um animal político, já Sócrates, o único, o sabia. E isso não é falsear a história, ainda que muitos gostassem que tudo continuasse como dantes, mas podem sempre ir-se embora... Obrigado por partilhares!

Oliver Pickwick said...

A essência da lavagem cerebral nunca morre. Infelizmente, ainda persiste nos dias de hoje.
Um abraço!

Maria said...

Um documentário que é urgente ver.
Desconhecia (e dada a minha idade devia conhecer) esse tal movimento. Seria mais um "movimento fantoche" de que o anterior regime tanto gostava para fazer de conta que... neste caso contra a candiatura de H. Delgado...
Obrigada pela informação, Luís

com senso said...

Obrigado pela referência a este documentário que eu não conhecia.
Penso que o "movimento" referido poderá ter sido circunstancial tendo em vista as eleições de 1958.
A principio pensei que pudesse ser um embrião do posterior "Movimento Nacional Feminino".
Mas Cecília Supico Pinto, não o refere a propósito da criação do seu "Movimento".
Foi um época negra para o País e apesar de em termos históricos 50 anos não ser muito tempo, acho que já vai sendo altura de se começar a escrever a História desses anos.
Outros povos não precisaram de tanto tempo para olhar para as suas épocas tenebrosas e começar a escrever desapaixonadamente e com objectividade sobre elas.
Os testemunhos de pessoas que viveram a época são importantíssimos, muito embora alguma má consciência, possa tentar algumas pessoas a reescrever os factos...
Por isso é bom que as recolhas de informaçáo e confrontação de dados, não fiquem para muito mais tarde....

Carla said...

não conheço, por isso obrigada pelo alerta
beijos

Maria P. said...

Excelente chamada de atenção, desconhecia...

Beijinhos e boa semana*

Anonymous said...

Quase, quase lá. Obrigado pela visita, no entanto a casa-mãe é A SEIVA

almas said...

As vezes estamos muito longe de perceber o que as pessoas realmente vivenciam e vivenciaram nos regimes autoritários. A falta de informação, as ameaças, a manipulação dos factos, os assassinatos,… Falamos “de barriga cheia” dos tempos da fome…e as pessoas?, a sua individualidade?..poucos querem saber…são necessários mais documentos deste género para calar o atrevimento da ignorância

Maria Faia said...

Ora viva amigo Luis,

Não fico surpreendida com este testemunho... infelizmente. A verdade é que, à época, vários movimentos de Mulheres se organizaram para apoio à ditadura. Veja-se o exemplo do movimento de mulheres que tinha como principal missão "constituir" as madrinhas de guerra dos soldados chamados a defender o Ultramar. Com este movimento pretendia-se fomentar o "elevado" espírito das tropas portuguesas no esforço de guerra da ditadura.
O próprio Humberto Delgado apoiou, inicialmente, o Salazar e a sua mão de ferro, contra o que se chamava "estado de anarquia dos republicanos que então sentia existir no seio dos partidos políticos". Afinal, tinha sido o "brilhante" professor de finanças a endireitar as finanças de Portugal e, para isso "bastou" que o país vivesse com os recursos que tinha, sem recurso a empréstimos ou negócios com outros países...
Parece-me que temos que analisar estes factos à luz do pensamento e da vivência da época, sem medos e sem preconceitos...
Mais uma vez, nos apresenta um excelente contributo para reflexão.

Um abraço amigo,

Maria Faia

BlueVelvet said...

Já tinha ouvido falar nesta Associação e vi na 2, há dias um documentário bem interesante de uma destas senhoras, que na altura se dedicava a gravar mensagens de familiares de jovens que combatiam na ex-colónias e depois lhas mandava. Há sempre alguém que dá a volta para tirar do mau, o bom.
Quanto ao obrigada, lembrei-me de uma anedota que a minha mãe me contou.
Parece que Salazar tinha o hábito de terminar alguns dos seus discursos com um " Obrigado Portugueses". E os Portugueses respondiam em coro: " Obrigados somos nós":))))
Beijinhos Luis

avelaneiraflorida said...

Amigo Luís,
o tempo foge...o tempo voa...
mas ao aqui chegar encontro sempre algo que me desperta a atenção!!!
não sei quando poderei ver este documentário...mas CERTAMENTE QUE O FAREI!!!
è importante conhecer a Memória, mas também saber as razões dela!!! Para que se não esqueça!!!
"Brigados" por mais este post!

Maria Oliveira said...

Gostei do saltitar da vida real para o teatro!

A tragédia está na vida e na arte!

A arte trágica é espelho da vida real. Com as suas contradições, paradoxos, fantasias, vontades de poder, de sobreviver num mundo de contradições e desarranjos emocionais!

Abraço

JMest said...

é pela primeira vez que dou com este blog e sinto-me impressionada..só tenho pena não o ter encontrado mais cedo..
de momento estou a debruçar-me sobre a época da censura,com o objectivo de trabalhar melhor Bernardo Santareno...por acaso tem algo a dizer?
mais uma vez, parabéns e continue o bom trabalho

Leonor said...

Luís

acabei de vir do filme (que acho muito bem feito) e comoveu-me, de alguma forma, a candura de algumas daquelas senhoras, quando já se passaram 50 anos.

outra coisa que achei muito curiosa foi que, a grande maioria, não consegue definir nem Ditadura nem Democracia, e aí quer as Senhoras «ricas» quer as Senhoras «pobres», se é que podemos definir as pessoas assim.

Isso, a meu ver, já deveria ser objecto da nossa reflexão. Porque quer dizer muito...

Bom fim de semana