(Pablo Picasso, L'enfant à la colombe, 1901)
Emaranhado numa teia de indecisões, o insólito “caso” Madeleine McCann chega ao fim, com o epílogo previsto: o arquivamento do processo judicial, não obstante o furor mediático e a ritmada investigação criminal, os testemunhos dos mirones, ávidos por espectáculo e por dramas, gente curiosa, não por interesse sociológico ou antropológico, mas pelo prazer notoriamente voyeur de um povo que aprecia “espreitar” aflições em cativeiro, já para não assinalar esse equivoco conhecido por segredo de justiça e que amamentou, qual galinha dos ovos de oiro, a comunicação social. Jornais e cadeias de televisão travestidos em abutres-do-velho-mundo ou em indústrias funerárias, sustentam-se do sofrimento alheio e o “caso” Maddy, apesar das discrepâncias mediáticas, não é estruturalmente divergente de outros incidentes que sucedem no país (e no mundo) com crianças indefesas, desaparecidas e exploradas sexualmente. O que mais restam, agora, são perplexidades – e custa a aceitar como as instituições se arredam do acontecimento (deste e de muitos outros) como se o pecado apenas morasse ao lado. O “caso”, este tipo de “casos”, não pode ser arquivado…
14 comments:
Uma maravilha este post!
Desde a gravura escolhida ao texto.
Também vou escrever sobre isso hoje, mas claro que fico a perder:))
Também quem me manda querer comparar-me com a Excelência? ( De excelente).
Beijinhos Luis
Relembro, somente, a Declaração dos Direitos da Criança (20 de Novembro de 1959) aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral da ONU.
Quantos artigos, estes pais não violaram?
Vejamos, só alguns:
o A criança deve crescer amparada pelos pais e sob sua responsabilidade, num ambiente de afecto e de segurança;
o A criança, em todas as circunstâncias, deve estar entre os primeiros a receber protecção e socorro;
o A criança deve ser protegida contra toda forma de abandono.
Muitos mais haveria a citar…
Ainda assim, o procurador do Ministério Público considera que não há provas que permitam acusar os McCann pelo desaparecimento da filha.
Todos consideramos que houve uma excessiva cobertura mediática engendrada, regalo da comunicação social e dos mais curiosos portugueses, que são muitoooos. Quase que me atrevo a comparar esta curiosidade sórdida com os acidentes de viação. Sempre que ocorrem, o bom português esquece-se da falta de tempo, prolongando as filas de trânsito. Há um fascínio por imagens de desgraça, sofrimento alheio…
“Casos” destes, infelizmente, há muitos.
Chego à conclusão que o sofrimento e desgraça só servem interesses sensacionalistas.
Ou então, a exploração e sofrimentos das crianças nada conta quando adquirimos uns ténis de marca…made in Indonésia! Contar conta, mas nós contamos mais que os outros, mesmo os outros sendo crianças.
Está nas nossas mãos não alimentar esses interesses.
Quanto a ser arquivado, sinto-me inconformada, mas não espantada.
Este assunto da Maddie dava pano para mangas!
Beijinhos
Há coisas que não se explicam...
Acabei de ver no telejornal uma reportagem detalhada sobre o assunto, baseado no "livro bomba" que sai por estes dias.
Incomodado com a reportagem, chego aqui e leio o teu texto que vai muito para além deste caso... mediático!
Estou inteiramente de acordo quando afirmas que estes "casos" não podem (devem?) ser arquivados!
Este assunto começou a cheirar mal logo cerca de um mês depois. E tresandou em crescendo, com o ex assessor de Gordon Brown e a profilaxia acusadora dos media ingleses.
A garota morreu, está visto. As circunstâncias de um acidente não assumido ficarão sempre a pairar numa suspeita nebulosa . Os pais, esses já têm a sua espada de Dâmocles - com ou sem culpas no cartório.
Mais o que mais me enoja, Luís, é ter desaparecido - esfumado no ar - uma aluna minha de 16 anos, em Maio, depois de ter tido uma criança em Janeiro (de um pai ausente) e de termos encontrado uma família de acolhimento para a criança e a criança progenitora. Polícia, Segurança Social, Judiciária - todos em testado de graça - "aguardaram" notícias. Suspeitando de um envolvimento forçado numa rede de prostituição forçamos "empenhos" na equipa de investigação (os professores também sabem "meter" cunhas). Para nada. Silêncios e impotências. A criança abandonada é a única memória que a garota deixou. Aos 15 anos, quando não se é inglesa, nem se tem pais que lutem por nós até ao fim do mundo, é muito perigoso "desaparecer" sem deixar rasto...
hoje venho deixar o meu espanto sobre o comentário deixado pelo catatau acerca da aluna desaparecida...que dor para esse filho deixado sem passado. a vida é mesmo dura, para os pais da madeleine também, para esse filho deixado, são coisas que nada podemos fazer e que nos custa tanto saber...tu luis, parabéns por estares atento. sofia
Retenho e dou grande realce ao epílogo do teu post.
Abraço.
Lamentavelmente outra coisa não era de esperar... Vá lá saber-se porquê... Só se pode dizer "Adeus Maddy"...
Abração grande
Miguel
O que me irrita mais neste caso é fazer o paralelo com a "investigação" do caso Joana e a disparidade de conclusões.
No fundo o grande problema é o desaparecimento da criança, o resto é folclore.
A PJ e o MP, infelizmente, ainda parecem viver segundo o princípio do prender para investigar (com métodos muito próximos dos tribunais do Santo Ofício) depois, quando não resulta, uns demitem-se, outros são demitidos e alguns assobiam para o lado.
Abraço
O menino da sua mãe
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
— Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe.
Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço...
Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo e bem!»
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.
Fernando Pessoa
Gostei da associação do texto com
a ilustração. Gostei da escrita: crítica, objectiva, mas sem panfletarismos. Gostei da ironia
que por vezes nos surpreende - exemplo: "esse equívoco conhecido por...". Gostei de uma certa frontalidade, sem agressividades desnecessárias mas firme - exemplo:
a alusão ao "voyeirismo" mediatico-social. Parabéns pelo texto, Luís!
Um abraço (regressado)
arquive_se ao a caso
e o pecado aqui tão perto...
Tudo passará sempre por dois pesos duas medidas... é a condição humana que temos e que somos... capazes dos maiores feitos e também das maiores misérias...
Abraço que te deixo,rapaz!
Concordo!
É caso para dizer, com uma dilacerante sensação: "tanta coisa para nada!"
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