Tanta gente na rua, sábado à tarde em Vila Franca de Xira, esplanadas cheias, gente e gente a cavaquear. Neste primeiro fim-de-semana de Julho, apanho de surpresa uma terra que comemora, engalanada, o Colete Encarnado. Uma ode ao campo e ao campino, que recebe todos quanto a queiram viver. Corridas e esperas de toiros e concertos são alguns dos momentos vibrantes de que me apercebi estarem a acontecer. Mas foi por acaso que ali fui parar, a intenção era mais do foro museológico. A ideia era perder-me no Museu do Neo-Realismo, que não conhecia. O neo-realismo português com as suas influências; por um lado o neo-realismo literário, em que Alves Redol e Manuel da Fonseca foram determinantes; e por outro, os movimentos artísticos da América do Sul: o muralismo mexicano, com as obras de Orozco, Rivera e Siqueiros, e a obra de Portinari. O fundamento do neo-realismo era a ideia de que a arte deve "exprimir a realidade viva e humana de uma época", "exprimir actualmente uma tendência histórica progressista", tendo em conta que "formas novas podem ter um significado velho" e "formas velhas - ainda que excepcionalmente - podem conter um significado moderno e progressista." Isto era o que advogava Álvaro Cunhal nas páginas de O Diabo, nos finais da década de trinta do século passado. Muitos dos intelectuais neo-realistas eram comunistas, mas outros não, eram simplesmente artistas que viviam numa ditadura e sentiam a necessidade de expressar a sua revolta.
O museu exibe um vasto conjunto de colecções, com destaque para os espólios doados, entre literários, artísticos e editoriais, arquivos documentais, acervos iconográficos. Não é muito pacífica a realidade que evoca (ler a propósito artigo de Alexandre Pomar). Quando comentei a intenção de o visitar um amigo meu reagiu logo dizendo que aquilo era uma homenagem a um movimento que conseguiu associar mau gosto estético com a promoção do totalitarismo. Não consigo subscrever por inteiro tal parecer. Surpreenderam-me trabalhos que nunca vira e arrebatou-me parar junto de Júlio Pomar (aliás o grande impulso para me deslocar a terras Vilafranquenses). Tinha que visitar este espaço até porque é mais uma peça de um puzzle necessária para entender a história recente deste País que foi apelidado, por alguém com currículo, de Portugal amordaçado.
Na auto-estrada de regresso, o meu espírito viaja por entre aquela tão diversa gente que habita o museu (nem todos bons, mas muitos ansiando um mundo melhor) … Chego de Vila Franca e aterro no Chiado. Clima festivo no largo de São Carlos. A Orquestra Sinfónica Portuguesa juntou alguns dos mais conhecidos compositores americanos e recriou ali as suas melodias. A iniciativa foi cognominada de "Música ao largo", e, na noite de ontem, a iniciativa respondeu por "Bernstein & friends". Para além do Senhor West Side Story, ouviram-se composições de Copland, Barber, Morton Gould e Gershhwin e participaram o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, Ana Paula Russo e Elvira Ferreira (sopranos), João Rodrigues e João Miguel Queirós (tenores), João de Oliveira (baixo) e António Rosado (piano). A direcção musical foi assinada por David Levi. E eu aplaudo. Noite agradável de Verão e largo a abarrotar. Tudo isto a lembrar os Proms londrinos e tudo isto sem a necessidade de se pagar. Christoph Dammann importa-se de repetir, por favor, ainda que com reportórios mais exigentes?
O museu exibe um vasto conjunto de colecções, com destaque para os espólios doados, entre literários, artísticos e editoriais, arquivos documentais, acervos iconográficos. Não é muito pacífica a realidade que evoca (ler a propósito artigo de Alexandre Pomar). Quando comentei a intenção de o visitar um amigo meu reagiu logo dizendo que aquilo era uma homenagem a um movimento que conseguiu associar mau gosto estético com a promoção do totalitarismo. Não consigo subscrever por inteiro tal parecer. Surpreenderam-me trabalhos que nunca vira e arrebatou-me parar junto de Júlio Pomar (aliás o grande impulso para me deslocar a terras Vilafranquenses). Tinha que visitar este espaço até porque é mais uma peça de um puzzle necessária para entender a história recente deste País que foi apelidado, por alguém com currículo, de Portugal amordaçado.
Na auto-estrada de regresso, o meu espírito viaja por entre aquela tão diversa gente que habita o museu (nem todos bons, mas muitos ansiando um mundo melhor) …
23 comments:
também queria :(
beijoca
Amigo Luís
tu consegues sempre surpreender-me, sempre e cada vez mais.
Tens uma energia cultural incrível e multi-facetada...
Atrever-me-ia, se isso não soasse um pouco a vulgar e popularucho em demasia, a denominar-te uma espécie de "Time Out" personalizado...
Abraço.
Por muito que me digam que algo não vale a pena, a minha teimosia leva-me sempre a testar a sentença, rsrsrsr. E um museu, para mim, é sempre um museu. Um local onde se mostra com arte e artifícios muito do que se conhece, adivinha ou se intui. Quando passar por Vila Franca, quero ver mais um - ínfimo - braço de uma certa raíz cultural portuguesa e vou com o que dizes e pelo que dizes. Ia vê-lo na mesma, claro.
A propósito da capacidade de nos espantarmos com o que é oferecido à rua, ainda ontem à noite, numa Guimarães fervilhante de gente a fruir o berço, me deliciei com uma performance de actores num teatro de rua improvisado e delicioso. É bom quando não se pede, quando não se conta com e quando não se paga por algo que nos enriquece.
Parece ter sido tudo excelente para rechear um grande sábado cultural! :)
As festas do Colete Encarnado... fiquei com a ideia de que enriqueceram tudo...
E a sorte de ter visto-ouvido tocar o António Rosado, músico que muito aprecio!
As coisas que tu descobres...
boa semana!
Sempre em cima dos grandes acontecimentos culturais. A festa do campino não me atrai muito mas o Museu do Neo-realismo já é outra conversa. Visita indispensável da próxima vez que passar por aquelas paragens.
Um abraço.
por vezes questiono_me se não serás nómada!?
nao podia deixar de passar sem te dar. os meus parabens pelo magnigico blog que apresentas. qual cartaz das artes...
Adoro noites de verão com boa música!
Que sorte terres tido oportunidade de teres esse belo sábado :)
Boa semana
Um forte abraço. Encontramo-nos à volta das minhas férias.
O Museu do Neo-Realismo é muito bom, já o visitei.
Vila Franca, nesses dias de festa também me encanta. Já tive o privilégio de ir lá a uma Tertúlia e gostei muito. Mas curiosamente o "espectáculo" mais bonito que lá vi foi uma Missa Rociera na igreja Matriz. É uma coisa a não perder...
Gostei da forma como falaste do
neo-realismo, longe dos juízos apressados do teu amigo, e do modo
como tudo isso pode acabar, sem
dramáticas contradições, numa noite
bem agradável...
Exemplo do que referes nas tuas palavras é o do escritor Ferreira de Castro, precursor do neorealismo em Portugal e o mais traduzido dos escritores do nosso país antes do 25 de Abril, e até Saramago ganhar o Nobel, nunca foi filiado no partido comunista.
Mais um excelente post, também vais ser processado!:)
Beijinho*
Na verdade é preciso pisar o chão das coisas para conhecer a memória
Sempre uma referencia
os seus textos e caminhadas
Abraço
Caro Luis
Ainda não fui ver o Museu, embora já tenha feito tenções de tal várias vezes... e concordo: independentemente do que pensamos sobre o movimento, ele não deixou de existir.
Conhcer os outros e as suas circunstâncias é sempre interessante
boa semana
E Soeiro Pereira Gomes? Não cabe aqui, talvez, mas associo sempre os livros dele a esta zona, aos ribeirinhos, à lezíria, aos pescadores do rio.
Imagens de um tempo que já passou.
Apesar de não conhecer o Museu, tenho umas certas e determinadas reticências sobre a arte empenhada, o neo-realismo faz-me umas certas cócegas. Claro que Pomar é Pomar!
A música ao largo é que deve ter sido o máximo! tivéssemos sabido a tempo!
abraços
Descobri o seu blog hoje, através de um outro de um amigo aqui de Loulé.
Já o coloquei nos favoritos pois fiquei agradavelmente surpreendido com o que vi e li. Não sendo um intelectual grande parte dos textos, das fotos das sugestões foram-me muito agradáveis. Parabéns. Palma.
Tenho um humilde blog chamado "Louletania" onde me entretenho. É apenas uma pequenina sala onde alguns amigos passam alguns minutos e onde os assuntos expostos são tão simples como a dita pequenina saleta. -Palma
Tenho andado arredia... vim só deixar um beijinho.
Fica bem!
interessante.
tenho a 1ª edição da obra de contos do Afonso Ribeiro, com essa capa do Júlio Pomar, da editorial Ibérica, Porto, 1947.
a título de curiosidade, Afonso Ribeiro, nasceu em Vila da Rua, concelho de Moimenta da Beira, a uma légua ancha do Carregal, onde nasceu Aquilino Ribeiro. professor do ensino primário, proibido de exercer pelo regime, esteve preso e foi degradado.
já escrevi sobre ele na "Forma Breve", nº1, da Univ de Aveiro.
tenho, ainda, o prazer de possuir a sua obra completa e em primeiras edições.
abr.
pn
Foi um belo tempo contido num dia, certamente.
Também já visitei este museu e escrevi um post sobre ele http://umaespeciedemim.blogspot.com/2008/01/o-neo-realismo-no-museu.html
Gostei bastante. Não sei bem se é por se debruçar sobre um período mais recente da nossa História, ou se por fazer alusão a pessoas relacionadas com outras que conheço, ou por recordar algumas vivências lá apresentadas. Ou por tudo.
Bjs
Também já visitei, em Março, o Museu do Neo-realismo, que merece de facto ser visitado. Pelo que se revive. Pelo que se aprende.
Na altura estava lá uma exposição de José Dias Coelho, não sei se se mantém...
Um abraço
Em Portugal, de uma forma geral, sinto-me só, na imensa solidão, que os equipamentos culturais apresentam. Todavia, o meu egoísmo, faz com que aprecie essa solidão.Não conheço este museu, mas fiquei com vontade...
A base ideológica deste movimento confere-lhe força, realismo, vida...porque afinal, é da vida que se trata!O "Almoço do Trolha" faz parte de vidas.
Gostaria de ter vivido até à segunda metade do século XX, em termos artísticos e culturais. Havia ousadia... no meio de tanta atemporalidade.
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