Ela é procuradora do Ministério Público, é loira e tem olhos verdes, desejou ser actriz, intérprete de Chekhov, Lorca, Ibsen, Strindberg ou mesmo Giraudoux. Ele é investigador de microbiologia, moreno, olhos azuis, perfeito homem, nunca sonhou ser nada a não ser viver um dia de cada vez. Eles fazem um par digno da Corín Tellado, casal exemplar. Ela vive mergulhada na averiguação de um caso que apaixona a opinião pública. Ele trai-a com a sua melhor amiga, assistente de Psiquiatria, numa escola médica para os lados do Campo Santana, casada com um ex. governante e agora administrador de uma reputada Fundação, com sede em Paris. Ela, a amante, gere bem a relação extraconjugal, ele, o galanteador, vive ainda melhor com a situação porque não pede amor ou cumplicidade, mas apenas sexo, diferente. Entre lábios e lábios toda a música lhes pertence, morrendo na boca um do outro. A outra, a mulher, não sabe de nada. O marido da amante só desconfia. Vive obcecado por visitas nocturnas, que não o exponham, a saunas e cinemas rascas em espécie de bolso, quando as noites são tão compridas, tão quentes. Ela acumula a brutalidade de trabalho que a comarca lhe impinge com a angústia mental, ao estilo de Sarah Kane, a sua dramaturga eleita. Embriagada por sofrimentos diversos, o amor, para ela, aconteceu, como carpiu o poeta, no tempo dos segredos. Um entardecer em que a maquilhagem foi absorvida pelos beijos de outro homem, num Verão esplendoroso, o barulho do mar muito próximo. Mãos brutais ao tocarem o seu corpo. O prazer tinha sido como se perdesse a vida. Um rosto de que ainda se lembra mas que lhe parece agora hostil. A amante, defensora oficial de grandes princípios e da bioética, já chorou baba e ranho na cama de um hospital situado na Whitechapel, em terras de Sua Majestade. Castigo do céu, o filho seria dele, e nem um nem outro podiam ou queriam correr este risco, imprevistos incompatíveis com a sua imagem. É médica e uns dias em Londres confundem-se com uma qualquer conferência sobre a sua especialidade. Hoje encontram-se todos para jantar num luxuoso restaurante perto do Museu Arpad/ Vieira da Silva, ali mesmo contíguo ao Jardim das Amoreiras. Eles são jovens, elegantes, o espaço agradável, cai a noite e o silêncio nos ombros, o ambiente é podre e ninguém é inocente.
Luís Galego
Luís Galego
20 comments:
Gostei, bastante
Abraços d´ASSIMETRIA DO PERFEITO
a vida é um lugar estranho...
bjs
Casos banais, dissecados com mestria mas alguma frieza.
Não tanto a novidade, não tanto o conteúdo... mas a forma da tua escrita. Sempre cativante. :)
"Embriagada por sofrimentos diversos, o amor, para ela, aconteceu, como carpiu o poeta, no tempo dos segredos."
Na verdade, o maior risco da vida é mesmo viver.
Saudações da
*__bonecadetrapos__*
Uma denúncia, sem concessões, e eivada do tom normal e poderoso da tua escrita, da hipocrisia social/sexual de uma certa classe alta portuguesa; é ficção, mas muito real. Estupendo.
Abraço.
Um pequeno apontamento onde "meia dúzia" de palavras descrevem em grande os tantos (podres) jardins secretos que meio mundo procura esconder e outro meio procura encontrar.
Beijos e bom fim-de-semana.
Gostei muito.
Queres ir comigo ...
Milena
Então ...
Gostei deste post, pois expõe uma realidade que não é de todo inverosímil na nossa sociedade de brandos costumes.
Não sei porquê, fico com a impressão que quanto maior for o poder económico dum casal, maior é a possibilidade de infidelidade... é o que vejo no meu dia-a-dia...
Oie lindo, isso acontece, quando as mulheres esquecem o marido, para viverem seu lado profissional.
Gostei imensamente do post! Pura realidade.
Bom fim de semana! Beijos
Soberbo.
A realidade dura e crua.
Beijinhos Luis.
Luís,
só posso dizer: um texto belo e excelente!
Parabéns!
Um abraço:
L.C.
a frieza das palavras na crúa realidade...excepcionalmente bem escrito!
bom fds
Gostei de te ler !
beijinhos verdinhos
Gostei do Texto.
Mas não vale a pena armarmo-nos em moralistas. A vida é mesmo assim. Que devemos fazer ao fim de alguns anos de casamento ? Arranjar um/uma amante é claro. Ninguém vai desfazer uma família apenas porque se fartou do parceiro/parceira, e se o hão-de fazer em encontros com estranhos o mais normal e menos perigoso, é fazê-lo entre amigos.
Achei graça e ri-me de alguns comentários(hipócritas?), acerca destes comportamentos.
Não foi assim que organizaram a sociedade ? Temos a obrigação de fazer qualquer coisa para ir-mos sendo felizes, nem que seja de tardes roubadas ao casamento.
Abençoadas horas extraordinárias !! Bom mesmo é tudo acabar à volta de uma mesa de almoço.
Um abraço nocturno e sem falsa moral.
Pois. Acontece a vida ser um labirinto onde a flutuação de lugares por vezes confunde.
Bem escrito!
Bom fim-de-semana :)
nunca tinha lido um "conto" teu. gostei muito, luís.
podemos esperar a continuação?
abraço
luísa
Um retrato muito bem "pintado", que nos prende do princípio ao fim!!
um conto "quase" quase ficção, quase relidade.
resumindo um conto muito bem escrito.
ando a ler isto aos poucos....
fica um beij
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