Gostava de saber porque te amo nesta forma estranha
de te não ter amado nunca.
Virgílio Ferreira
Paris é uma cidade de um magnetismo poderoso, mesmo para quem sofra de constante abstinência de amor. Nunca se sabe o que pode suceder quando a alma anda por aí livre ao acaso.
Naquela tarde nostálgica de domingo Clara entra no Museu Picasso e sobressalta-se com os olhos dele, de uma beleza que quase lhe dói, uns olhos meigos mas que lhe fazem lembrar o mar. O Rafael tem menos vinte anos do que ela, o cabelo loiro platinado e a suave melancolia que atrai uma mulher. Tem aquele ar de River Phoenix talvez porque tenha estado três semestres em Oregon a tentar estudar literatura norte americana e o carácter sublime e incompreensível dos poetas. Quando dão por isso Clara já lhe está a tocar na face, ele a acariciar a mão dela, um súbito abraço e tudo o mais não importa. São estrangeiros numa cidade onde até os museus são perigosos, as emoções duram semanas num minuto, saltam as estações, os corações desmaiam na boca antes de se morderem e não querem ser incomodados por nada deste mundo. Quando são literalmente convidados a sair do museu atravessam a Rue de Thorigny e Rafael leva-a para o seu apartamento. Um prédio muito antigo, meio fantasmagórico, que mais parece a pinacoteca raramente frequentada onde Clara trabalha como documentalista, desde que se licenciara em Filosofia. Tinha chegado dos Estados Unidos há pouco tempo, desculpa-se Rafael. Ela não se importa. Acha um sonho, velas acesas, vinho branco e uma serigrafia de Maurice Boitel frente à cama onde ele a enfeitiça na mais doce das ilusões. O sexo é um animal estranho pelo que tem de o ir aquietando como pode, mansamente. E fazem o que é possível fazer, os dedos a arder na doçura dos corpos. Por fim ele adormece a falar-lhe na paixão de Yann Andréa por Marguerite Duras, aquele amor que ilumina o final da vida da escritora. De repente é noite e Clara é forçada a separar-se da beleza do corpo do seu anjo, da sua respiração que enche o quarto todo, deixa-o deitado, nu sobre o lençol e parte para ir ao encontro do marido que a aguarda no Hôtel Amour, num quarto cheio de fumo e uma última garrafa de gin à cabeceira, ansiando que ela o satisfaça, ela, Clara, que leva consigo um coração consumido pelo bater das próprias pancadas. Paris é um vicio, o desejo nunca é demais, algo acaba sempre por acontecer e certamente que a velha cidade das luzes guardará mais esta confissão que fará dela o que entender.
Luís Galego
Imagem: Le baiser, Musée National Picasso, Paris
de te não ter amado nunca.
Virgílio Ferreira
Paris é uma cidade de um magnetismo poderoso, mesmo para quem sofra de constante abstinência de amor. Nunca se sabe o que pode suceder quando a alma anda por aí livre ao acaso.
Naquela tarde nostálgica de domingo Clara entra no Museu Picasso e sobressalta-se com os olhos dele, de uma beleza que quase lhe dói, uns olhos meigos mas que lhe fazem lembrar o mar. O Rafael tem menos vinte anos do que ela, o cabelo loiro platinado e a suave melancolia que atrai uma mulher. Tem aquele ar de River Phoenix talvez porque tenha estado três semestres em Oregon a tentar estudar literatura norte americana e o carácter sublime e incompreensível dos poetas. Quando dão por isso Clara já lhe está a tocar na face, ele a acariciar a mão dela, um súbito abraço e tudo o mais não importa. São estrangeiros numa cidade onde até os museus são perigosos, as emoções duram semanas num minuto, saltam as estações, os corações desmaiam na boca antes de se morderem e não querem ser incomodados por nada deste mundo. Quando são literalmente convidados a sair do museu atravessam a Rue de Thorigny e Rafael leva-a para o seu apartamento. Um prédio muito antigo, meio fantasmagórico, que mais parece a pinacoteca raramente frequentada onde Clara trabalha como documentalista, desde que se licenciara em Filosofia. Tinha chegado dos Estados Unidos há pouco tempo, desculpa-se Rafael. Ela não se importa. Acha um sonho, velas acesas, vinho branco e uma serigrafia de Maurice Boitel frente à cama onde ele a enfeitiça na mais doce das ilusões. O sexo é um animal estranho pelo que tem de o ir aquietando como pode, mansamente. E fazem o que é possível fazer, os dedos a arder na doçura dos corpos. Por fim ele adormece a falar-lhe na paixão de Yann Andréa por Marguerite Duras, aquele amor que ilumina o final da vida da escritora. De repente é noite e Clara é forçada a separar-se da beleza do corpo do seu anjo, da sua respiração que enche o quarto todo, deixa-o deitado, nu sobre o lençol e parte para ir ao encontro do marido que a aguarda no Hôtel Amour, num quarto cheio de fumo e uma última garrafa de gin à cabeceira, ansiando que ela o satisfaça, ela, Clara, que leva consigo um coração consumido pelo bater das próprias pancadas. Paris é um vicio, o desejo nunca é demais, algo acaba sempre por acontecer e certamente que a velha cidade das luzes guardará mais esta confissão que fará dela o que entender.
Luís Galego
Imagem: Le baiser, Musée National Picasso, Paris
30 comments:
Maravilhoso!! Adorei
Ana
Mais um belíssimo texto, Luís.
Claro, objectivo e bem inserido, na realidade em que vivemos...
Tão doce, tão claro, tão natural e pleno dos desejos, que a todos nós acontecem - o carinho e a paixão, que um casamento esgotado, como entendi, acho e penso determina, nada pode fazer, para a não realização desse GRANDIOSO momento da Clara...
PARABÉNS, Luís.
Obrigada, p'la magnitude deste momento proporcionado.
Um beijo.
Visualizei....e adorei.
Mais palavras para quê???????
Um beijinho pa ti!!!
Maruska
Paris..... já fui mto feliz em Paris:)
Um belo texto que ao falar do nascimento de uma paixão repentina, profunda e brutal, consegue ser o grito de uma alma solitária eesfomeada de amor.
Paris...a cidade de todas as ilusões, de todos os sonhos, de todas as realidades.
Um texto muito interessante.Como um caleidoscópio!
http://chovemlivros.blogspot.com/
teria muito gosto que passasse por lá! ;)
Catherine
Paris dá para tudo, até para isto.
a história é bela, bem escrita como sempre, mas, e eu não sou puritano, não gostei do final, talvez porque tresanda a hipocrisia, aliás como o mundo...
Amei este post... fazia tempo que eu nao passava por aqui. Agora nao vou para de seguir este maravilhoso blog!
Mas um conto, doce e luminoso como a Cidade Luz. Parabéns!
fiz minah estreia a Paris ha poucas semanas, e fiquei deslumbradissimo. Quero morrer em Paris, qual veneza?!
abraços!
Tudo teu é cheio de luz e de encantamento.
Um beijinho, Poeta
...traigo
sangre
de
la
tarde
herida
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazón
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...
desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ
TE SIGO TU BLOG
CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesía...
AFECTUOSAMENTE
LUIS
ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE CACHORRO, FANTASMA DE LA OPERA, BLADE RUUNER Y CHOCOLATE.
José
Ramón...
Paris ajuda, mas uma documentalista com apetites vorazes por jovens bem parecidos pode acontecer e acontece em Lisboa e até nos arredores que de charmosos têm pouco como o Cacém.
Mais um texto muito bonito e bem escrito. Isso já é habitual, mas celebra-se sempre. Um abraço.
Maravilhoso, este conto.
Prendeu a minha atenção, envolvendo-me num msito de encanto e admiração.
Um beijinho.
gostei imenso!
é sem dúvida um prazer regressar a este espaço, luís.
"o desejo nunca é demais"
um abraço
luísa
"as emoções duram semanas num minuto"
Roubei-lhe esta frase que adorei e peço-lhe que me perdoi o pecado do "roubo"...
Um texto que senti no meu "fundo"!
Paris é assim, e há mais lugares míticos... onde os nossos sentidos disparam para todos os lados.
Por vezes... as emoções duram anos num segundo, que não voltamos a viver.
Simplesmente, delicioso!
Identifico-me com esta história.
Já vivenciei uma situação muito semelhante...só que foi em Roma!
Adorei.
Onde entra a fantasia e acaba a realidade?!
Nunca o saberemos.
Um abraço
LUCY
Já tinha saudades de te ler.
Bj
Lurdes Soares
Acho que nunca tinha lido nada seu, assim, com tempo (à excepção do post anterior que não comentei, pois esperava/espero(?) continuação.
Paris é mesmo uma Festa...E há uns anos atrás, eu poderia ser a Clara desta história ;-)).
Belo momento de leitura.
Abraço.
Ah Paris,
Como gosto de ti!
Como me soube bem ler este texto!
Ah, Paris
C`est la ville de mon premier amour....Aussi du derriérre...
"Bonjour Monsieur, damme!"
-Un café et un Pérrier ,s`il vous plaît!...
Quìl est beau Paris!
Ah montmart!
Ah Montmartre!
Percebe-se a sofreguidão do toque... a ânsia infinita e imperfeita...
Foi bom ter passado de novo por aqui. Obrigada
Então?
Estamos à espera de mais contos...
Bom fim-de-semana.
Um momento na eternidade e a eternidade num momento...
Esta é a magia de Paris e suas histórias amorosas....
Gostei muito de ler este texto do Luís: Para além da boa escrita, Paris está omnipresente em cada palavra,gesto e
emoção!
Ai , Paris, Paris!
(Ana Maria de Portugal)
Não tem como não seguir. :P
Que lindo blog, Luís!
Beijo e parabéns!
@n@m@ri@
Que belo Blog, Luís!
Umas vezes comento como Ana Maria de Portugal, outras como Luanamar...
Quero seguir este blog...
Beijo e parabéns!
@n@m@ri@deportug@l
Já tenho saudades da sua escrita.
Desejo que esteja tudo bem consigo-
bjs
Pois Paris é a minha cidade desde 1963...e até tive a sorte de estar lá em Maio de 68....Já perdi a conta das vezes que fui a Paris...mas sempre que estava neura fugia para Paris...hoje devia fazer porque este rectangulo é o paradigma da neurose galopante....Paris bem escrito e retratado por si Luis....Parabens!!
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