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Thursday, April 19, 2007

escrita da terra...

Poema da Despedida

Não saberei nunca

dizer adeus


Afinal,

só os mortos sabem morrer


Resta ainda tudo,

só nós não podemos ser


Talvez o amor,

neste tempo,

seja ainda cedo


Não é este sossego

que eu queria,

este exílio de tudo,

esta solidão de todos


Agora

não resta de mim

o que seja meu

e quando tento

o magro invento de um sonho

todo o inferno me vem à boca


Nenhuma palavra

alcança o mundo, eu sei

Ainda assim, escrevo.
Mia Couto


À pergunta «como começou a escrever?», Mia Couto responde quase sempre: «Nunca sei responder a essa pergunta. Encontro-me sempre inventando uma nova razão. Sou filho de poeta, nasci entre livros e mais do que entre livros nasci com essa doença de não nos bastar o mundo real. Com se o sentimento de família se encontrasse apenas nesse encantamento de contar histórias e recriar o universo».

O escritor moçambicano é o vencedor da XVII edição do Prémio União Latina de Literaturas Românicas 2007, criado em 1990 pela organização fundada pela Convenção de Madrid para evidenciar e difundir a herança cultural e as identidades do mundo latino. Mia Couto é aquilo que qualifico de 'escritor da terra' porque, na sua expressão única escreve e descreve as próprias raízes do mundo, explorando a natureza humana na sua relação umbilical com a terra. A sua linguagem fértil em neologismos confere-lhe um atributo de singular interpretação da beleza interna das coisas. Cada palavra inventada como que adivinha a secreta natureza daquilo a que se refere, e entendemo-la como se nenhuma outra pudesse ter sido utilizada em seu lugar. As imagens de Mia Couto evocam a intuição de mundos fantásticos e surrealistas que nos envolvem de uma ambiência terna de sonhos – o mundo vivo das histórias. Pode dizer-se que Mia Couto sobressai como notável contador de histórias.

É uma vitória inédita, Mia Couto torna-se o primeiro escritor de África a receber este prémio. Originalidade e "poder criativo" foram os principais argumentos apontados pelo júri para a escolha. A singularidade criativa de que falou o presidente, Vincenzo Consolo, está fortemente ligada às raízes do escritor que "parte da realidade do seu país para exaltar o poder da vida e a alegria de viver, mesmo se, por vezes, em condições extremamente dramáticas." Talvez por isso o júri não se limitasse a falar do escritor e quisesse sublinhar o carácter simbólico desta distinção, reconhecendo e premiando com ela a participação dos africanos de língua portuguesa, e em particular os moçambicanos, na revitalização e construção desse idioma.