o assobio da cobra...

O espectáculo Assobio da Cobra é, antes de mais, uma das formas possíveis de criar uma história a partir do disco O Assobio da Cobra – feito de canções que permitem as mais diversas interpretações e narrativas. Optou-se por uma. E por um espaço: um bar. O tempo da acção, esse, é o tempo de uma noite. Uma noite que termina. E que recomeça. Para simplificar, é, pois, a história de uma noite num bar. Com as suas personagens residentes e com as outras. Com a sua atmosfera própria e o perfume trazido por quem chega de fora. Se fosse literatura seria mais um conto do que um romance. Um conto feito de micro-contos – que deixa muitas pontas soltas, de forma a poder desafiar o espectador. E que se constroi algures entre o lirismo das canções, o “realismo sujo” dos diálogos, os humores das coreografias e as pausas na acção. O Assobio da Cobra não quer inventar mundos. É uma história sobre aquilo de que todos somos feitos: cobardia, coragem, medo, esperança, feridas, máscaras. Porque, tal como os gatos, à noite todos os homens são pardos. Baços. Cinzentos. Complexos. Exactamente como de dia.
Nuno Costa Santos (texto).

O Assobio da Cobra, em cena no Teatro São Luiz, é uma viagem teatral e musical a um mundo de cores carregadas e de sentimentos fortes. A peça balança entre a crueza e a crueldade das relações de fim de noite, a poesia e a humanidade, uma viagem num bar decadente povoado por personagens sombrias. Numa altura em que se valoriza o 'light' encontrei um espaço fechado cuja atmosfera está cheia de álcool, suor e tabaco e que não é um local da moda. Encontrei um palco de conflito entre pessoas que têm visões diferentes do mundo, cada uma delas com os seus dramas para viver. Encontrei, igualmente, uma plateia quase vazia em que os poucos espectadores se muniam de convites – percebi quando comprava os bilhetes - . É, no entanto, um excelente projecto que apresenta uma diversidade de vozes e sonoridades. Com um elenco de primeira linha do qual fazem parte Diogo Infante e Lia Gama, assiti a um musical de intensa carga dramática e a um ambiente bas-fond a lembrar, como alguém fez notar, Fassbinder.

Esta noite acabou com três caipirinhas e música brasileira num bar a sério, “Black Coffee”, ali no Chiado. Este espaço estava cheio, o outro, o do teatro, não….vou continuar sempre a interrogar-me ao deparar com uma sala vazia (no cinema, até agradeço) e com um centro comercial a rebentar. Ontem, sábado à noite, os actores mereciam mais palmas, mas vivam eles!!!