Thursday, November 23, 2006

Évora...

"Évora é uma cidade branca como uma eremida. Convergem para ela os caminhos da planície como o resto da esperança dos homens. E como a uma eremida, como quem a habita é o silêncio dos séculos do descampado em redor. Conheço, dos seus espectros, a vertigem das eras, a noite medieva ainda nas ruas que se escondem pelos cantos, nas pedras cor do tempo ouço um atropelo de vozes seculares".
Virgílio FerreiraCarta ao Futuro

O centro histórico de Évora celebra 20 anos da sua classificação como Património da Humanidade, pela UNESCO, distinção que abriu um novo capítulo da história da cidade alentejana. O inestimável valor patrimonial do centro histórico de Évora foi reconhecido a 25 de Novembro de 1986, dia em que o Comité do Património Cultural de Paris anunciou a decisão da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). O município qualifica Évora de «o melhor exemplo de cidade da idade do ouro portuguesa», após a destruição de Lisboa pelo terramoto de 1755.
«A sua paisagem urbana é um dos melhores exemplos reais para nos ajudar a compreender a influência que a arquitectura portuguesa exerceu no Brasil, nomeadamente em cidades como S. Salvador da Baía», descreve o município no programa comemorativo dos 20 anos de classificação.

A autarquia considera que «a decoração de ferro forjado e de azulejos, esplêndida nos conventos e palácios, de um grande encanto nas habitações mais humildes, reforça a unidade fundamental de uma arquitectura perfeitamente adaptada ao clima e ao sítio».

A área intra-muros apresenta imóveis notáveis, como fontes e chafarizes, muralha, aqueduto, conventos, solares e igrejas, além do Templo Romano, o ex-libris da cidade.

[Foi a cidade onde nasci, no mês de Maio, pelas 9.45, assistido pela minha avó Mariana, numa quinta chamada de Vista Alegre. Vivi nesta terra museu até aos 12 anos, uma cidade que eu percorria desde o Bairro de Nossa Senhora da Saúde até ao Colégio dos Salesianos e à Escola Preparatória André de Resende. Um percurso que me intrigava e ao mesmo tempo me fascinava. Uma cidade rica de património histórico-artístico e religioso, cheia de segredos e ruelas. Cada rua conta uma história ou remete para uma memória. Sempre que se percorre as Arcadas ou a Rua da Sellaria (tantas vezes caminhada por Virgílio Ferreira, em direcção ao liceu), é feita uma viagem, no lugar e no tempo.

Évora monumental (da Igreja de S. Francisco, da Capela dos Ossos, do Palácio de D. Manuel, da Sé romano-gótica, da Muralha Medieval, da Porta de Moura, do Convento dos Lóios, da universidade seiscentista, ou da sua bonita ágora, a Praça do Geraldo, dos chafarizes, fontes e bicas, monumentos de diferentes épocas e origens) conserva, em grande parte no seu casco antigo, o pitoresco e o tipicismo das diversas civilizações, culturas e épocas históricas que por ela passaram (celtas, romanos, árabes, judeus e cristãos, povos e culturas que influenciaram a maneira de ser e de estar das gentes eborenses) é um deleite para a alma. Mas ninguém consegue fixar, na máquina digital, o instantâneo afectivo que me é consentido. Gosto de contemplá-la como o fez Florbela (...ruas ermas, sob o céu de violetas roxas... só aqui recordo que foi meu, o sonho que sonhei noutras idades...). Um pouco à imagem do sentimento de Eugénio de Andrade, falando de Portugal (...O meu País sabe às amoras bravas no Verão...). E creio que esta forma, tendenciosa, subjectiva, emotiva, particular, de contar sobre a terra é a que mais me toca. Muito recentemente a minha mãe, moura encantada mas com traços irlandeses, saída de uma lenda sarracena, regressou à sua velha casa. Apareçam em Évora e dêem-me razão.]



ÉVORA
Évora! Ruas ermas sob os céus
Cor de violetas roxas... Ruas frades
Pedindo em triste penitência a Deus
Que nos perdoe as míseras vaidades!

Tenho corrido em vão tantas cidades!
E só aqui recordo os beijos teus,
E só aqui eu sinto que são meus
Os sonhos que sonhei noutras idades!

Évora!... O teu olhar... o teu perfil...
Tua boca sinuosa, um mês de Abril
Que o coração no peito me alvoroça!

...Em cada viela o vulto dum fantasma...
E a minha alma soturna escuta e pasma...
E sente-se passar menina-e-moça...
Forbela Espanca

15 comments:

silvia said...

Pessoalmente não conheço Evora, mas pelo que tenho visto na tv, é uma cidade linda que anseio por conhecer.
Beijos e um :)

Anonymous said...

Eu que costumo dizer que sou "bisbilhoteira social", descubro um colega por aqui... Bem ...
***
Posta a "brincadeira" e artes à parte, foi um prazer vir até Évora, uma cidade que há dois, anos, em visita me "revelou" uma parte oculta de mim... quando me passeava deliciada pelo Templo de Diana. Era o dia do meu aniversário, 23 de Janeiro.

Escrevi sobre isso .. num dos meus blogs ...
***
Finalmente, resta-me dizer que é um prazer ver uma crónica de quem defende com tanto ardor a sua terra ... e, claro, se me é permitido, reforçar o teu elogio justo à Cidade.

Um abraço
Mel

Anonymous said...

Desculpa ...
Não deixei (ou penso que não registou) onde escrevo e onde estou:

www.noitedemel.blogs.sapo.pt

lá todos os outros.

Um abraço de novo!

Flôr said...

Ficámos com uma vontade enorme de voltar a Évora, depois de lermos uma crónica tão eloquente.
:)

Licínia Quitério said...

Bela chamada de atenção para uma cidade cheia de história e de encanto. Dela guardo gratíssimas memórias. A rever, logo que possível.

Abraço.

Frioleiras said...
This comment has been removed by a blog administrator.
Frioleiras said...

Estive em Évora há uns dias , a participar numa mesa redonda, na Fundação Eugénio A.
Gostei mt e gostei de sentir que Évora está a "mexer"... gente nova a fazer "coisas" ... até voluntariado cultural !!
Gosto mt, mt de Évora ...

Maria P. said...

Évora e o meu Alentejo.

Boa noite.

Som do Silêncio said...

Desde já o meu obrigada pelo simpático comentário que me ofereceste!
Depois, queria dizer que Évora é de facto uma cidade linda, e que das poucas vezes que lá estive, saí sempre com um nó na garganta, pois sabia que existia muito mais para ver....
Tempo não me irá faltar (espero) para "pesquisar" melhor aquela cidade tão sedutora!

Tozé Franco said...

Excelente postal de Évora. Como dizia uma migo espanhol: é uma cidade com sabor.
Évora é uma das cidades que mais gosto de visitar. Pela cidade, pelas pessoas e pelas comidas. Ai a sopa de cação e os pezinhos de coentrada....
Um abraço.

Tino said...

Toda a cidade é um monumento...estive lá anteontem como sabes...seria muito suspeito para falar... :)
Vale sempre a pena voltar e voltar e voltar...é incrivel!

Grande abraço, amigo éborense! :)

TARCIO OLIVEIRA said...

Não conheço mas pelo que acabo de ler e pelo que vi com o auxílio do "Gu-gal", é pra se encher de orgulho ter nascido num lugar assim!
Abraço sertanejo.

OLHAR VAGABUNDO said...

obrigado pela visita ao meu cantinho...
évora conheço de passagem,mas lembro-me bem do branco suave da cidade.
abraço vagabundo

Anonymous said...

Também gosto muito de Évora. Fui lá a primeira vez, depois de adulta, nesta época natalícia. Foi há quase 20 anos mas lembro-me que as músicas de Natal ouviam-se por todas as ruas e isso transmitia à cidade un encanto e um conforto que ainda hoje consigo sentir. Gosto também muito de Florbela Espanca e este poema é a cereja no cimo do bolo desta homenagem sentida e justa à cidade de Évora.
Boa semana

Paula Zegre

Telejornalismo Fabico said...

*


preciso confessar: tenho um fascínio enorme pela vida de Portugal. pelas cidades históricas como Evora, que deixam de ser apenas pedra e cimento para abrigar memórias tão ricas quanto as suas.

pela cultura que está impregnada em cada gesto, em cada olhar, em cada vaso de flor.

pela culinária, que me faz salivar de desejo perante uma riqueza infinita de pratos - e os magníficos doces de convento, os mais deliciosos do mundo.

e pelo povo, amável, hospitaleiro e que formataram esse caldeirão de culturas que é o Brasil.

ainda não conheço Portugal, mas sinto como se já conhecesse.
uma falha que preciso reparar em breve.


*