Sunday, December 17, 2006

Water...

Na Índia dos anos 30, Chuyia, uma rapariga de oito anos, não só já está casada, como já ficou viúva. É então enviada para uma casa que acolhe viúvas, onde ficam isoladas da sociedade, até ao fim da vida, sem que possam voltar a casar. Aí, conhece Kalyani, uma jovem disposta a quebrar as regras. Tudo isto num momento em que as ideologias de Ghandi ganham peso e ameaçam varrer a nação e por consequência as pessoas começam a questionar as interpretações religiosas que minam o progresso social e os (não) direitos das mulheres. Até a pequena Chunyia é apanhada nos ventos de mudança.

Embora menos comum, instituições como esta ainda hoje existem na Índia. Inicialmente, o filme era para ser filmado no país mas os fundamentalistas hindus emitiram ameaças de morte à realizadora, que teve de continuar os trabalhos no Sri Lanka. Sem dúvida este filme aborda uma questão premente dos direitos das mulheres e é de grande delicadeza emocional, sustentado por uma construção dramática que possui a enorme vantagem de seguir um programa claro: expor a verdade humana para além das barreiras dos rituais sociais ou das normas religiosas.

Deepa Mehta conta que uma vez encontrou uma viúva idosa ajoelhada no chão a chorar compulsivamente, sendo ignorada pelas pessoas que passavam evitando tocar-lhe. Ficou a saber mais tarde que ela procurava os óculos porque não conseguia ver sem eles. É um testemunho tocante da realidade fundamentalista indú, como um acto castrador que prende as mulheres a um destino sem liberdade individual. Um ataque à consciência que pode ser enquadrado noutras religiões que ainda hoje mantêm as mulheres sob o jugo de uma fé mutiladora.

«Água» é, afinal, um simples sintoma do cinema indiano que não conhecemos. Belo retrato da sociedade indiana.

[Neste domingo caseiro o DVD foi a alternativa cultural; obrigado André M. pela sugestão].

P.S A água é um elemento quase omnipresente no filme. Ele é símbolo máximo de purificação e, em várias cenas, de uma liberdade ansiada pelas personagens centrais. É sob a chuva que ocorrem dos momentos mais belos do filme e é junto ao rio que algumas cenas cruciais se desenrolam. A água é quase uma metáfora para a irrequieta Chuyia e para Kalyani, com os seus anseios de libertação.
Water - trailer

14 comments:

maria said...

Aguçaste-me o apetite... Pois, quantas vezes basta olhar o mar para lavar a alma...Verei o filme.
Beijo e boa semana :)

Kalinka said...

Já tinha lido algo sobre este filme e logo de início me pareceu interessante, mas tu hoje comprovas que estava certa nas minhas duvidas ou certezas...

Obrigado pela sugestão.

Deixo um abraço quentinho numa noite muitoooooooooo fria de Dezembro.

Tino said...

Tenho que ver... percebi bem que está em DVD??

Abração!

Luma Rosa said...

Interessantíssimo a maneira de abordar os direitos da mulher indiana! Nós tomaremos conhecimento, mas algo poderia ser feito lá junto as castas hindus.
Inaceitável essa disparidade no mundo. Está anotada a dica, quando tiver oportunidade, verei o filme, com certeza!
Beijus

silvia said...

Um Feliz Natal com muita paz e alegria.

Desejo-te tudo de bom.

Um beijo e um :)

Jonice said...

Quando leio tua resenha de um filme a sensação é parecida com a que tenho ao sair da sala de exibição, foi assim no do Beethoven também. Isso é muito gostoso.

Beijinhos

isabel said...

Parece-me uma boa sugestão. Obrigada!

Anonymous said...

Como sempre, meu amigo, o social e o cultural a roçar o teu intímo e a fazer explodir crónicas de bom gosto como esta.
Sobre esta mesma temática, o papel das mulheres em sociedades fundamentalistas, deixo para a "troca" a recomendação de um livro: "A Rapariga de Java" de Pramoedya Anan Toer, autor indonésio, proíbido no seu país.

Basicamente conta a história de uma adolescente pobre de 14 anos que "casa" com um aristocrata javanês ... e do seu percurso até à libertação e independência ... Como palco de fundo os problemas sociais, políticos e religiosos da Sociedade Indonésia: a luta pelo poder, a luta de classes e claro a questão do género ou sexo, como lhe queiramos chamar...
Na minha modesta opinião um testemunho impressionante, em certos momentos duro e cru, a não perder!

Bjs doces de Mel
www.noitedemel.blogs.sapo

PS: Luis ... que raio, qd é que o teu Blog me "reconhece"?
Tens que rever as configurações, meu amigo!!!!

Luís said...

Quando o filme foi lançado passei dias a planear ir vê-lo... até ele ter saído de cartaz! Não fazia ideia de que já estava em DVD: este post prima pela oportunidade (lol)

silvia said...

Vim agradecer as tuas lindas palavras que deixaste no meu canto...
Deixaram um :) no meu rosto.
Obrigado.

Beijos grandes e um :) para ti.

Amaral said...

O teu comentário é fantástico e o filme ganha beleza e interesse, mesmo sem estar visto...
Gostei do que li e fez-me crescer o interesse para ir ver o filme.

Maria P. said...

Deve ser excelente! Fiquei interessada.

Boa noite.

Flôr said...

Agradeço os comentários, sempre tão simpáticos.
Desejo-te um Feliz Natal e que os teus desejos sejam concretizados.
Beijinho.

cm said...

Infelizmente ainda existem religiões, que sacrificam as mulheres de uma forma desumana...

Fiquei curiosa em relação ao filme e vou tentar ver assim que o encontrar.

Quanto ao seu blog, é realmente interessante, tem conteúdo, parabéns.

Carla