Tuesday, February 13, 2007

Camões, porque sim...


Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões
A RTP decidiu importar um programa que deu brado no Reino Unido e já foi adaptado em vários países europeus. Trata de escolher os "melhores portugueses" de uma lista gigantesca de personagens históricos e da actualidade. Observar até que ponto os personagens da mitologia histórica portuguesa ainda estão de saúde é um indicador interessante. Em alguns países europeus, os "dez grandes" deram resultados curiosos. No Reino Unido foi Churchil que ganhou e em França De Gaulle. Mas mordidos de perto por figuras tão marcantes como Lady Di ou Coluche. Por cá, espero que ganhe um poeta, manias minhas e já agora Camões que no programa é magistralmente defendido por Hélder Macedo. E porquê Camões?
É o gigante das letras e o maior poeta da língua portuguesa - e um dos grandes poetas da Humanidade. Além de “Os Lusíadas”, deixa uma vastíssima obra poética. O autor que sobreviveu a todas as intempéries mostra, quase cinco séculos depois, que a sua poesia escapou ilesa ao passar do tempo. As pessoas e as obras morrem com as gerações. Só os grandes homens sobrevivem ao efeito embaciado do tempo. Camões pertence à estirpe dos imortais. O maior poeta português de todos os tempos tinha amor à língua portuguesa e uma capacidade verbal assombrosa. Foi, talvez, quem mais bem trabalhou a nossa língua. Não será exagero dizer que foi Camões quem estruturou a língua portuguesa: manejou-a com inigualável transparência, lucidez e habilidade. No século XVI, a sua escrita era revolucionária. A excelência da sua poesia torna-a intemporal. Falar de Camões é falar, inevitavelmente, de “Os Lusíadas”. É o nosso grande poema, a nossa grande obra literária. Mas há ainda o Camões lírico, dos sonetos, canções, odes, poemas de amor. Camões percebeu o que os seres humanos sentem quando estão apaixonados e descreveu-o com rara profundidade. Na poesia lírica, demonstra uma capacidade única de ir ao fundo da nossa alma. Entende, como poucos poetas, o que alguém sente quando se apaixona: o remorso, a culpa, a angústia, mas também a alegria das contradições amorosas. É a poesia mais pura. O melhor que a artimanha pode criar com palavras e sentimentos.·Camões é, sem dúvida, um símbolo de Portugal. É o génio da raça, na sua graça e na sua desgraça, na sua bênção e na sua maldição. É o fundador da identidade matricial da mátria e da pátria, ‘por mares nunca dantes navegados’, dando ‘novos mundos ao mundo’. Passou, de maneira indelével, a marca da universalidade e do humanismo português.

9 comments:

Anonymous said...

Depois desta belíssima apologia à obra grandiosa de Camões, pouco ou nada serei capaz de acrescentar.

Na verdade, em Camões se encontram reunidos atributos só igualáveis em vultos, cujos véus do tempo não tapam. Homero, por exemplo.

Mas Camões foi, para além de tudo, um homem extraordinariamente culto, mitológico e metafórico.

Recordo por exemplo a introdução do “maravilhoso pagão” nos próprios Lusíadas, não como um mero adorno poético (muito ao jeito do que era usual na época), mas sim como um fio condutor, actuante no epicentro dos Lusíadas e, no fundo, como repositório do que ele próprio protagonizava virem a ser os destinos dos descobrimentos.

Ao entregar aos Deuses a decisão sobre o sucesso e o bom andamento dos mesmos, Camões, uma vez mais, conseguiu superar tudo o que até ai se houvera feito em termos de obra épica.

O Concílio dos Deuses é disto um exemplo:

"Qual Austro fero ou Bóreas, na espessura,
De silvestre arvoredo abastecida,
Rompendo os ramos vão da mata escura,
Com impito e braveza desmedida;
Brama toda a montanha, o som murmura,
Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:
Tal andava o tumulto, levantando
Entre os deuses, no Olimpo consagrado." Canto I, estrofe 35, Lusíadas.

(discute-se aqui se os portugueses devem ou não ser ajudados a superar as dificuldades da viagem).

Da obra poética, menos conhecida, o poema que colocas é sem dúvida, talvez o mais eloquente.
Lindo, profundo, eterno.

***
Sim, Luís, quem me dera que fosse Luís de Camões o nosso maior português ... Sentir-me-ia ainda mais orgulhosa de ser uma Alma Lusa.

Bjs "brother" lindo
Mel

Anonymous said...

Parabéns! Gosto do seu artigo: uma boa apologia a Luís Vaz de camões.
No entanto, Se é verdade que Camões poderá ser considerado o maior poeta português e uma das grandes figuras portuguesas de sempre, também é verdade que há muitas outras figuras históricas portuguesas que bem podem ser consideradas como os maiores portugueses.
Neste aspecto sou muito crítico. Esta mania, ( na Alemanha ganhou Konrad Adenauer, primeiro chanceler Alemão do pós-guerra ) de procurar uma figura que simbolize um determinado povo é, quanto a mim, um mero golpe comercialista, sem qualquer sentido.
Como é que se pode dizer que um determinado homem é o melhor ou maior homem de uma nação? Uma nação não é o resultado de um só grande homem, mas sim de vários grandes homens ( incluindo o povo ).

Elsa Sequeira said...

Olá Luis!!

"Camoões, porque sim..."
O Grande Luis de Camões, o memorável!
Que brilhante hojmenagem lhe prestas aqui, merece palmas!!!!
Parabéns!!!

Bj
:))

Jonice said...

... a sua poesia passou ilesa ao passar do tempo.
Certamente!
Um beijinho

Bernardo Kolbl said...

Excelente post. Gostei particularmente. A sério. Um abraço.

Luís said...

Concordo: Camões, de seu nome Luís, é sem dúvida O português.

Pessoalmente, no que concerne à obra lírica, prefiro o "Alma minha gentil..."

Um abraço

caminante said...

O amor...É ferida que dói e não se sente.
Te copio unos versos de nuestra Literatura que completan este tuyo, me parece:
"mi vida es toda de amor / y, si en amor estoy ducho, / es por fuerza del dolor, / que no hay amante mejor / que aquel que ha sufrido mucho".
Un fortísimo abrazo.

Max said...

Que bella poesía...
"Amor... es solitario caminar entre la gente".
Como bien dices refleja maravillosamente las contradicciones del amor.
Espero que en Portugal gane un poeta, sí.

Anonymous said...

Camões...sempre tão certeiro na hora de verbalizar o que é o amor.

Hoje "roubo" este poema para o dedicar ao meu amor, posso?

é um prazer passear por este blog

Ariana