Eles eram jovens, licenciados, ambos virgens naquela sua noite de núpcias, e viviam numa época em que uma conversa sobre dificuldades sexuais, que nunca é fácil, era simplesmente impossível.
Uma pequena novela de profundidade notável. Estamos em 1962, época definida como precursora das grandes convulsões sociais; os primeiros sinais da revolução cultural – incluindo a libertação sexual – que iria transformar o mundo ocidental. Eis o contexto da noite de núpcias de Florence e Edward, num hotel à beira-mar, na costa de Dorset. Profunda e reciprocamente apaixonados, estes universitários são ambos virgens. Enquanto em Edward a inexperiência suscita ansiedade (receia "chegar cedo de mais"), na sua noiva gera uma fobia patológica. Edward, filho de um professor e de uma mulher que, de forma insólita – um misterioso viajante, sem tempo a perder, abre a porta do comboio, ainda em andamento, que a atinge na cabeça enquanto esta, grávida de gémeos, espera pelo marido, regressado da guerra, no cais de embarque da estação de comboios –, se vê definitivamente aprisionada dentro da casa de gritos que é a sua própria mente, deixando entregues ao cuidado do pai a árdua tarefa de educar os filhos. Edward licencia-se em História, com menção de honra, no University College de Londres. Leva uma vida comum à maioria dos jovens adultos da sua comunidade. Florence, filha de pais ricos, vive em Oxford, estuda música e toca violino, tendo terminado o curso no Royal College of Music em Londres e formado um quarteto com três dos melhores alunos da faculdade. Vive entre uma mãe filósofa, fria e distante, e um pai, um homem de negócios, desprovido de emoção. Ela própria transporta consigo a frieza do ambiente familiar, carente de afectos e de manifestações de sentimento. É na conjugação destes dois mundos que o escritor constrói a narrativa. É a história de uma união que se consumou no papel, entre uma rapariga dedicada e subtil, que apenas suporta a tessitura da música clássica, e um rapaz, instruído e viril, que pressente, pela música, os ventos de mudança que começam a chegar.
Ian McEwan esgrime um estonteante virtuosismo nas descrições mentais e confia-nos uma obra-prima – uma história de vidas transformadas por um gesto não feito ou uma palavra não dita. Este romance é um exemplo de como um escritor pode ser capaz, em pouco mais de cem páginas, de desenvolver um potencial explosivo que remete para a complexidade das relações entre os sexos, o peso da cultura familiar, as alterações sociais e do momento político e as consequências dramáticas, em termos pessoais. É um livro sobre segredos, sobre a incompreensão e sobre o recolhimento de cada um no seu mundo. Encontram-se ambos no quarto, com uma refeição para degustar, esperando pelo momento da consumação do casamento, onde se entrecruzam os sentimentos de horror e de exasperação, por um acto tão simples como amar.
Mas Na Praia de Chesil é muito mais do que uma simples história de emoções postas à prova pela convenção. É uma exposição memorável de como as terríveis feridas podem ser infligidas e o rumo de toda uma vida pode mudar num instante. Um livro que se lê numa tarde, uma obra que pode fazer doer, páginas que ficarão decerto na minha memória.
Uma pequena novela de profundidade notável. Estamos em 1962, época definida como precursora das grandes convulsões sociais; os primeiros sinais da revolução cultural – incluindo a libertação sexual – que iria transformar o mundo ocidental. Eis o contexto da noite de núpcias de Florence e Edward, num hotel à beira-mar, na costa de Dorset. Profunda e reciprocamente apaixonados, estes universitários são ambos virgens. Enquanto em Edward a inexperiência suscita ansiedade (receia "chegar cedo de mais"), na sua noiva gera uma fobia patológica. Edward, filho de um professor e de uma mulher que, de forma insólita – um misterioso viajante, sem tempo a perder, abre a porta do comboio, ainda em andamento, que a atinge na cabeça enquanto esta, grávida de gémeos, espera pelo marido, regressado da guerra, no cais de embarque da estação de comboios –, se vê definitivamente aprisionada dentro da casa de gritos que é a sua própria mente, deixando entregues ao cuidado do pai a árdua tarefa de educar os filhos. Edward licencia-se em História, com menção de honra, no University College de Londres. Leva uma vida comum à maioria dos jovens adultos da sua comunidade. Florence, filha de pais ricos, vive em Oxford, estuda música e toca violino, tendo terminado o curso no Royal College of Music em Londres e formado um quarteto com três dos melhores alunos da faculdade. Vive entre uma mãe filósofa, fria e distante, e um pai, um homem de negócios, desprovido de emoção. Ela própria transporta consigo a frieza do ambiente familiar, carente de afectos e de manifestações de sentimento. É na conjugação destes dois mundos que o escritor constrói a narrativa. É a história de uma união que se consumou no papel, entre uma rapariga dedicada e subtil, que apenas suporta a tessitura da música clássica, e um rapaz, instruído e viril, que pressente, pela música, os ventos de mudança que começam a chegar.
Ian McEwan esgrime um estonteante virtuosismo nas descrições mentais e confia-nos uma obra-prima – uma história de vidas transformadas por um gesto não feito ou uma palavra não dita. Este romance é um exemplo de como um escritor pode ser capaz, em pouco mais de cem páginas, de desenvolver um potencial explosivo que remete para a complexidade das relações entre os sexos, o peso da cultura familiar, as alterações sociais e do momento político e as consequências dramáticas, em termos pessoais. É um livro sobre segredos, sobre a incompreensão e sobre o recolhimento de cada um no seu mundo. Encontram-se ambos no quarto, com uma refeição para degustar, esperando pelo momento da consumação do casamento, onde se entrecruzam os sentimentos de horror e de exasperação, por um acto tão simples como amar.
Mas Na Praia de Chesil é muito mais do que uma simples história de emoções postas à prova pela convenção. É uma exposição memorável de como as terríveis feridas podem ser infligidas e o rumo de toda uma vida pode mudar num instante. Um livro que se lê numa tarde, uma obra que pode fazer doer, páginas que ficarão decerto na minha memória.
21 comments:
Deve ser um excelente livro.
Pela descriçãos era concerteza daqueles que começamos a ler e não paramos até á ultma página... já á algum tempo que não leio um assim.
Beijinho e obrigada pela ideia, com a feira do livro a minha lista acabou de ganhar mais um..hehe
Acho mal!!
Escrever assim desta maneira!?... Axxo mal!
Ai que "inbeja"! eheheh :«)
Sem dúvida, uma excelente dica. Irei acatar.
Obrigada
Obrigada pela dica.
Numa livraria perto de si...
Bom fim de semana*
Certamente que apetece!
Bom fim de semana :)
Aguçaste-me a curiosidade.
Amanhã, na feira do livro, lá terá que ser....
Muito obrigada
Beijo
"(...) uma história de vidas transformadas por um gesto não feito ou uma palavra não dita (...)".
Caro amigo,
Já li essa história no caminho que percorri...
Com encontros e desencontros e a vida que não vivi.
Um Bom Fim de Semana para si.
soubera eu expor assim o que sinto...
Obrigado pela recensão. E já agora deixo-lhe o título de uma obra sobre três génios da literatura alemã que, se ainda não leu, deve ler:
„ Hölderlin, Kleist e Nietzsche, uma trindade demoníaca „
de Stefan Zweig
estou condenada às emoções:
retenho as tuas sobre o livro.
...a tua leitura...!!
:)
Tomei contacto com o autor nos anos em que estive na cultura no jornal onde trabalhei. Depois estive muitos anos sem o ler mas agora despertaste-me a curiosidade!
Obrigado pela sugestão! Um abraço!!!
Olá Luís
Parece-me uma leitura interessante e cheia de aventura.
Obrigado pela sugestão.
Celebrei os dons da terra e misturei-me com os sons do mundo sem coisa alguma...fui durante 4 dias de mini-férias para o Alentejo profundo.
Comecei por Estremoz e fui em seguida para Évora e daí em diante.
Pelo kalinka poderás ler sobre o meu «Même»:
"Para ser grande, sê inteiro:
nada Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim, em cada lago a LUA toda
Brilha, porque alta vive.
"Ricardo Reis"
Beijinhos.
Bom domingo.
*
nunca li nada dele.
há tantos bons novos autores a serem lidos.
o problema é não dar conta nem dos clássicos ainda - ainda mais com tanta coisa técnica pra ler.
e gostei da capa.
te confesso que sou um fútil pra essas coisas. capas bonitas, papel de qualidade, boa editoração me fazem desejar ler um livro.
*
Obrigada pela partilha e pela sugestão!
Tenho a certeza que é um livro muito interessante...
E nesta minha ausência...foi um prazer em visitar-te!
Bom Domingo Luis!
Abraço da
Maria
há livros assim, que transpiram emoção e angustia nas suas paginas... o mais recente que assim me transladou para as suas linhas, parágrafo após paragrafo foi " A voz Humana" de Cocteau... um pequeno livro repleto de grandes palavras... fiquei com curiosidade em ler o Ian e certamente o farei, emoções à flor da pele num tempo de mascaras e de recolhimento, personagens compostas por feridas profundas... basta ser-se minimamente humano para compreender que algumas percorrem um percurso tao fundo que se instalam e jamais nos deixam...
optima descrição;)
prometo que volto para ler.
agora vim convidar a vistar e deixar a sua crítica à minha semana dedica aos mais novos.
abraço
Gostei da maneira como descreveste o livro. Ficou a curiosidade aguçada...Lá terá que ser...uma próxima compra...
Boa semana.
Beijinho
Olá,
Estou no meio de uma pesquisa para meu trabalho de conclusão do curso, e acabei encontrando seu blogger, confesso que irei voltar pois o pouco tempo que tenho não foi possível ler todos os posts, mas percebi a riqueza das informações contidas, as imagens são fantásticas e o conteúdo, forma como escreve é encantadora, parabéns!
As tuas palavras são um convite à leitura!
Obrigado!
FMOP
Passei por aqui, de blog em blog, de desafio em desafio e resolvi deixar um comentário.
Li um livro deste autor em Londres, em Feveriro de 1982, que achei extraordinário. Ainda era um "young writer"...
Não me lembro do título, nem da história em si. Lembro-me de um "clima" estranho... e desafiador.
Mais tarde li as traduções de ouros livros que comprei, por aqui: "Estranha Sedução" e "Amesterdão".
Não li o que deu origem a este post.
Mas..., talvez porque não o comprei e só o tive por uns dias, ou por o autor ainda ser muito jovem e eu também... a impressão de estranha novidade não voltou a acontecer.
Acrescento que me deu uma trabalheira descobrir estes dois, que são meus e eu sabia que os tinha, na trapalhada das estantes... Ainda pensei se não teria comprado o outro que li em Londres, da biblioteca de um casal de ingleses, muito acolhedores, onde fiquei instalada um mês. Mas não.
[Tenho que limpar o pó, com mais frequência, às minhas estantes todas!]
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