dedicado a João Carlos (dejanito.blogspot.com) e ao seu grande sonho…
EM SINTRA
EM SINTRA
As águas maravilham-se entre os lábios
e a fala, rápidos
em Sintra espelhos surgem como pássaros,
a luz de que se erguem acontece às águas,
à flor da fala
divide os lábios e a ternura. Da linguagem
rebentam folhas duma cor incómoda, as de que
maravilhado de água surges entre
livros, algum crime, um
menino a dissolver-se ou dele os lábios e ergues
equívoca a luz depois. Rápidos
espelhos então cercam-te explodindo os pássaros.
Luís Miguel Nava
Películas (1979)
In Poesia Completa 1979-1994
"(...) E por toda a parte o luminoso ar de Abril punha a doçura do seu veludo. Defronte ao hotel da Lawrence, Carlos retardou o passo, mostrou-o ao Cruges. - Tem o ar mais simpático - disse o maestro".
"Os Maias", Eça de Queirós
Por terras de Sintra me perdi, neste domingo arrefecido de Novembro. Matutando em Os Maias – «Episódios de uma Vida Romântica» e nas personagens do romance – Afonso, Carlos e Maria Eduarda e nas conversas, nos ambientes, nos hábitos de uma sociedade romântica destroçada, fico enternecido com as descrições que assentam tão bem na vila! As paisagens e os palácios cheios de mistério e fantasia! Senti no rosto o ar subtil das ramagens verdes e ouvi o murmúrio de águas correntes. Atraquei no Lawrence’s, no lugar em que Lord Byron foi um dos seus hóspedes famosos, durante um Verão onda consta ter escrito parte do poema «Childe Harold’s Pilgrimage», com algumas estrofes dedicadas a Sintra. O poeta romântico viu o Glorious Eden, num encantamento igualmente experimentado por Bulhão Pato, Camilo, Herculano, Oliveira Martins ou Ramalho Ortigão. O "variado labirinto de montes e vales" que inflamou o romantismo de Byron, e que Eça descreveu com a mesma paixão, através do olhar de uma personagem de Os Maias: "... E de ali olhava a rica vastidão de arvoredo cerrado, a que só se vêem os cimos redondos, vestindo o declive da Serra como o musgo veste um muro.". Com este espírito me instalei por uns momentos no Lawrence's – onde tudo cheira a história e literatura – o mais antigo hotel da Península lbérica e uma das mais antigas hospedarias da Europa, que tem o privilégio de usufruir essa paisagem única, justamente considerada património da humanidade, e de partilhar sentimentos com alguns dos maiores vultos da cultura dos séculos XIX a XX. Passaram por ali rainhas e chefes de Estado. Ali se deleitou William Beckford. Ninguém pode ficar indiferente perante tal beleza, nem esconder a sensação que ela desperta. E, nesse espaço fascinante, ainda há oportunidade para fruir outros prazeres, designadamente os da boa mesa. Cabe convocar Júlio César Machado ("Machadinho", "Le Petit Machado", "Literato Janota" ou "Folhetimfex Maximus", como lhe apelidou Ramalho), quiçá o mais afamado folhetinista da Lisboa dos finais do século XIX, que confessava: "... Quando quero supor-me em Londres por alguns dias, vou simplesmente para o hotel Lawrence, em Sintra (...). Quando em qualquer terra houver seis hospedarias, e uma delas for inglesa, há-de ser esta onde mais se coma, onde se bebe melhor, onde haja um criado mais activo, a onde mais se conserva o respeito pelo comfortable!...".
O Lawrence´s já não tem pronúncia escocesa. Mas os personagens de Eça ainda se cruzam connosco nas escadas que dão acesso aos quartos deste hotel de charme, onde Byron continua a ter direito a uma suite. Fadado para o romance, o hotel recuperou a imagem e podemos ter uma reprodução de uma Sintra antiga. Enquanto bebia chá ou quando me perdi nos corredores, ou mesmo quando estive na Suite do famoso Lord, recuei no tempo e mexeriquei alegremente com escritores e poetas…
e a fala, rápidos
em Sintra espelhos surgem como pássaros,
a luz de que se erguem acontece às águas,
à flor da fala
divide os lábios e a ternura. Da linguagem
rebentam folhas duma cor incómoda, as de que
maravilhado de água surges entre
livros, algum crime, um
menino a dissolver-se ou dele os lábios e ergues
equívoca a luz depois. Rápidos
espelhos então cercam-te explodindo os pássaros.
Luís Miguel Nava
Películas (1979)
In Poesia Completa 1979-1994
"(...) E por toda a parte o luminoso ar de Abril punha a doçura do seu veludo. Defronte ao hotel da Lawrence, Carlos retardou o passo, mostrou-o ao Cruges. - Tem o ar mais simpático - disse o maestro".
"Os Maias", Eça de Queirós
Por terras de Sintra me perdi, neste domingo arrefecido de Novembro. Matutando em Os Maias – «Episódios de uma Vida Romântica» e nas personagens do romance – Afonso, Carlos e Maria Eduarda e nas conversas, nos ambientes, nos hábitos de uma sociedade romântica destroçada, fico enternecido com as descrições que assentam tão bem na vila! As paisagens e os palácios cheios de mistério e fantasia! Senti no rosto o ar subtil das ramagens verdes e ouvi o murmúrio de águas correntes. Atraquei no Lawrence’s, no lugar em que Lord Byron foi um dos seus hóspedes famosos, durante um Verão onda consta ter escrito parte do poema «Childe Harold’s Pilgrimage», com algumas estrofes dedicadas a Sintra. O poeta romântico viu o Glorious Eden, num encantamento igualmente experimentado por Bulhão Pato, Camilo, Herculano, Oliveira Martins ou Ramalho Ortigão. O "variado labirinto de montes e vales" que inflamou o romantismo de Byron, e que Eça descreveu com a mesma paixão, através do olhar de uma personagem de Os Maias: "... E de ali olhava a rica vastidão de arvoredo cerrado, a que só se vêem os cimos redondos, vestindo o declive da Serra como o musgo veste um muro.". Com este espírito me instalei por uns momentos no Lawrence's – onde tudo cheira a história e literatura – o mais antigo hotel da Península lbérica e uma das mais antigas hospedarias da Europa, que tem o privilégio de usufruir essa paisagem única, justamente considerada património da humanidade, e de partilhar sentimentos com alguns dos maiores vultos da cultura dos séculos XIX a XX. Passaram por ali rainhas e chefes de Estado. Ali se deleitou William Beckford. Ninguém pode ficar indiferente perante tal beleza, nem esconder a sensação que ela desperta. E, nesse espaço fascinante, ainda há oportunidade para fruir outros prazeres, designadamente os da boa mesa. Cabe convocar Júlio César Machado ("Machadinho", "Le Petit Machado", "Literato Janota" ou "Folhetimfex Maximus", como lhe apelidou Ramalho), quiçá o mais afamado folhetinista da Lisboa dos finais do século XIX, que confessava: "... Quando quero supor-me em Londres por alguns dias, vou simplesmente para o hotel Lawrence, em Sintra (...). Quando em qualquer terra houver seis hospedarias, e uma delas for inglesa, há-de ser esta onde mais se coma, onde se bebe melhor, onde haja um criado mais activo, a onde mais se conserva o respeito pelo comfortable!...".
O Lawrence´s já não tem pronúncia escocesa. Mas os personagens de Eça ainda se cruzam connosco nas escadas que dão acesso aos quartos deste hotel de charme, onde Byron continua a ter direito a uma suite. Fadado para o romance, o hotel recuperou a imagem e podemos ter uma reprodução de uma Sintra antiga. Enquanto bebia chá ou quando me perdi nos corredores, ou mesmo quando estive na Suite do famoso Lord, recuei no tempo e mexeriquei alegremente com escritores e poetas…
22 comments:
Espaço mágico, sim. Há uma janela em particular, junto da qual jantei uma ou outra vez. De onde se avista o verde, belo, não a perder de vista, mas onde me perco.
No mesmo caminhar, ainda, Ferreira de Castro e, mais acima, a Quinta da Regaleira. Outras magias.
Esta última, outra sedução em tarde cinzenta.
É um Hotel onde, de facto, revivemos o passado...
Um final de tarde no Lawrence's, frente a uma chávena de chá, com os verde logo ali e até ao fundo é um final de tarde de excepção...
Dos antigos hotéis o Lawrence aind é o único se vai mantendo na minha bela Sintra. Até aperta o coração olhar para as ruínas do Hotel Neto. Esta é uma das grandes vergonhas do Centro Histórico, dito Património Mundial. De um dos lados do velho hotel está o Tivoli, com vista priveligiada para esta pobre miséria lusa. Do outro está o velho Paço Real com as suas centenárias chaminés, que para mim, seria uma das maiores maravilhas de Portugal.
Mas tirando o mau, Sintra com os seus palácios e maravilhosos jardins é um local onde se respira magia e romantismo.
Um abraço.
Caro Luís,
e eu que ando com tantas saudades de Sintra!!!
talvez porque tenho andado a trabalhar os quotidianos do sécXIX, através de "OS MAIAS"...
Quando aqui cheguei...senti-me em casa!!!!
"brigados" por este post!
que domingo fabuloso esse.
e o mexericar entre escritores e poetas...
Gostei de ler. E o poema do admirável Luís Miguel Nava, poeta que muito admiro, fica aqui bem.
Já agora, por falar do Luís Miguel,
deixo aqui um poema que escrevi em sua memória.
DIONISÍACO
In memoriam Luís Miguel Nava
Eu vi o céu, por entre
as vísceras, num poema de Luís Miguel Nava
Eu vi claramente visto
o sangue vivo
Eu apercebi-me da presença de Deus
entre a carne
no silêncio de um matadouro
Abraços:
Luís, Züschen MMVII
Não vim quando estive em Sintra, deve ficar para a próxima visita, não é?
E... continua a ter o mesmo ar? o já infelizmente a globalização chego mesmo até lá.
beijos.
"Ninguém pode ficar indiferente perante tal beleza, nem esconder a sensação que ela desperta."
exactamente, luís
fui a sintra uma única vez (imagine-se!), fiquei maravilhada... com tudo mesmo! sempre pensei que voltaria.
hoje fui a sintra pela 2ª vez, aqui, com as tuas palavras. continuo a pensar que tenho que voltar.
abraço
luísa
O túnel do tempo existe!
Que gostoso é viver tais momentos, não?
Beijinhos :)
Nava
Tu
Sintra..!
______________
a trilogia do ENcanto?
sim.
beijo.
imf.
/piano.
certamente que um domingo bem passado. No Brasil naõ terei Sintra, mas virei ler o seu blog, ficarei mais culta e de alma reconfortada.
bjs
Tinha tantas histórias para contar sobre Sintra! Hoje ouvi uma das tuas narrativas... Gostei, como sempre!
Abraço de quem gosta muito de ler os teus escritos.
Fernando Manuel
Há tempos que não lia nada do Luis Miguel Nava - obrigado por o recordares aqui!
Um abraço!!
Para já, um imenso obrigado pela dedicatória, sinto-me "pequenino"...
Depois, Sintra, o sonho transformado em realidade, o único sítio do mundo, onde até a humidade é bela!
Depois o Lawrence's, que nunca visitei, mas já "visitei" tantas vezes, em leituras variadas e sempre apelativas.
Finalmente tu, amigo Luís, com a tua enorme capacidade de interligar locais, pessoas e sensações, e que nos fazes realmente sonhar!!!!
Aquele abraço...
Lawrence e Eça...
Merci...
foi dos meus "poisos" preferidos, antes de ser "invadido" por reservas para os golfistas ingleses, golfistas esses mal educados e muitos sem consideração pelos sítios (no pequeno bar, cheguei a ver um que , displicentemente, tinha os sapatos pousados sobre o banco ao lado e ficou em meias no bar!
Há que ter reverência em sitíos con referências !
tudo mudou e a pirosice invadiu TODO o Portugal ...
Obrigado por me lembraes de L.M.Nava,e Sintra um santuário de cultura.
Bjs Zita
Amei o post. Belos versos, bela imagem e belo texto!
Existem imagens de Portugal que aguçam a curiosidade... parece sonho.
Beijos
E por vezes vivemos momentos surreais em lugares de sonho... lugares que são baús de memórias...
Beijinho
Em Sintra!...Pois então...ficou para trás à pouco, estava nevoeiro, a estrada um tapete de folhas, a brisa suave e fria...é Outono em Sintra, o mais perfeito.
Um beijinho*
Engraçado...já reparaste na influência inglesa e escocesa dentro do nosso país? As melhores zonas residênciais dentro das cidades tiveram os ingleses como primeiros inquilinos e muitos ainda hoje se mantêm. Esse hotel é um bom exemplo disso. E ainda bem pois de certeza absoluta que a decoração será de um extremo bom gosto.
Quanto a William Beckford lembro-me de imediato de um delicioso livro que é o seu diário português baseado em troca de correspondência onde ele relata o seu dia-a-dia e a vivência em sociedade no sec XVIII.
Mais uma boa dica de um sítio a visitar!
Bj
Haverá outro sítio como Sintra em todo o mundo?? E tudo o que faz parte do seu universo é único e mágico.
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