A peça — para a qual Briony tinha desenhado os cartazes, os programas e os bilhetes, construído a bilheteira com um biombo voltado de lado e debruado uma caixa com papel crepe vermelho para recolher donativos — tinha sido escrita por ela num assomo de criatividade que tinha durado dois dias e que a levara a perder um pequeno-almoço e um almoço. Depois de concluídos todos os preparativos, já não tinha mais nada a fazer a não ser rever o manuscrito e esperar pela chegada dos primos que vinham do norte. Só teriam tempo para um dia de ensaios antes de o irmão chegar. A peça, com passagens sinistras e outras desesperadamente tristes, era uma história de amor, cuja mensagem, transmitida num prólogo em verso, era a de que o amor que não estivesse assente numa base de bom-senso estaria condenado. A paixão louca da heroína, Arabella, por um maléfico conde estrangeiro é punida pelo infortúnio de ela contrair cólera durante uma ida impetuosa até uma vila à beira-mar com o namorado. Abandonada por ele, e por quase toda a gente, presa à cama numas águas-furtadas, descobre em si mesma um inesperado sentido de humor. A sorte dá-lhe uma segunda oportunidade, sob a forma de um médico pobre que, na verdade, é um príncipe disfarçado que escolheu trabalhar no seio dos mais necessitados. Arabella é curada por ele e, desta vez, faz uma escolha sensata, sendo recompensada pela reconciliação com a família e pelo casamento com o príncipe-médico “num dia de Primavera com muito sol e algum vento”.
[Parágrafo de Expiação, de Ian McEwan, tradução de Maria do Carmo Figueira, Gradiva, 2002]
Não obstante ter lido algumas criticas ao filme começo por dizer que gostei de Expiação. Transporta-nos para um dia quente de Verão de 1935 onde Briony Tallis, uma rapariga de 13 anos, vê a sua irmã mais velha, Cecília, despir as roupas e mergulhar na fonte do jardim da sua casa de campo. Junto a Cecília, está o filho do caseiro, um amigo de infância que, tal como a irmã de Briony, se formou em Cambridge. No final desse dia, a vida dos três terá mudado para sempre. Robbie e Cecilia terão ultrapassado uma fronteira, da qual nunca antes tinham arrojado sequer acercar-se, e ter-se-ão tornado vítimas da imaginação de Briony. Uma história fatídica, três vidas devastadas por um capricho infantil. Este é o pressuposto onde assenta o filme. No fim, à laia de brinde, temos direito a um comovedor monólogo de Vanessa Redgrave que interpreta Briony — justamente a rapariguinha que mentiu — agora escritora: Ao longo destes cinquenta e nove anos, o problema tem sido este: como é que uma escritora pode fazer a sua expiação se, com o poder absoluto de decidir o final, ela é em certa medida Deus? Não há ninguém, nenhuma entidade, nenhum ser superior a quem ela possa apelar, com quem possa reconciliar-se ou que possa perdoá-la. Não há nada para além dela. Foi ela que marcou os limites e os termos, com a sua imaginação. Não há expiação para Deus, nem para os escritores, mesmo que sejam ateus. É uma tarefa impossível, e a questão é precisamente essa. O que conta é a tentativa. [Trad. Maria do Carmo Figueira, Gradiva, 2002].
As palavras que aqui convoco são surripiadas ao livro de Ian McEwan, autor que muito aprecio ou não fosse ele o autor de On Chesil Beach e cito o escritor porque existe uma estreita fidelidade ao romance. Retenho um percurso individual de expiação. Não é remorso, é mesmo expiação, no sentido cristão de expiar uma culpa; carregar toda a vida como quem transporta um peso. Toda a vida da personagem é moldada por essa expiação. Registo a beleza das imagens e da música – o tema de Briony, uma frase musical, magoada, ao piano, que se desenvolve numa melodia que reproduz o ruído de uma máquina de escrever - muito dura, na sua elegância.
[Parágrafo de Expiação, de Ian McEwan, tradução de Maria do Carmo Figueira, Gradiva, 2002]
Não obstante ter lido algumas criticas ao filme começo por dizer que gostei de Expiação. Transporta-nos para um dia quente de Verão de 1935 onde Briony Tallis, uma rapariga de 13 anos, vê a sua irmã mais velha, Cecília, despir as roupas e mergulhar na fonte do jardim da sua casa de campo. Junto a Cecília, está o filho do caseiro, um amigo de infância que, tal como a irmã de Briony, se formou em Cambridge. No final desse dia, a vida dos três terá mudado para sempre. Robbie e Cecilia terão ultrapassado uma fronteira, da qual nunca antes tinham arrojado sequer acercar-se, e ter-se-ão tornado vítimas da imaginação de Briony. Uma história fatídica, três vidas devastadas por um capricho infantil. Este é o pressuposto onde assenta o filme. No fim, à laia de brinde, temos direito a um comovedor monólogo de Vanessa Redgrave que interpreta Briony — justamente a rapariguinha que mentiu — agora escritora: Ao longo destes cinquenta e nove anos, o problema tem sido este: como é que uma escritora pode fazer a sua expiação se, com o poder absoluto de decidir o final, ela é em certa medida Deus? Não há ninguém, nenhuma entidade, nenhum ser superior a quem ela possa apelar, com quem possa reconciliar-se ou que possa perdoá-la. Não há nada para além dela. Foi ela que marcou os limites e os termos, com a sua imaginação. Não há expiação para Deus, nem para os escritores, mesmo que sejam ateus. É uma tarefa impossível, e a questão é precisamente essa. O que conta é a tentativa. [Trad. Maria do Carmo Figueira, Gradiva, 2002].
As palavras que aqui convoco são surripiadas ao livro de Ian McEwan, autor que muito aprecio ou não fosse ele o autor de On Chesil Beach e cito o escritor porque existe uma estreita fidelidade ao romance. Retenho um percurso individual de expiação. Não é remorso, é mesmo expiação, no sentido cristão de expiar uma culpa; carregar toda a vida como quem transporta um peso. Toda a vida da personagem é moldada por essa expiação. Registo a beleza das imagens e da música – o tema de Briony, uma frase musical, magoada, ao piano, que se desenvolve numa melodia que reproduz o ruído de uma máquina de escrever - muito dura, na sua elegância.
16 comments:
Caro Luís, ainda não vi o filme!
Mas li o livro e , de todos os que li deste autor, é um dos mais fascinantes!!!!
As personagens são desenhadas de uma forma soberba e o envolvimento que criam entre si passam para quem lê! Um livro que não conseguimos parar de ler... e que nos sobressalta a cada instante!
Como outras das obras de McEwan...e "A Praia de Chesil" não será menos inquietante!!!! Para não recordar, "Sábado",igualmente denso e psicologicamente muito denso!!!!
Assim que tiver oportunidade, nºao deixarei de ver o filme, portanto!!!
Obviamente que "devorei" algumas frases no comentário anterior!
peço desculpa!
Como outras das obras de McEwan...e "A Praia de Chesil" não será menos inquietante!!!! Para não deixar de recordar, "Sábado":igualmente denso e psicologicamente muito forte!!!!
Assim que tiver oportunidade, não deixarei de ver o filme, portanto!!!
assim estará mais correcto!
Para mim, contudo, é somentes a primeira parte que acho perfeita... depois o ritmo descende muito y atinge um matiz épico que acho que não é necessário... Também não o fim, embora a Vanessa Redgrave esteja perfeita na sua interpretação... Mas o "coup de thêatre" é um bocado forçado, na minha opinião... Bom, contudo, gostei de ver. A música e a fotografia são memoráveis, concordo contigo....
beijos.
vou ver o filme. Já cá venho
Já vi o filme e adorei(como se pode ver no post que lhe dediquei). Considero um dos melhores - senão mesmo o melhor - filmes dos últimos meses. De uma intensidade dramática maravilhosamente bem distribuída, com uma banda sonora, uma fotografia e, acima de tudo, uma realização muito esmeradas.
P.S.: a) Interessante teres escolhido a mesma fotografia...
b) Vi o comentário que me fizeste no meu cantinho. Que exagero! Estragas-me com mimos :-))
luís, não vi o filme e não conheço o livro. li o teu texto...
vou comentar pelo que li.
"com o poder absoluto de decidir o final, ela é em certa medida Deus?"
quantas vidas são delineadas por terceiros, na base prepotência, da mentira, da necessidade, de interesses...
"Não há ninguém, nenhuma entidade, nenhum ser superior a quem ela possa apelar, com quem possa reconciliar-se ou que possa perdoá-la. Não há nada para além dela."
e quantos nem procuram o perdão... quantos nem se apercebem do "erro"...
"Foi ela que marcou os limites e os termos, com a sua imaginação. Não há expiação para Deus, nem para os escritores, mesmo que sejam ateus."
haverá para alguém?
abraço
Conheço o livro, não vi o filme, espero que seja realmente justo com o livro, por vezes sinto um certa desilusão ao passar a filme...
Boa semana Luís*
Olá, Luís!
À partida, não iria ver o filme, mas tomei melhor nota dele ontem e ao aperceber-me de que é baseado no livro de Ian McEwan, decidi que teria de o ver.
O escritor é de elevada qualidade, não há pelo que duvidar quanto a isso. Mas em relação à adaptação ao cinema, só poderei pronunciar-me depois de ver. Vou estar atenta aos detalhes referidos.
Agradeço a partilha da opinião. :)
Oie meu amigo lindo! Desconheço os dois, mas pelo relato, parece-me muito bons!
Que sua semana seja feliz!
Beijos
Já estou curiosa.
Tanto pelo livro como pelo filme que poderei adicionar ao meu cineliterário para os próximos anos.
Abraço.
CSD
Luis,
fui ver o filme mal estreou.
Já o tinha debaixo de olho.
E amei.
A fotografia, a música a direcção de actores e ...a história.
É assustador ver como podemos tornar-nos marionetes nas mãos de uma criança.Neste momento tenho uma pessoa amiga, nos Estados Unidos, numa situação semelhante.
Dramático.
Um beijinho
Chuac!_
a não perder
num cinema perto de nós
OLÁ LUÍS
levo daqui uma bela sugestão para ir ao cinema, coisa que adoro...
Finalmente respondi ao desafio que o Miguel me fez em Dezembro...
por isso, convido-te a espreitar a minha resposta cinéfila.
SOBRE O FILME: O PIANO
Toca-me como se a minha pele fossem as teclas do piano.
Toca-me numa melodia única.
Toca o meu sexo com os tons de maresia e os meus seios com os tons de jazz.
Toca as minhas coxas entreabertas em portas de sedução
Toca os meus lábios em acordes de paixão.
ADOREI ESTE FILME.
Nesta tua apreciação também falas do som de um piano...
Beijos e boa semana.
Assisti o filme ontem anoite. Gostei muito. Fiquei surpreso com o desfecho. Alguém não ficou?
E a fotografia? Fantástica, não é?
Abraços!
Achei um filme bem conseguido. Tal como outros aqui o disseram, a fotografia é, de facto, a excelência deste filme.
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