Friday, April 25, 2008

alguém que diz não...

TROVA DO VENTO QUE PASSA
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).


Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre

Entre a década de 30 e as vésperas de Abril foi-se revelando uma tradição de poesia de resistência, de oposição ao autoritarismo, para a qual contribuíram poetas provenientes de diversos quadrantes. De forma mais dissimulada ou mais aberta, a lírica resistente afirmava-se enquanto poesia combativa, de denúncia do regime (Era uma vez um país de tal maneira explorado, pelos consórcios fabris, pelo mando acumulado, pelas ideias nazis, pelo dinheiro estragado, pelo dobrar da cerviz, pelo trabalho amarrado, que até hoje já se diz, que nos tempos do passado, se chamava esse país, Portugal suicidado, Ary dos Santos). A sua voz foi gemido, protesto, denúncia, execração, ora animada pela esperança, ou deprimida pelo desalento. Poetas e resistentes, Borges Coelho, Casais Monteiro, Jaime Cortesão, Miguel Torga e Veiga Leitão domiciliaram em prisões do Estado Novo. Assis Pacheco, Fiama Hasse Pais Brandão, Natália Correia, Manuel Alegre, Sophia de Melo Breyner (Esta é a madrugada que eu esperava, O dia inicial inteiro e limpo, Onde emergimos da noite e do silêncio, E livres habitamos a substância do tempo), consagraram parte da sua obra a esta causa.

O belo poema de Alegre constitui um excelente mote à liberdade. E a cada um de nós incumbe o basilar dever cívico de provar que “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!”…

29 comments:

Anonymous said...

Querido Luís

Como sabes, este dia é sempre uma dupla festa para mim. São os 29 anos da Joana!

Estou de partida para a Ericeira onde amanhã faço um jantar para os amigos da Joana. Regresso a correr no sábado para ficar com a minha mãe.

Estive no teu 'espaço' e respondo-te aqui porque não dá para te enviar este poema lindo que entreguei hoje aos meus alunos.

Para ti com um abraço!

Gena



José Fanha


Eu Sou Português Aqui


Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.

Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.

Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.

Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.

Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mão sujas do sangue
que empapa a terra que piso.

Eu sou português
aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.

Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.

Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.

Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.

Gena

Maria said...

Por isso Abril é poesia......
Excelente post.

Beijo, com um cravo

Anonymous said...

Belo apontamento. :)
É sempre com emoção que entro pelas portas que Abril abriu.

Maria Faia said...

Estimado Amigo,

Venho trazer-te um beijo de LIBERDADE, com sabor a cravo vermelho.

Feliz 25 de Abril, amanhã e SEMPRE!

Maria Faia

Anonymous said...

25 de Abril sempre!

kiduchinha said...

Olá amigo Luís!!!
Quando abri o teu blog não pude deixar de sorrir, pela nossa sintonia, pois sem ter visto o teu blog, coloquei nos meus precisamente duas citações iguais a duas que também fazes - Manuel Alegre e Sophia de Melo Breyner!! :)
Realmente, o nosso pensamento é eterno!! E viva a liberdade de o escrevermos!!
beijocas grds

Vulcano Lover said...

Vivam as revoluções pacíficas
Viva a poesia.
viva a palavra e a liberdade.

e viva abril... e portugal.

Unknown said...

Não sou saudosista nem revivalista, mas acredito na beleza das palavras que podem moldar a alma e o espírito, para que um dia possámos conseguir reconhecer a liberdade dos gestos simples.

Beleza sempre!

Paula Crespo said...

Belíssimo!
O poema de Sophia é o que está no quartel do Carmo, creio...
Digna homenagem! Parabéns, Abril!

João Roque said...

Ambos escolhemos o mesmo poema, agora vejo, para comemorar Abril: estamos de parabéns e isto não é ser imodesto, é ser verdadeiro.
Abração.

isabel mendes ferreira said...

alguém dirá SEMPRE NÃO!!!!!!!




.




espera-se.



beijos. a abril . a ser.

Isabel Victor said...

Que emoção ! Tive este cartaz e um outro também da Vieira da Silva, tanto tempo em frente aos meus olhos. Foi até perderem a cor.

E o poema é sempre bem lembrado !


Poetas. Poetas. Poetas
que nunca se cansem !



iv*

avelaneiraflorida said...

Amigo Luís,

Nunca serei capaz de ver, ouvir, ler, as trovas sem um imenso arrepio!!!
Que as vozes saibam SEMPRE DIZER NÂO!!!!

Isamar said...

Venho deixar-te um rubro cravo de Abril com aroma de Liberdade.

Mil beijinhossss

comecardenovo said...

“há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!”… é este o nosso dever.
Bom fim de semana

Filoxera said...

O Escrito a Quente comemora o "5 de Abril e reserva, pelo 1º aniversário, uma fatia de bolo para cada um dos que já o comentaram.
Até breve!

Bandida said...

a força das palavras resistentes!!

há sempre alguém... e somos nós!!


beijos luís!

p.s.

:))

Maria Eduarda Colares said...

Não quero ser pessimista, mas depois de ouvir no telejornal os portugueses, nas praias, que está bom tempo, finalmente, é verdade, a dizerem que não fazem ideia do motivo por que hoje é feriado, temo muito que dentro de pouco tempo falte alguém para dizer não! É que eles não percebem mesmo que não dizer nada é dizer sim.
Entretanto, vamos continuando a manter a memória viva.
beijos

Caxuxita said...

Beijinho:)

Gostei do que foi escrito e é bem verdade...

pin gente said...

vamos resistindo, sempre!

abraço
luísa

Rosi Gouvêa said...

Assim lindo infante, que dorme tranqüilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.

*Gonçalves Dias*

E mais uma vez venho me encantar...

Bejos doces!

Socrates daSilva said...

Parabens pelo belo poema que aqui foi recordado.
E uma significativa reflexão sobre os caminhos que se encontra perante o silencio imposto. Vivam os génios! Os conhecidos e os anónimos.
Abraço

paulo said...

O ano passado, por causa deste poema, ia tendo um colapso numa aula de 10º. À minha pergunta de hipóteses para quem seria a "candeia/ dentro da própria desgraça", ou o "alguém que semeia/ canções no vento que passa", as criaturas (isto é, alunos) não foram capazes de dizer nada. Avancei, mas também não conseguiram identificar o que seria "há sempre alguém que resiste/ há sempre alguém que diz não", a custo lá foram chegando... mas houve uma criatura que me diz que que se resistia contra o "25 de Abril". Perguntei-lhe o que era o "25 de Abril", não me soube responder, nem situar no calendário. Os colegas lá deram uma achega, mas foi medonho como para aquele rapaz a ditadura era exactamente a mesma coisa que o "25 de Abril". Levou uma ensaboadela, mas, mesmo assim, acho que não foi suficiente.
Um abraço

Telejornalismo Fabico said...

*




dizer "não", no sentido político que o advérbio encerra, é o maior exercício de maturidade que temos.

negar algo a quem amamos, dizer não a uma ordem absurda de um chefe, não aceita a imposição de amigos, e dizer basta a opressão social e política.

quem consegue fazer isso - e com poesia, ainda por cima -, se torna alguém melhor.




*

Maria P. said...

Apesar do "não" haverá sempre a força de seguir em frente para alcançar o sonho.

Excelente o teu post.

Beijinho*

C Valente said...

25 de Abril sempre
Saudações amigas e boa semana de trabalho

Anonymous said...

gostei muitíssimo da sua visita, que agradeço. visitar este espaço é um raro momento de cultura e de prazer. um grande bem haja. beijo.

adouro-te said...

"...há sempre alguém que diz não!”
Tão difícil dizer NÃO a ditaduras...
Abraço

Luís said...

Felizmente existe sempre quem diga não... este poema recordou-me os tempos de faculdade: era o hino que cantávamos na cerimónia das velas.

Lindíssimo.