Sunday, June 29, 2008

o povo das estrelas...

(foto de Valter Ventura)

“Contra a opinião pública dominante, consensualmente ciganófoba, procederemos à crítica científica da essencialização de uma «cultura nómada», supostamente imoral e parasitária, inventada para melhor marginalizar milhares de portugueses a quem continuam a ser recusadas as oportunidades que a Constituição prevê para todos os portugueses sem distinção, e preocupar-nos-emos com a falta de memória histórica e democrática de políticos, governantes, intelectuais, educadores e eclesiásticos acerca da perseguição sistemática feita a esta minoria”. In O Povo das Estrelas nas Festas de Lisboa 2008.

Em tarde de domingo quente perdi-me entre ciganos. Rotas & Rituais é um conjunto de iniciativas que se centra nesta gente. Confesso que sempre tive uma atracção (antropológica, sociológica, ou outra) por estares e sentires diferentes, sendo que incluo os ciganos neste tabuleiro de interesses. Mas o que encontro amiúde são concepções que se foram cristalizando sob a feição de estereótipos: um certo romantismo ou temor (cf. culturas ciganas). A mundividência cigana caracteriza-se pela sua "identidade de resistência", conceptualmente construída na relação com o outro (o paílho, i.é, o não cigano) mas políticas de inclusão que conhecemos insistem na assimilação. São politicamente correctas, mais eficazes, supostamente mais igualitárias e o cigano é recompensado pelo seu enfileiramento: permitem que os filhos ingressem na escola e consequentemente auferem rendimentos mínimos. Isto é, o(s) Estado(s) tende(m) a varrer os aspectos culturais e fazer emergir os ciganos como um problema social, tornando-se necessário "integrá-los". Revelam "desajustamentos sociais" quando se pretende inclui-los, razão pela qual as políticas de inclusão consideram a necessidade de os inserir no espaço social dominante e desprezar o seu território cultural e étnico. Estes artifícios tendem a construir um cigano que não o é de facto, mas como é necessário que seja. Esses portugueses com quem nos cruzamos há gerações e que continuamos a considerar diferentes e são singulares, de facto, têm ainda muito para revelar, sendo necessário haver um esforço (mútuo) para que sejam aceites “as riquezas humanas e espirituais das quais os ciganos são portadores” (in agência.ecclesia.pt/).
(foto de Renato Monteiro)

As exposições que percorri entre o Padrão dos Descobrimentos e o Cinema S. Jorge contribuem para a produção de um "discurso" que valoriza um olhar acerca da etnicidade cigana: “Ciganos na Cidade”, de Valter Ventura [como ponto de partida desta “amostra” vivencial, cabe perguntar: Será que as reminiscências de um passado, com experiência de organização espacial em tenda, se repercutem na vida de hoje? Será que o facto de algumas famílias ciganas se terem, em parte, constituído temporariamente como habitantes de bairros de barracas veio a produzir marcas que se verificam, são reais e perduram? Como aproveita e organiza o cigano o novo espaço em que se insere? (…) /Fernanda Reis], e uma mostra de trajes femininos ciganos [lenço na cabeça, xaile, saia comprida, rodada ou de pregas finas, saiotes brancos com rendas na ponta e um grande bolso para guardar dinheiro ou outros pertences, são características dos trajes típicos das mulheres ciganas. Por sua vez, o homem cigano opta por tons escuros, onde o fato e o chapéu preto e as longas barbas estão associadas ao sofrimento e à sabedoria] e “Ciganos do Sul”, mostra de fotografia de Renato Monteiro. Uma interessante viagem neste final de tarde lisboeta…

16 comments:

Carlos Faria said...

Claro que a partir daqui fica-me vedada a possibilidade de visitar a exposição, mas fica-me também a dúvida: a inclusão, nos moldes que a sociedade moderna ocidental pretende, é ou não uma forma de lentamente apagar a cultura e o modo de vida daqueles que para nós(os da maioria) são diferentes?...

Anonymous said...

valeu a pena, não valeu? O filme de sábado foi espectacular, diferente do de 6ª, mas a viagem através da música pelo percurso dos ciganos foi divinal.
Boa semana

m said...

é um assunto que eu gostaria de me debruçar um pouco mais. como tantos outros. nunca fecho a mente a novas aprendizagens.
obrigada pela informação aqui transmitida e pelo amável comentário no meu blog.

:)

beijinho

Special K said...

As fotos são excelentes.
Um abraço.

Anonymous said...

Uma exposição que certamente vale a pena ser visitada. Um texto justo.
E uma dica de leitura que aqui deixo: ROMANCERO GITANO de Lorca.

L.C.

margarida já muito desfolhada said...

mutatis mutandis...

João Tavares said...

pois é, o direito à diferença (à igualdade) por enquanto é ainda uma cantiga.


joão

Anonymous said...

Nunca me dei mal/tive medo/problemas ou o que quer que fosse com ciganos. Conheço pessoalmente dois ou três e sei que são excelentes pessoas (além de fugirem ao lugar comum do feio, porco e mau).
Os ciganos (como quaisquer outros grupos/minorias), têm sempre um problema à perna: tenta-se sempre integrá-los "à nossa maneira" - a da maioria - tenta-se sempre protegê-los, fazendo deles os desgraçadinhos ou os inadaptados. Quando a vivência em comum parte destes pressupostos é mau sinal...

Art&Tal said...

muito bom blog

muuuuito bom post.





ps: tu es galego como tu ou...
galego como eu? :)

os galegos querem juntar a galiza ao minho e descer até coimbra. dizem q vao ficar... que ja nao voltam para castela :)

dizem que vao continuar a cantar codax.

Maria P. said...

Um tema muito interessante, a tua abordagem exclente!

Beijinho*

pentelho real said...

é um privilégio ler-vos.

e é também um privilégio ter, como vós tendes, a capacidade de vos interessardes por tantos assuntos e também a capacidade de gerir o tempo de maneira a poderdes usufruir daquilo de que gostais.

Tongzhi said...

: a inclusão, tal como é usada hoje em dia, nomeadamente nas nossas escolas, visa apagar a cultura e os costumes da diversidade de povos que hoje coabitam connosco. Confesso que não sei como se poderia fazer de outra forma...

**Viver a Alma** said...

Salvé Luis

Parabéns pelo Post.
Mas também passei por aqui para o convidar a ir até ao blog do Pinguim e ler algo que penso poderá começar a pensar melhor sobre o assunto, lidando melhor com ele. Os medos atrapalham a vida das pessoas...

Fique bem
Abraço
Mariz

ESPAVO!

avelaneiraflorida said...

Amigo Luís,
"o povo das estrelas" que merece ser estrela para o nosso olhar!

Também por aqui decorreu um pequeno espectáculo, trazido por amigos de Europas mais interiores, e interpretado por jovens desconhecidos...mas , também eles, estrelas a ganharem luz!!!

paulo said...

Apesar de não nutri especial curiosidade pela cultura cigana, gosto de conhecer e reconhecer os seus traços que respeito, mas há muita falta de diálogo da nossa parte e da deles. Os modelos são inquestionavelmente diferentes e parece-me que pouco se faz para mudar as coisas. Ontem, na rtp1, foi focada uma associação (a AMUCIP) e uma das suas mentoras pareceu-nos uma mulher sensacional, cheia de uma coragem poética e muito realista do problema. Outras mulheres ciganas foram focadas, mas a Olga Natália é uma mulher grande. E é com pessoas assim, carismáticas, que as coisas vão mudando e as estrelas deixam de ser tão longínquas.
Abraço

Anonymous said...

Excelente abordagem do problema, se problema é ou for! Subescrevo e convido-os a visitirem a minha página (http://myrna.com.sapo.pt, que, de alguma forma, aborda a "questão cigana", uma vez que desde há pelos menos 16 anos lido com eles, trabalho com e para eles.E eles, que no fundo e bem vista as coisas, somos TODOS nós!