O amor comove-me. E não estou a pensar no bem-querer universal do "amai-vos uns aos outros". Falo do adormecer tendo no coração “uma prece pelo bem amado, e na boca, um canto de louvor”. E isto a propósito de “Vieira da Silva, Arpad Szenes e o Castelo Surrealista", título da exposição patente no Museu da Electricidade. Obras de Arpad que ilustram a sua mulher, acompanhadas por frases de Mário Cesariny. As palavras do surrealista guiam-nos no labirinto da relação entre o casal, uma afinidade que o poeta qualifica de "amor alquímico”. Arpad além de húngaro era também judeu, o que provocou a sua fuga à perseguição nazi, para Portugal, durante a segunda guerra e foi por este homem de cabelos ruivos que Maria Helena se apaixonou. Menina portuguesa, vulnerável e melancólica, que se deslumbra em Paris com a agitação da capital francesa num período rico na partilha de ideias por parte de artistas plásticos, escritores, músicos e bailarinos. É muito singular a história de vida dos dois, oficialmente apátridas. São comoventes os gestos de ternura que partilham, um par ainda bem que diferente. A cumplicidade de dois pintores que não cabe numa exposição mas cujas imagens nos beijam. Uma perspectiva pessoal, intimista, onde Vieira da Silva é retratada pelo seu apaixonado. São mais de 40 desenhos de diversas épocas, a pastel, grafite e guache e a maioria deles integram o ciclo "Le couple" arquitectado ao longo dos tempos pelo artista. Mas a pintura não pede autorização para entrar e são vários os trabalhos a óleo de Arpad sobre Vieira. Da pintora também irrompem duas obras, com o mesmo tema e título: Arpad. Para melhor se mergulhar na vida e na obra dos dois talentos são exibidas fotografias que se reportam aos anos entre 40 e 80 e ainda alguns objectos que estiveram arrecadados durante épocas no atelier do casal. As frases que agora estão lado a lado, com as obras, resultam de um acompanhamento amiudado que Cesariny foi fazendo ao trabalho de ambos, dando origem a um deleitoso estudo. Em Arpad e Vieira, Cesariny desvendou um exemplar caso "amour fou", fundamentando o conteúdo e o nome Castelo Surrealista que inventou para eles viverem e trabalharem.
Quando contemplo Arpad abraçando Maria Helena é de ouro a paisagem que nasce e quase dói…
Quando contemplo Arpad abraçando Maria Helena é de ouro a paisagem que nasce e quase dói…
14 comments:
Belo post, Luís, sobre a pedra filosofal que é o amor. E que no exemplo retratado perdurará na arte de ambos.
Um abraço e bom fim-de-semana
acontece um amor verdadeiro como muitos o cantam e poucos professam
pincelado em telas de pano num abraço de cores
acontece uma vida dedicadas a tantos amores
desenhados a dois para que beijos eternos se meçam
abraço
luísa
Sublime Luis.
Fiquei de olhos rasos de àgua.
Ah quem me dera um amor assim...
Beijinhos e bom fim-de-semana
Parece que é uma exposição que nos oferece um enorme leque de coisas boas! :)
Beijinhos
Deve ser interessante ver o que resulta do olhar delirante e palavroso de Cesariny, aplicado à obra de amor e arte de Arpad e Vieira.
O amor é um torvelinho de emoções e dádivas de vida misturados - a velocidades diferentes - num cadinho. Uma fusão. Pode dar um lingote macio ou um laço denso (já que se fala de química podia ser um sabonete Ac. Brito, mas não é). Pode dar a volta que falta a duas vidas. É de certeza uma viagem, nunca um destino.
No caso de Arpad e Vieira, resultou numa amálgama de cores partilhadas, uma tela de horizontes rasgados concebida a quatro mãos. Um itinerário paralelo que não precisou de espartilhos de moldura. Foi um amor de dois amantes. Livre.
No caminho percorrido entre o atelier do meu amigo, pintor, João Silva (amigo íntimo do saudoso pintor Artur Bual) e a minha casa, vinha a pensar no Post que havia escrito sobre “Vieira da Silva, Arpad Szenes e o Castelo Surrealista”.
“O castelo surrealista”
O castelo tem um carácter defensivo, reservado, seguro. O amor entre os dois foi tão seguro, que surreal, para aqueles que nunca o experimentaram, como Cesariny. O período de estudo por parte de Cesariny situa-se entre 1930, três anos antes da Constituição de 1933, e 1940, ano em que se realiza na Praça do Império, Belém, a Exposição do mundo Português.
O primeiro sentimento que Arpad teve por Vieira da Silva foi o de que “ Vieira é vulnerável e melancólica, ela precisa de um certo apoio moral”. Ele protegeu-a e acompanhou-a sempre, pelo menos enquanto a vida o permitiu. Nunca precisaram de romper a relação para terem um rasgo de iluminação.
O facto de Arpad ser mais velho foi fundamental, assim como o facto dela ser mais nova. Complementavam-se, entendiam-se com paixão. A segurança, a tranquilidade, a experiência, o conhecimento de vida e o amor incondicional de Arpad foram o segredo. O aparente desequilíbrio, equilibrava. Tornou-se numa das maiores pintoras do abstraccionismo. Destaco a obra Atelier (1940).
O feitio, por vezes ríspido de tão directo que era e ousado, agradavam Arpad! Quando se invoca a figura de Vieira da Silva, alguns dizem que era de uma sinceridade comparada a Callas, tendo criado um estilo próprio e diferente. Diferente era-o e será sempre. Coincidência ou talvez não, o Museu da Electricidade também exibe mais de 600 peças de Maria Callas.
Sobre o “couple” Mário Cesariny registava que: “Arpad Szenes e Vieira da Silva são a mais bela história de amor e a pintura que jamais conheci”.
A pintura eterniza o momento, a expressão, o sentimento. A representação que ambos faziam um do outro é íntima e profunda, eternizando de forma poética o sentimento. Pintaram as suas almas.
Mulher urbana, entendia o mundo como algo relativo; dizia que não tinha nenhuma religião, nem nenhuma crença em ideologias políticas, no fundo nada tinha, para além da incerteza, “esse labirinto terrível”; referia que “às vezes pintava como que obedecendo a uma força superior, sem saber muito bem para onde ia. Deixava-se levar pela intuição e duvidava das teorias”.
A pintura de Vieira é um fazer e um desfazer, um tecer e destecer perpétuos, como se a artista cumprisse um voto de incoercível fidelidade.
A propósito dos movimentos com que se cruzou, assim que chegou a Paris com 19 anos, dizia: “o impressionismo, o cubismo e a pintura abstracta enriqueceram-me. Mas nunca quis fazer parte de nenhuma seita”.
Como é sabido, o estado português, em 1956, nega nacionalidade portuguesa a Arpad Szenes, tendo o casal decidido pela naturalização francesa. Nem a sua sepultura se encontra em Portugal! Estão sepultados perto de Loire, em França.
Complementa esta exposição a que está presente na Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva, “Correspondências”. Saliento que estes projectos surgem pelo facto de se comemorar o centenário do nascimento de Vieira da Silva. Ainda assim, no passado domingo à tarde, era a única visita na Fundação! Continuamos a tratar muito mal um das maiores mulheres portuguesas.
Para Arpad as três maiores mulheres portuguesas eram: a sua esposa, a que chamava “ma femme chamada bicho”, Sophia Mello Breyner e Agustina Bessa-Luís.
“É necessário que tudo seja vibrante e vivido”, Vieira da Silva
Se subjectivamente e como será lógico, o caso de amor que mais me empolga é aquele que partilho com a pessoa que amo, devo concordar que o amor de Maria Helena e Arpad, é subjectivamente um caso raro, que claro, não será único, mas quase poderá ombrear com os clássicos: lindo!!!!
Ficou para a posteridade e para a esfera pública a ideia de um casal que viveu a uma voz, um dois em um. Um amor partilhado pela pintura, linguagem comum do casal, entre outras, muito provavelmente entre todas. Lucky them...
Bjs
Hoje, passei a tarde na Exposição Maria Callas - Exposição de Lisboa - e foi qualquer coisa de único. Gosto da forma como o espaço do museu da electricidade recria diferentes ambientes. Todavia a minha ida prendeu-se com Vieira da Silva. Já concordava, em demasia, com o que havia escrito, todavia, fiquei rendida ao amor que os inúmeros desenhos transmitem e retratam, como se Arpad andasse à procura da forma perfeita de eternização do amor. Fiquei francamente espantada. Os corpos aparecem sempre juntos, ligados, agarrados como se fossem uno. Diluem-se um no outro...como Elixir da Imortalidade, como magia, porque, afinal, o amor tal como a alquimia são mágicos.
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SÍlvia
Oie lindo! A exposição retrata algo que está em decadência, nos dias de hoje. O verdadeiro amor. Quem sabe assim, não chama atenção das pessoas para essa questão?
Belo post! Bom domingo! Beijos
por alguma razão a pintura de maria helena se tornou tão sombria e mórbida após a morte de arpad
a própria maria helena era sombria e na luminosidade com que arpad a contemplava ela ressuscitava todos os dias a seu lado
um "amour fou" que não durou só a vida inteira de ambos mas que se prolonga para além da moldura dela
Salvé Luis
Penso que a Arte é algo de muito puro, é mais alto, já vem enraízada "dentro"...bem fundo... e se plasma nos mais variados tons sons, movimentos, palavras...e por aí adiante! Não são apenas os artistas que executam obras...elas são também o que os outros sentem! É nesse sentir, tal como as palpitações ou as lágrimas que podem fazer eco em cada célula, cromossoma e se dilui no sangue - é essa voz, que fala mais alto!
Este casal foi um entre tantos outros, que teve o discernimento, sensatez, em suma lucidez, como patronos da "liberdade"! Muitos chamam felicidade. Eu não! Penso que felicidade é um estado de alma que se consegue a todo o momento. basta querer! - e não falo de cór...mas por mim.
Não creio que todas as côres numa tela ou todas as notas dum qualqur instrumento, ou numa dança, saibam definir o que é o amor...porque ele é uma ARTE! E a mais elevada de todas! Não acredito, porque não há ser humano algum que consiga definir e sentir esse dito sentimento...trazem uma leve lembrança, apenas...é por isso que todos dizem que querem que todos os "amores" durem para "sempre"! É pois nesse SEMPRE que vem esse dom, implantado ou semeado em nós! porque todos nós somos...PARA SEMPRE!
É pois algo - chamado de sentimento - muito fora do nosso alcance. A única hipótese que haveria de o sentir...seria a total abolição do "ego" - como se duma história para crianças se tratasse. Porque é disso mesmo... que SE TRATA!
Esta é a minha visão...pelo sentir.
Mariz
Salvé Luis
Penso que a Arte é algo de muito puro, é mais alto, já vem enraízada "dentro"...bem fundo... e se plasma nos mais variados tons, sons, movimentos, palavras...e por aí! Não se chamam apenas "artistas", aos que executam obras; são-no também, todos os outros... que a sentem! É nesse sentir, de palpitações ou lágrimas, que fazem eco, em cada célula, cromossoma...enfim, no sangue! - essa, é a voz, que fala mais alto!
Este casal foi um entre tantos, que se rodeou de alguns "patronos" tais como: discernimento, sensatez, lucidez reforçando assim, a "liberdade"! Para muitos isto seria: felicidade. Eu não chamaria tal! Ela é um estado de alma que se consegue obter diariamente sem esforço e nem é necessário ter alguém, por perto. Basta querê-la e pre-dispor-se a recebê-la, sem alterar nada. Isto não é uma "máxima"; é real, acontece e eu testemunho.
Por isso não creio, mesmo que todas as côres sejam visíveis numa tela, ou todas as notas tocadas por um qualquer instrumento, ou a fala do corpo na dança, saibam definir o que é o amor...porque ele, embora sendo a ARTE MAIOR, é ainda... impraticável!Não há ser humano algum, que consiga defini-lo a preceito, ou sentir esse bendito sentimento sequer! o que se traz, isso sim, é uma leve lembrança/recordação apenas do que já se sentiu. É por isso que todos dizem que se amam... "para sempre"!... - mas depois, nem um ano esse bendito "amor", dura.
É pois no SEMPRE, que vem esse dom, implantado em nós; porque todos nós somos...PARA SEMPRE!
O amor é pois "algo" indefinido apenas chamado de: sentimento! A única hipótese de o sentir verdadeiramente, seria extinguir de vez o "ego"; e eu pergunto se alguém neste mundo, conseguirá esse feito - tal como duma história de crianças se tratasse! - porque é disso mesmo... que SE TRATA! entenda isto, quem quiser.
Esta é a minha visão, e não só...é sobretudo, o meu sentir.
Mariz
"O amor comove-me...". Tenho vindo a apreciar essa sua sensibilidade por um tema no qual poucos, muito poucos homens se atreveriam a manifestar publicamente essa "bela fragilidade" ou essa "louca crença".
Belo post!
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