Sunday, July 27, 2008

de olhos abertos na vida de Adriano...

Com o título " Hadrian: The man behind the wall", a edição do The Independent (cf. 10 July 2008) refere-se a Hadrian Empire and Conflict – exposição do British Museum – e a um lado mais intimo do imperador Publius Aelius Traianus Hadrianus (esta exibição tem sido alvo de enorme interesse por parte da comunicação social, mormente a portuguesa – ver artigo do Público, de 25/07/08, “No livro de Marguerite Yourcenar, entrávamos na morte de Adriano de olhos abertos. Agora entramos de olhos abertos na vida dele …). A notícia, apesar de destacar a mostra, faz referência ao contexto geopolítico contemporâneo. Assim, ao descrever o ilustre sucessor de Trajano, salienta que ele não foi apenas mais um, mas o governante supremo romano que exigiu o regresso dos seus soldados da Mesopotâmia. Além disso, o artigo recorda que ele foi o primeiro imperador romano a assumir de forma inequívoca a sua homossexualidade.

A exposição, que reúne pela primeira vez objectos de arte do “imperador ambulante” espalhados por 31 museus, ambiciona conquistar o interesse do público para a peculiar história de vida do Pontifex Maximus. Como é sabido Adriano retirou as suas tropas do actual Iraque e mandou reforçar as fronteiras do império através da construção de fortificações contínuas, entre as quais, a Muralha de Adriano, demarcando a fronteira entre a Escócia e a Inglaterra actuais. A "era de paz" concedida por Adriano poderá então ser apreciada através de duas centenas de tesouros antigos, muitos dos quais nunca tinham sido apresentados em terras de Sua Majestade. Mas diversos artefactos da exposição referem-se ao seu amante, "o belo jovem grego Antínoo" (afogado no Nilo em circunstâncias suspeitas), que o acompanhava nas suas viagens pelo império. Entre eles, um poema escrito sobre papiro descrevendo dois homens caçando juntos. Aqui não resisto fazer a ponte com o Adriano, de Yourcenar, e lembrar que o imperador lastima que a memória dos homens seja um cemitério abandonado, onde jazem, sem honra, os que deixámos de amar. O Adriano, da romancista belga, reclama o direito de chorar, sem fim e sem limites, o seu jovem morto. Em sua memória espalhou pelos quatro cantos do Império uma profusão de estátuas de Antinoos, para que a beleza fria do mármore comunicasse a todos que o não esquecia nem cessava a sua dor. A tanto excesso, os seus contemporâneos e, mais tarde, os historiadores, chamariam de cegueira. Mas Adriano chamava-lhe fidelidade e doía-lha a incompreensão. “Sinto que à minha volta todos se incomodam com a minha dor. Toda a dor prolongada insulta o seu esquecimento”.

Uma primeira leitura levaria a considerar que a homossexualidade expressa do grande conquistador representaria um atractivo para o público, na medida que abateria um cliché segundo o qual os magnificentes imperadores da antiguidade seriam exemplos de masculinidade. Contudo, os ingleses têm dado testemunho do crescente descontentamento com a permanência de seus soldados no Iraque discutindo a necessidade de serem mantidas tropas no território ocupado. Seja qual for a intenção subjacente aos curadores daquele descomunal museu secular (provavelmente as duas enunciadas) o que é relevante é a oportunidade de se conhecer o importante legado de uma clássica personagem histórica cujo império ainda afecta as nossas vidas …

Hadrian Empire and Conflict (clicar para ver vídeo)

16 comments:

João Roque said...

Que pena não poder ver essa exposição que complementaria, estou certo, a leitura de um dos mais fascinantes livros que já li: "Memórias de Adriano", de M.Yourcenar.
A comparação com a actual situação politica mundial é, de facto, um motivo maior, para a oportunidade desta exposição; pena é que Bush a ignore...

Anonymous said...

É pena que esta exposição não seja itinerante e que a verdadeira mastaba de segredos e tesouros que é o British fique um pouco "à desamão". A melhor forma de honrar a lucidez de Adriano é ver a expo (e já agora comprar o catálogo). A memória, tão cara a qualquer romano (não é à toa que as suas necrópoles ladeavam as vias e principais itinerários - o olhar dos viajantes recordava os mortos) era o que mais convinha preservar após a morte. Quando se pretendia repudiar e desonrar definitivamente uma pessoa, apagava-se as suas efígies - banindo-se a possibilidade da sua recordação.
Estas exposições sobre o mundo de Época Roamana são uma cabeçada enriquecedora num dos esteios da cultura ocidental. É triste que nem todo o ocidente lhe tenha acesso.

Anonymous said...

Pensar e repensar Publius Aelius Traianus Hadrianus requer alguma disponibilidade...

Isto é só para ficar entre nós! Não publique.

Sílvia

Anonymous said...

Ora aí está uma exposição que gostaria bastante de visitar. Inevitavelmente, acabei por recordar LES MÉMOIRES D'HADRIEN, da grande Yourcenar, e que tive o prazer de ter lido no original.

Anonymous said...

Por norma ninguém gosta de se expor, principalmente expor aspectos da vida privada, todavia esta exposição permite um repensar o carácter, vida, amor e legado de Adriano (117-138 d.C.).
Quando tive Antiguidade Clássica, em Coimbra, esta personagem exercia fascínio, pela sua personalidade, aparentemente, contraditória. Homem de interesse pela arquitectura e cultura grega, mandou edificar o Panteão de Roma, homem das grandes contradições… responsável pela propagação do Helenismo, tendo embelezado Roma e o Império numerosos monumentos.
Para quem não se recorda:
“A redefinição de fronteiras foi uma preocupação do imperador, que sucedeu a Trajano no ano de 117 e reinou até 138. A sua primeira medida foi mandar retirar as tropas da Mesopotâmia (hoje Iraque), onde enfrentava uma sangrenta guerrilha. Logo depois, Adriano ordenou a construção de uma muralha, com o seu nome, para servir de fronteira do império nas ilhas britânicas, separando a Inglaterra da Escócia.(…) E a morte de 580 mil judeus durante repressão da rebelião na Judeia (que renomeou como Palestina) entrou para a História como um dos seus actos mais cruéis. Quando Adriano chegou ao poder, o Império Romano era maior do que a actual União Europeia, com unificação da língua, da moeda e da administração".
Em termos pessoais, casado com Sabina, dizem por conveniência, manteve uma ligação amorosa com Antínoo. O amor foi tão forte, entre ambos, que Adriano chamou Antinopolis a uma cidade egípcia.
É no seu reinado que a Judeia passou a chamar-se Palestina como tentativa de apagar a memória Judaica. Porém, aquando da II Guerra Mundial, o povo Judaico regressa à “Terra Prometida”, organizando-se como Estado independente no ano de 1948. A Palestina, continua a ser apenas um território que luta pela independência! Os povos transportam a sua memória colectiva ao longo de séculos e séculos.
Na época os Judeus sentiam que a sua cidade sagrada estava a ser profanada, desrespeitada, hoje o povo palestiniano sente-se profanado pelos Israelitas! As guerras ainda continuam a ter uma base, religiosa, económica, e territorial. Quando a única, se é que é legítima, seria a guerra em defesa dos Direitos Humanos. Em pleno século XXI, ainda não assistimos a tal facto, embora a bandeira de muitas guerras se diga em defesa dos mesmos.

Não é porque certas coisas são difíceis que nós não ousamos. É justamente porque não ousamos que tais coisas são difíceis!

Séneca

m said...

Há tanta coisa que me apetece visitar mas estou ''fechada'' nesta ilhota... bah.. mas é sempre bom saber que ainda existem momentos culturais :)

Obrigada pelos largos elogios! :D

É um gosto comentar o teu blog, acredita!

Beijinhos

Vulcano Lover said...

passo-te um artigo no jornal espanhol EL PAÍS, que fala da exposição que apareceu o outro dia e que encontrei também muito interessante, se calhar tu também...

http://www.elpais.com/articulo/revista/agosto/REPENTE/ADRIANO/elpepirdv/20080723elpepirdv_4/Tes

jguerra said...

Olá. Fico com pena de não poder ver essa exposição. Confesso que não conhecia esse imperador, nem nunca li esse livro de Yourcenar. Confesso que é uma escritora que nunca me despertou grande interesse. Fiquei, no entanto, bastante curioso.
Abraço

lampejo said...

"...memória dos homens seja um cemitério abandonado, onde jazem, sem honra, os que deixámos de amar."
Por vezes essa é uma grande verdade, nua e crua.

O passado, o presente e o futuro, estarão sempre ligados...

com senso said...

A exposição está longe, mas desde que li as "Memórias de Adriano" na tradução espantosa de Maria Lamas, fiquei apaixonado por essa figura histórica.

Adriano foi um homem de uma enorme grandeza, como ser humano e como Imperador. Um Soberano magnifico e ao mesmo tempo cheio de todas aquelas fragilidades que qualquer mortal possui.
Fico cheio de inveja dos londrinos.

Special K said...

Já tinha lido no jornal e fiquei com uma vontade imensa de ver. Pena que não seja por aqui.
Um abraço.

Ana Paula Sena said...

Pena que a exposição não venha até cá... :(

Obrigada por toda a informação e respectiva apreciação, aqui disponibilizada! :)

Lauro António said...

Boa referência. Apetece ir a Londres ver a exposição. Sabe até quando está aberta? Adriano foi uma personalidade muito curiosa (não tanto pela homossexualidade - tantos imperadores o foram! Naquele tempo, tanto na Grécia, como em Roma, quase fazia parte da “educação” do cidadão! Mas deixemos o tema para outra altura, se for caso disso…), mas pela sua visão política do mundo. O romance de Marguerite Yourcenar, que já li há tempos, e deixou marca profunda, é indispensável para conhecer melhor a personagem. A exposição dever ter esse “plus” de procurar “actualizar” a História.
Bom blogue o seu, que apetece visitar regularmente. O que faço, sem grandes comentários, pois acho que comentar por comentar não se justifica. Mas uma vez por outra deve marcar-se a presença e referir a qualidade. Um abraço.

sem-se-ver said...

olhe:

só para dizer que o meu coração

de repente

se encheu.

com a sua música de fundo - reviver o passado em brideshead.

meu deus.

que viagem no tempo.

que série.

que emoção.

tem tudo, esta música de Geoffrey Burgon: força, enlevo, doçura, romantismo e melancolia. muita melancolia.


obrigada.


e parabéns pela escolha.

sem-se-ver said...

(desculpe, nem comentei o post. porque, para ser sincera, nem o li, ainda. vim directa para a caixa de comentários)

J. Maldonado said...

É um dos imperadores romanos pelo qual tenho grande admiração, a qual consolidou-se com a leitura da excelente obra de M. Yourcenar sobre o mesmo.


PS: Gostei deste blog, por isso espero visitá-lo mais vezes.