Sunday, October 05, 2008

decifrar Paula Rego...

(foto retirada da net)

O Centro de Arte Manuel de Brito fica localizado na baixa de Algés. Empenha-se na arte contemporânea mas reside no Palácio dos Anjos, construção do século XIX. A aura de passado que envolve o lugar destoa harmoniosamente com a arte exposta: a colecção Manuel de Brito. Mas foi para visitar a pintora Paula Rego que ali me desloquei este domingo. Em exposição Paula Rego e Anos 80, uma retrospectiva de obras emblemáticas da década de 80, uma mostra que nos enche os domingos, se ao domingo lá formos, como fui e voltarei. Tal como a vida, a evolução de uma obra só faz sentido retrospectivamente. São uns trinta e tal trabalhos cada qual o mais intenso, mais presente, mais aforístico, mais lapidar. Mas essas obras são muitas outras as convocadas; estas “obras dos anos oitenta” vêm de sempre, arrojadas perante o mundo, trementes também. A técnica da artista revela uma relação orgânica tanto mais rica quanto surpreendente pelas obscuras implicações que revela. Seja como for, só quem dança com fantasmas os pode exorcizar e só quem os exorciza pode alcançar a maturidade que, servida por uma mestria invulgar, permite ler as pinturas da enigmática Paula Rego como uma demanda simultaneamente política e pessoal. Não sei se possuo perícia suficiente para abordar este mundo da artista plástica, mas sei que gosto deste génio, ainda que uma vez ou outra me possa sentir angustiado. Ela é uma das artistas mais humanas que ainda vivem, escreveu o historiador Marco Livingstone. O seu trabalho toca muito, mesmo pessoas que não estejam muito por dentro da história da arte ou da arte contemporânea. Sinto-me cativado e envolvido pelas assombrosas narrativas e pelo imaginário por trás dos seus trabalhos. Mas o que se ama nem sempre se consegue interpretar, também é esse o segredo, portanto…

21 comments:

Carlos Faria said...

Vi uma exposição temporária de paula rego na tate gallery há poucos anos e embora não seja um crítico de pintura e menos ainda da contemporânea, tenho de reconhecer que ela mexe com o observador e lhe põe questões, além de ter um modo de expressão sem se submeter a tendências e daí a sua genialidade e a minha admiração, pena que os milhares de mar me impeçam de ir ver os seus quadros novamente.

Violeta said...

Obrigada pela informação.
Gostei da frase:
"Mas o que se ama nem sempre se consegue interpretar, também é esse o segredo..."boa semana

corner said...

decifrar?........... sentir!

Paula Crespo said...

Esta exposição já estava na minha agenda para o próximo fim-de-semana... ;)
A propósito de Paula Rego lembrarei Pessoa: Primeiro estranha-se depois entranha-se
Bjs

SP said...

Caro Luis:

e depois ainda dizes que ficas surpreendido com os comentários que eu deixo no teu sítio.

Porque será???

Repara bem neste teu post!!!

Um abraço grande e a minha admiração!

Vulcano Lover said...

O ano passado falste-me dela, e da sua exposição no Reina Sofia de Madrid. Uma grande retrospectiva da sua obra que não conhecia, mas que cautivou-me imenso.
Agora até falo dela a muitas pessoas...
Obrigado.

sofialisboa said...

Olá desaparecido :)nunca fui muito de paula rego, sobretudo as ultimas fases, sinto arrepio sem saber bem o que sinto, mas gosto tanto desta musica nova. sofia

João Roque said...

A única exposição de Paula Rego vi-a no Museu de Serralves e gostei imenso; vamos ver se dá para ir ver esta...
Abração.

Sílvia said...

Considero a pintura de Paula Rego monumental. É diferente, (é diferente, porque especial – palavras que me lembram alguém…) não se deixando influência por estereótipos de beleza vulgares e banais.
Gosto do rosto da pintora. Tem um olhar português. Não sei dizer em que consiste este olhar, mas é seguramente português. O uso de sombra preta, tal como Amália Rodrigues usava tem um significado. Tem um olhar profundo, muito mesmo. De uma doçura e agressividade intrigante que lhe conferem uma força extraordinária. Por vezes, parece uma criança com toda a simplicidade que coloca nas palavras.
É uma mulher de personalidade vincada. A sua obra perturba.
A pintora tem por hábito colocar os objectos diante dela para posteriormente os recriar…ouvi isso numa entrevista da mesma. Precisa de sentir para (re)criar.
Gostaria de destacar as obras mais recentes dedicadas à "Mutilação Genital Feminina" de 2008 da autora.

Sílvia said...
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Anonymous said...

E eu que moro bem perto de Algés.
Sorte a minha... é como ter um quadro de PR na minha sala.
Está na altura de Portugal fazer de PR o Picasso ou o Clint português.
Não o soubemos ou conseguimos fazer com o Amadeu Sousa Cardoso.
PR tem capacidade, potencial para esse estatuto.

GRITOMUDO

Graduated Fool said...

Não é o tipo de obra que teria em casa mas quando vi a exposição dela em Serralves foi como se tivesse levado um valente porradão. Achei fortíssimo, mexeu tanto comigo e tecnicamente soberbo.

The White Scratcher said...

Ainda me lembro da exposição dela na Tate, já não sei quando foi. Ainda me lembro das pinturas, quadros, poemas, gritos, choros e não sei que mais ela traça com as mãos. Seja tinta, óleo ou pastel, consegue passar para a tela uma vida de emoções, parecem telas vividas e vivas. Adoro. Escolhi viver numa casa pombalina para poder sentir todos os dias estas vivências a minha volta. A sua abstracção e o seu imaginário fazem dela umas das minhas artistas preferidas.

Mié said...

Uma visão interessante e sensível de Paula Rego.

..."só quem dança com fantasmas os pode exorcizar e só quem os exorciza pode alcançar a maturidade"

É isso...

Paula Rego é uma artista Maior!

um beijo

(é a primeira vez que deixo um comentário, mas não é a primeira vez que aqui venho beber. Obrigada)

Joana said...

O seu blog é surpreendente. Parabéns.

Será que me poderia dizer como é que pôs o seu music player a tocar automaticamente quando alguém abre a pagina?

obrigada,

Joana

cirandeira said...

Oi Luís, gostei muito de seu blog. Dei uma "passeada" geral nas postagens.Só sentí falta de algumas imagens do trabalho da Paula Rego, porque ainda não conheço o trabalho dela. Gostaria que vc me enviasse alguma coisa dela, se for possível. Também rabisco alguma coisa sobre pintura.Dê uma olhada em meu blog:
www.giramundo-cirandeira.blogspot.com
Foi um prazer conhecer uma parte sua. Maria do Carmo

cirandeira said...

Oi Luís, estou tentando enviar pra você um endereço de site que é muito interessante. Não sei se conseguirei.
http://almacarioca.com.br/arte070. htm Tente acessá-lo. Acho que vale a pena. "Entre a besta e o homem" existe a Arte, a Criatividade e é ela que "nos salva" ! Os livros são muitos bons, nos ajudam bastante, mas somos os homens que os criamos, que os escrevemos...

Shelyak said...

Fui há tempos ao Porto apenas com a finalidade de ir ao Museu Serralves para ver a exposição de Paula Rego. Fica-se de alguma forma esmagado com o seu trabalho e questionante sobre a sua infância, adolescência e que se adivinha não ter sido fácil...
Abraço

BlueVelvet said...

Já uma vez falámos sobre a Paula Rego a propósito de um post que fiz, lembras-te?
Eu não consegui decifrá-la decerto.
Beijinhos

-JÚLIA MOURA LOPES- said...

eu não gosto doss quadros dela,mas a culpa deve ser minha :-(

Anonymous said...

Tinha 14/15 anos quando, recém chegada de França e da Suiça, contactei e travei conhecimento com os meus primos (meio ingleses) Nicky, Vicky e Carolina, filhos da minha prima Paula, na casa da Ericeira. Foi lá que fiquei deslumbrada com as pinturas da mãe dos meus primos (que tinham sensivelmente a minha idade), no atelier que ela improvisara na Adega da Quinta. Era um espaço imenso, como grandes eram os seus quadros compostos de colagens de personagens de outros quadros e enormes eram as esculpturas que ela fazia questão que povoassem o interior da casa e que convivessem connosco. Foi lá, na casa da Ericeira, que passei dois Verões, com estes meus primos, por lado do meu pai, que aprendi a apreciar a arte, o Duende, da Paula Rego. As conversas que ela tinha comigo sobre cada personagem que habitava as suas composições, eram histórias de pessoas em carne viva com vidas verdadeiras que ela transpunha para a tela. Essas conversas, essa forma de "agarrar" a vida e de a transpôr para os quadros e as esculpturas eram sempre carregadas de grande emoção, fascinação e profundo respeito pela vida real de cada personagem... Tive essa sorte de ter podido contactar de perto com as suas obras de artes antes dela ser mundialmente conhecida, entre 1974 e 1976...