Sábado à noite. Confesso que foi com alguma desconfiança que me sentei na sala vip 3 das Amoreiras para assistir a um
filme que supostamente teria como alicerce uma relação amorosa entre um homem e uma boneca de silicone de tamanho real! Não estava propriamente à espera de uma obra ao nível da programação do
Cine Bolso ou do provecto
Olímpia ou de qualquer perversão de carácter sexual, mas arriscar-me-ia a um produto para o qual não teria muita paciência. Enfim, como não sou propriamente o autor da célebre frase "Nunca tenho dúvidas e raramente me engano" que marcou o quotidiano político-partidário português alguns anos atrás, dei o benefício da dúvida e lá fui conhecer aquele insólito casal. Sensibilidade em forma de filme, é assim que apetece definir esta surpreendente comédia dramática! O filme
indie que poderia muito bem ter derrapado para o terreno inevitável da
one long joke revela-se, afinal, uma história séria sobre a melancolia da solidão e o brilho do optimismo. No cerne está Lars, um homem jovem com sérias dificuldades de interacção social e hiper-sensível a um simples toque. Um ser humano que vive uma sensibilidade permanente, uma sensibilidade física, emocional ou sentimental mas preso no seu próprio mundo. Louco de estar só, acompanhado de muito pouco, decide depois de anos de retraimento rasgar a solidão. Assim sendo, não perde mais tempo e resolve adquirir uma
sex doll via Internet, apresentando-a logo de seguida como sendo a sua namorada Bianca. De início, a perplexidade instala-se na pequena comunidade no norte dos EUA onde reside, mas depressa os habitantes decidem aprovar esta singular idiossincrasia e receber aquela peculiar intrusa, integrando-a nas diversas áreas do seu dia-a-dia, assumindo-a como humana. Não há espaço para dúvidas: o mau gosto não mora aqui, o humor é delicado e histrionismos estão de licença de longa duração. Existe um equilíbrio extraordinário entre as doses de comédia e de drama, convenientemente sustentado por um conjunto de interpretações que se encontram em perfeita harmonia com os propósitos do filme. O protagonista é admirável na criação de um introvertido avesso a maneirismos que o pudessem etiquetar de alienado ou pervertido. A sinceridade da sua composição chega a ser tocante, fazendo com que se simpatize de imediato com ele. Um filme que nos apazigua com a vida, mesmo que o faça simplesmente durante o curto espaço de tempo em que estamos sentados a olhar para o ecrã.
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Domingo à tarde. Dia Internacional dos Museus. À sombra do romântico jardim das

Amoreiras, face ao Aqueduto, à capela de Nossa Senhora de Monserrate e à Mãe-d’água descobre-se a
Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva. Instalada na antiga Real Fábrica dos Tecidos de Seda, num edifício do século XVIII, restaurado para albergar um museu, a instituição tem por finalidade a divulgação da obra do casal de pintores. Além da sua colecção permanente, que cobre um vasto período da produção dos dois pintores são apresentadas exposições de artistas que com eles partilharam afinidades artísticas ou que com eles conviveram. No âmbito das comemorações do centenário do nascimento de Maria Helena Vieira da Silva – a pintora nasceu em Lisboa em 1908, mas naturalizou-se francesa quando Portugal, debaixo da ditadura salazarista, lhe negou a cidadania depois de ter casado com o húngaro Arpad Szenes, que conheceu em Paris. Sobre eles, dizia Mário Cesariny: “Arpad Szenes e Vieira da Silva são a mais bela história de amor e pintura que jamais conheci” - a Fundação apresenta um monólogo recorrendo às palavras ditas pela própria ao longo da sua vida. O resultado é
Vieira da Silva par elle même, uma peça de teatro, com forte cunho autobiográfico. Escrito e interpretado por Maria José Pascoal e com direcção de Elisa Lisboa este espectáculo recorre apenas às palavras ditas pela pintora ao longo da sua vida. Os quadros amparam a atmosfera aconchegante e intimista que se sente à entrada do auditório. É como invadir o atelier de um artista, destapando num olhar os seus desejos e as suas paixões: além dos quadros, dos pincéis alojados em frascos que se disseminam por cima dos diferentes móveis e vigiam até de dentro das gavetas, há prateleiras com livros e, a um canto, o gira-discos. Ficou-me a arrepiante sensação de que tudo o que foi dito em palco são as opiniões autênticas, ideias, incertezas, dúvidas e questões, que a mulher e a pintora desejou partilhar, a propósito da sua vida e do seu trabalho…