Sunday, October 12, 2008

entre a besta e o homem...


(MAILER, Norman. The Naked and the Dead. New York: Rinehart & Company, 1948. Original black cloth, original dust jacket.)

Os livros são a minha riqueza e a minha ruína, o meu vício, o meu património. Os livros interrompem, importunam, reivindicam, ainda que estejam escondidos nas trevas da estante. E eu pago e venero-os, tenho receio que lhes aconteça alguma coisa. Tenho um seguro sobre o recheio da casa por causa dos livros. Como se alguém estivesse interessado em roubá-los. O receio que um cataclismo danifique pérolas singulares de Tolstoy, Camus, Proust, Montaigne, Stendhal, Joyce, Henry James, T. S. Eliot, Virgínia Woolf, Duras, Yourcenar, Fernanda Botelho, Fiama Hasse Pais Brandão, Miguel Torga ou Lobo Antunes ou mesmo os grandes senhores da dramaturgia, da poesia, da short story, paperbacks e hardcovers avulsos, os clássicos do costume, a reflexão inteligente, livros a que volto, provoca-me uma sensação angustiante. Há livros a rebentar de ternura que se lêem num ápice e são interessantes nessa medida: o diálogo silencioso com o texto a que nos obriga é compulsivo. Depois há obras que solicitam tempo e podem ser superiores precisamente por causa dessa medida: pelo quanto de energia nos exigem, e por tudo o que nela se adquire e se conquista. Tudo isto para dizer que Os Nus e os Mortos (The Naked and the Dead), de Norman Mailer, é agora o meu livro de cabeceira, uma obra que exige tempo. Já o sabia, mesmo antes de me oferecerem. Sabia também que o tempo que este livro requer a um leitor inquieto não se mede em horas de leitura – mede-se em espírito crítico. Escreveu José Cardoso Pires acerca deste livro que “ [estamos perante um fresco de violência, é certo, um fresco da carne violentada, mas onde domina sobretudo o tormento da alma, a razão da consciência]”. Baseado na própria experiência de serviço militar do autor, nas Filipinas, durante a Segunda Guerra Mundial, Os Nus e os Mortos é um retrato perturbador da situação do homem comum quando em combate. Publicado num período em que os Estados Unidos ainda se ensopavam na glória da vitória aliada, alterou em muito a percepção popular da guerra. Dizem alguns especialistas insuspeitos que talvez seja este o melhor romance de guerra alguma vez publicado. Digo eu e ainda não o terminei que é um livro com o qual tenho conversado e que não se confunde com um documentário, uma reportagem, um ensaio sobre guerra. É, sim, com rigor literário, “um conflito entre a besta e o homem que interroga o futuro”. E daqui ergo a taça à boa literatura…

25 comments:

Violeta said...

Luís
Que excelente post. também adoro ler e sem dúvida que sem os livres seria mais pobre de em todos os campos...
Obrigada pela dica.

João Roque said...

Foi um livro que devorei quando tinha os meus 17 anos (e como é grande...). Posteriormente vi o filme, de que também gostei,era de Raoul Walsh.
Abraço amigo.

m said...

Eu sou livro-dependente. Não resisto a entrar numa livraria, folheá-los, senti-los, cheirá-los e melhor... saboreá-los, enquanto os meus olhos percorrem cada página.
Obrigada pela sugestão, de certeza que vou lê-lo, mais dia menos dia! :)

Beijinho

m said...

PS: se quiseres sugestões de livros, no meu blog, no lado direito tem um espacinho chamado ''Nas páginas de...'' onde ponho o nome do livro que estou a ler no momento ;)

Unknown said...

Tenho alguma dificuldade em ler a violência e a crueldade,,,, vivo nela todos os dias.
Serei um fraco que não pode pertencer a este mundo?

Abraço

Carlos Faria said...

Adorei a introdução sobre a tua relação com os livros, parecia que via retratada a minha paixão, embora a elegância do texto mostrasse o teu dom de comunicar por palavras o que te vai na alma. Relativamente ao livro "Os nus e os mortos" não o li e confesso que tenho medo, recordo-me das tormentas que passei ao ler "a oeste nada de novo" quando era jovem e mais recentemente, "the wars" de timothy findley que não deixa de ser uma versão suave sobre a guerra. Os livros de guerra física torturam-me a alma... ou a consciência(?)

casa de passe said...

Ora aqui está o que me vai interessar. Para fugir às beatices lá de casa.

LOULOU
(sem a beata da Nini, sem a Alice, sem o Avô e sem o safado do João)

Joana said...

Na verdade não estava à espera que respondesse ao meu comentário, fico-lhe por isso muito agradecida. Vou aos poucos lendo mais do seu extenso blog e, mais uma vez, tenho que lhe dar os parabéns por trazer à blogosfera algo realmente interessante. Espero que não se importe se eu tirar algumas ideias e links do seu, para o meu ainda bébé blog.

Abraço,
Joana

Ana Paula Sena said...

Também ergo! É um livro soberbo! Li-o há anos, mas julgo que ganharia em o reler agora. Oportuno lembrar, Luís :)

Dele, que eu conheça, é também excelente "O Fantasma de Hitler".

Leituras que exigem concentração e reflexão.

Os livros também são a minha ruína (ou não) :)

Maria Eduarda Colares said...

Ora aí está algo a que ergo sempre a taça! E, a propósito, temos novo Lobo Antunes, não é?
Abraço

Paula Crespo said...

E vivam os escritos de qualidade, apelidados de "literatura", já que os restantes são escritos sim, mas não podem ser assim classificados... existem e admito que tenham o seu espaço, que devam existir, já que, e apesar de tudo, é preferível que as pessoas leiam aquilo que se chama "literatura light" do que não lerem nada. E sempre houve espaço para todos os géneros e continuará a haver. Mas não há nada que se iguale a um bom naco de prosa...

Anonymous said...

Descobri o seu blogg por acaso,já que não sou uma internauta nem experiente enem convicta.Não pude resistir a escrever devido ao tema ser a minha patologia maior.Ler,sonhar ,viajar,sentir nas páginas de um livro todos os sentidos despertos. Comprar, não sem antes me perder dentro da livraria e nem sempre ter tempo de ler o que comprei, apenas o prazer de possuir.
Li esse livro há uns 25 anos, talvez,não era o momento certo.

Vulcano Lover said...

Tenho uma relação muito parecida com a literatura... é por isso que te compreendo.
Boa leitura e boas conclusões :-)

isabel mendes ferreira said...

Contigo. em tudo. Ergo.me. tb.



excelente post!!!!!


de quem sabe ler.



beijo.

Shelyak said...

Sempre que posso, perco-me também nas minhas leituras, não tanto como gostaria.
Nem vou alegar falta de tempo para justificar o meu não maior mergulho neste mundo de cultura. Mas delicio-me quando nele me perco...
Um abraço!

SP said...

As pérolas por companhia.
És tão valioso!!!

Um abraço assim*

Victor Oliveira Mateus said...

"Fazem muita companhia e dão menos trabalho do que um cão", diz o César Monteiro, expoente máximo do "último nihilismo português"...
"há gente que não consegue entender: passo a vida falando com
eles", diz-me uma filósofa que muito admiro... "e este monte que está aqui neste canto, vai para onde?" pergunta-me a minha angolazita, que passa a vida organizando o que eu desorganizo...
Nunca lhes questionei a fidelidde!
Se me mentiram a culpa foi minha:
li mal! Mas temos de ter muito cuidado: a propósito Luis, viu o
convite que está no meu blogue?
Abraço

Lúcia Laborda said...

Oie lindo! Belo post! Como sempre uma boa dica. As vezes sigo seu conselho e vejo que realmente tem razão.
Bom fim de semana! Beijos

Claudia Sousa Dias said...

sugiro "Suite Francesa" de Irène Némirovski.

garanto-lhe que será amor à primeira página.


CSD

Unknown said...

Vim aqui parar, assim, entre o sol de Outono e a curiosidade de ler.
"Nus e Mortos" não li, mas como o que descreve, não será a minha prioridade.
No entanto, li as várias mensagens que aqui vai deixando.
Quando o seu blog fez dois anos escreveu: "Um blog pode ser um pequeno cofre".
Exactamente. Mas continue a deixar-nos entrar nele.
Estou deliciada como aborda os temas, a sua escrita é fluente e cativante, os assuntos muito bem escolhidos.
Desta minha recente chegada à bloggesfera, o seu é um dos melhores com que me deparei.
Até breve.

casa de passe said...

prontos, eu já percebi das outras vezes que aqui espreitei que o senhor é pessoa de grande cultuta e admiro-o por isso. Mas não me sinto à altuara de dizer sobre isto seja o que fôr. Nme mesmo as outras duas...


Alice, a fininha

ps-mas olhe, gosto muito da música, vou ficar a ouvir.

Anonymous said...

“ Os livros são a minha riqueza e a minha ruína, o meu vício, o meu património. “

Comungo desta tua obsessão. Na minha casa há livros espalhados por todos os cantos.

Um abraço:

L.C.

isabel mendes ferreira said...

beijo. em rodapé.


sem conflitos literÁRIOS.


____________________.

Carlos Ramos said...

Parabens pelo teu trabalho de tecelã das letras.
Realmente admirável...

Fernando Pinto said...

No mundo existem tantos livros e a nossa vida é tão curta para os folhear a todos... Já não digo ler!

Abraço