Saturday, January 03, 2009

escrever como quem chora...

(Imagem retirada daqui)

Dá-me a tua mão


Deixa que a minha solidão

prolongue mais a tua

- para aqui os dois de mãos dadas

nas noites estreladas,

a ver os fantasmas a dançar na lua.


Dá-me a tua mão, companheira,

até o Abismo da Ternura Derradeira.
José Gomes Ferreira


Li algures numa antologia de poesia de amor portuguesa que um poema é um composto de relâmpagos de linguagem que nos permite quebrar o vidro fosco do tempo e descrever as cores e a vibração das almas. Acrescenta a pena de Inês Pedrosa que os poemas de amor não acabam nem começam nos versos. Há-os em prosa, indefinidos, como a Missa in Albis, de Maria Velho da Costa, com uma Sara que escrevia: “Deus deu-me o Simão porque quer comer de amor a minha vida.”. Mas há uma melodia exclusiva que só os versos têm, uma melancolia dos dias esvaziados. Talvez por tudo isto o autor de As Palavras Interditas, Eugénio de Andrade tenha confidenciado: “ Às vezes sinto-me tão desesperado que me sento a escrever como quem chora”. Até Alexandre O’Neill respirou em verso a impossibilidade do amor numa nação bloqueada através de “Um Amor Português”. Assim como Vasco Graça Moura parto do princípio de que, sempre ou quase sempre, cada poema de amor seduz por si e vale por si, sem prejuízo das inúmeras relações que, como texto literário, ele possa estabelecer com outros textos, com outras áreas de criação artística e com a nossa própria experiência humana. Seja como for descobri com os artífices das letras que o amor à poesia pode contagiar-se. É apenas essa a intenção deste post.


CONVIDA-ME SÓ PARA JANTAR
Convida-me só para jantar
num restaurante sossegado
numa mesa do canto
e fala devagar
e fala devagar
eu quero comer uma sopa quente
não quero comer mariscos
os mariscos atravancam-me o prato
e estou cansada para os afastar
fala assim devagar
devagar
não é preciso dizeres que sou bonita
mas não me fales de economia e de política
fala assim devagar
devagar
deita-me o vinho devagar
quando o meu copo já estiver vazio.

Estou convalescente
sou convalescente
não é preciso que o percebas
mas por favor não faças força em mim.
Fala, estás-me a dar de jantar
estás-me a pôr recostada à almofada
estás-me a fazer sorrir ao longe
fala assim devagar
devagar
devagar.
Ana Goês

25 comments:

João Roque said...

Este post é também em si, um poema de amor...
Abraço forte.

Lana said...

Lindo!!!
Lindo como o lUis aposto!!
Bom ano Luis!!
1 sorriso mto luminoso
Lana

Tongzhi said...

Um post lindíssimo sobre um tema, também ele, muito belo.
Abraço

BlueVelvet said...

Lindo Luis.
Que bom vir aqui hoje e ler isto.
E é curioso porque através de uma querida amiga, conheci a Ana Goês há umas semanas, e este poema, que adorei.
Às vezes é mesmo isto que precisamos.
Só que alguém fale connosco devagar.
Como tu fazes.
Beijos, beijos e mais beijos

Joaquim Moedas Duarte said...

Belíssimo!

Para ler devagar! Muito devagar!

Vou-me habituando a vir aqui. Vale a pena!

Bom 2009.

Unknown said...

Caro Luís,

as vozes dos poetas apenas refinam o sentir.As palavras que usam são expressões de momentos vivos.
Como seria viver a vida sem eles???
Os exemplos que aqui nos ficam são tão cheios de intensidade.
"Brigados" pela partilha!!!!

Mar Arável said...

Tudo de bom para si

também neste ano

apesar do tempo que faz

Helena Figueiredo said...

Caro Luis,
o seu blog é para mim um lugar de visita habitual.Foi um amigo comum (Luis Costa) que um dia me aconselhou a passar por cá. Nunca tive o atrevimento de comentar tanta beleza, mas hoje, ouso apenas dizer obrigada e desejar um ano muito feliz também para si.

Carlos Faria said...

Objectivo conseguido... ou será que já estava contagiado? gostei imenso desde o início até ao fim.

paulo said...

um relâmpago, uma iluminação, um foto-fátuo, uma epifania... a poesia deve ser contagiosa, se não for não tem qualquer força e não cumpre qualquer missão além de vómito de palavras.

hora tardia said...

...estou aqui.




consigo.



re.encantada e grata.


pela companhia....tb ao piano.

e que tudo continue belo. por aqui. que já é constância-!


beijo LUIS.

jorge vicente said...

como já disseram aqui, este post também é um acto de amor. um poema de amor pelas palavras, pelo que elas significam, pelo que elas dizem (e não dizem).

e, sim, o livro de antónio rebordão navarro vale bem a pena. ele é um dos grandes escritores portugueses.

um grande abraço
jorge

Anonymous said...

E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também.

O. M.

Maria Faia said...

Estimado Amigo Luís,

Há bastante tempo que eu não me "perdia-me" encontrando-me na viagem blogosférica por espaços, casas ou cantinhos de pessoas Amigas, gente de bem que muito me ofertou, ensinou e continua ofertando e ensinando.
Outros ventos me empurraram para afazeres bem diferentes, mas não menos importantes, dando de mim um pouco áqueles que mais precisam, não só de palavras mas, sobretudo de acções, gestos de carinho e compreensão, "lutas" por princípios de liberdade, fraternidade e verdade conducentes a melhores e mais justas comunidades de Homens e Mulheres de Bem, embora nem sempre compreendidadas (propositadamente e, sobretudo por aqueles que tudo e todos pisam, ou querem pisar, em honra do seu interesse privado e egocêntrico).
Mas, porque a saudade dos Amigos é real, o Querubim entreabriu o olhar e lá foi retomando algumas das suas palavras entretanto adormecidas. E, tu estavas lá, desejando-me as Boas Festas que o meu pouco tempo disponível não me deixou levar a todos os meus Amigos.
Mas, como diz o nosso Povo, vale mais tarde do nunca e, assim, aqui estou eu apresentando as minhas desculpas por só agora bater a esta porta Amiga e deixando em sua bela casa, hoje adornada pela beleza inigualável da palavra poética, um grande abraço Amigo, com os meus melhores votos de Felicidades e sucessos, não só para 2009, mas para todos os anos, dias e horas da sua existência.

Maria Faia

Violeta said...

Com uma selecção musical como esta e a poesia que aqui se lê vou mais rica.
Boa noite!

Luís Costa said...

Caro Luís,

como sempre é um prazer passar pelo teu blogue.
E o teu amor à arte fascina-me.
E direi que o teu blogue não só é fascinante mas
também pedagógico. Aqui aprende-se como se
deve ver a arte. E o que é que aprendemos?
Que o amor é o grande segredo. Só quem ama a arte
é que a pode compreender...

***

A meu ver, escrever poesia é um acto ontológico –
o poeta autêntico não só escreve como quem chora,
mas até com o seu próprio sangue... O acto poético
é um mergulho visceral, acto de entrega e amor total.
Todos os poemas, falando ou não de amor,
são poemas de amor: O amor do poeta pela palavra,
o amor do poeta pelo leitor... e, o mais importante,
o amor que se cria entre o poema e o leitor.

***

E aproveito ainda para te convidar a leres um texto,
quase um ensaio, que inseri no meu blogue com
o título:

“ Sobre o Poeta Autêntico ( uma tentativa ).”

Um abraço:

L.C.

Unknown said...

LI... e fui iluminado por um composto de relâmpagos de linguagem...

Mel de Carvalho said...

há sempre um poema no inverso da letra,
um grito de alerta
um aparo que escreve com gotas de sangue...

há sempre
incessantemente
no sempre que morre
alguém quem chamámos de amigo. perdido.

o poeta é o rio e ponte
ou
tão só, da miséria humana,
subterrâneo abrigo.

***
Luís, desculpa, foi o que me saiu.
hoje vim aqui para, em dia de Reis te formular os meus sinceros de que, neste ano de 2009, se realizem os teus desejos.

por mim, apenas um desejo: PAZ, PAZ para o mundo.

beijo fraterno
Mel

casa de passe said...

"cómo duermen las gitanas?”

besos

LouLou

casa de passe said...

"cómo duermen las gitanas?”

besos

LouLou

Ka said...

Belíssimo post sobre a poesia!

Os teus posts fazem-nos sempre enriquecer...

Beijinho e bom ano!

m said...

Belo!
Beijinho

Vulcano Lover said...

amor e palavras, mistura oscura e deliciosa...

Anonymous said...

Lindos poemas...(desconhecia a Ana Goês).
Caro Amigo, continue "nesta onda" pois é o único alimento para a alma que nos resta neste tempo de incertezas e angústias existenciais...ando a reler o "livro do desassossego" de FP e recomendo-o vivamente, pois tudo o que por ali foi dito e escrito pelo Grande Poeta está actual...
Beijos
Lucy

Filoxera said...

Só coisas boas, aqui.
Há que valorizar a vida.
Beijos.