Não me lembro quando li pela primeira vez este poema de Witolda Simborka, polaca, poeta e Prémio Nobel. Mas recordo que imediatamente tive suficiente consciência da sua grandeza para saber que não merecia vir a ser esquecido no esquecimento de outros poemas. Trata-se de um texto construído com a suprema mestria que me perturba:
O terrorista
A bomba rebentará no bar às treze horas
[e vinte minutos.
São apenas neste momento treze e dezasseis.
Haverá quem tinha tempo de sair.
E de entrar
O terrorista ele mesmo, já está
[no outro lado da rua
A distância mantém-no livre de perigo,
E, além disso, que espectáculo!
[Como no cinema.
A mulher de blusão amarelo entra
O homem de óculos escuros, sai.
Os rapazes de jeans conversam
Treze horas e dezassete minutos
[e quatro segundos.
O mais baixo, o sortudo, monta a sua mota.
O mais alto, entra.
Treze horas dezassete minutos
[e quatro segundos.
Chega a rapariga com uma fita verde
[nos cabelos.
Simplesmente passa um autocarro
[e ela desaparece]
Treze e dezoito
Que é feito dela
Entrou, a idiota, talvez não,
Logo se verá quando se recolherem
[os cadáveres.
Treze e dezanove
Mais ninguém entra
Há apenas um gordo careca que sai
Mas parece que vasculha os bolsos e
A dez segundos das treze e vinte
Entra de novo à procura
[de umas luvas miseráveis.
São treze e vinte
Como se arrasta o tempo
Deve ser agora
Não, ainda não
É agora,
A bomba explode.
Entregam-me o dossier de imprensa e leio que a Índia sofreu um novo atentado bombista, uma semana depois da violenta acção radical islâmica em Bombaim, que durou três dias e fez 200 mortos; que Christian Klar, rosto dos Baader Meinhof e que esteve por detrás da onda de assassínios que abalou a RFA, deixou a prisão, para temor de muitos alemães; que sete militantes islamitas, um dos quais um saudita membro da Al-Qaeda e suspeito de ter participado nos atentados de 7 de Julho de 2005 em Londres, foram detidos no Paquistão; que até o Governo português admite que a ameaça terrorista em países europeus, entre eles Portugal, é para levar a sério; que o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, acusa Israel de tentar "aniquilar" o povo palestiniano na Faixa de Gaza ao recusar pôr fim à ofensiva contra o território; que Israel bombardeia prédio da ONU e hospital. Estes e outros excertos trazem-me à memória o poema de Witolda Simborka, que descreve a insustentável leveza do terror, o acaso escolhendo as suas vítimas. Embora mais longínquos no tempo vêm-me à memória horrores como a coreografia das mãos de um homem bomba que alvejou Bhutto no pescoço e no peito, e em seguida, se explodiu próximo ao veículo, provocando ao acaso a morte súbita de cerca de 20 pessoas que nada tinham a ver com o assunto; recordo Daniel Pearl jornalista do The Wall Street Journal raptado, assassinado e retalhado por um grupo de terroristas em Karachi, quando estava com a mulher, grávida, que por acaso nada tinha a ver com aquilo mas que se finou por dentro e que Sérgio Vieira de Mello, diplomata brasileiro, funcionário da Organização das Nações Unidas morreu num atentado terrorista à sede local da ONU em Bagdad, juntamente com outros 21 membros – ao acaso – da sua equipa. E mais relembro, ETA, IRA, trágicos acontecimentos em Nova Iorque, Madrid, o 11 de Setembro e o 11 de Março …, e vem-me, ainda, à memória muitos que morreram em atentados sem que lhes tivessem perguntado se alguma vez foram felizes e que expiraram simplesmente pelo facto de se encontrarem no sitio errado, à hora errada. Como se a morte, a exterminação assim, a violência repentina, chão criminoso, sem nexo, fosse meramente o corolário do acaso. O mais baixo, o sortudo, monta a sua moto e safa-se, sem que disso tenha consciência; o desgraçado internado nos cuidados intensivos é surpreendido por uma bomba, nem um murmúrio, um soluço; a criança na Faixa de Gaza fica sem mãe, talvez mesmo sem ninguém, mas o mais baixo, o sortudo, monta a sua moto e safa-se. O jovem empregado do bar morre sem sequer saber porquê, e porque nem reposta há para tal barbaridade, pelo menos decente, mas o mais baixo, o sortudo, monta a sua moto e safa-se. E, claro, tudo em nome dos direitos humanos, da salvaguarda da paz ameaçada e da fé. Da releitura do poema resultam para mim mais perguntas do que respostas, mais perplexidades do que certezas. E, assim, a poesia é porventura a mais verosímil e a mais verdadeira de todas as teses.
O terrorista
A bomba rebentará no bar às treze horas
[e vinte minutos.
São apenas neste momento treze e dezasseis.
Haverá quem tinha tempo de sair.
E de entrar
O terrorista ele mesmo, já está
[no outro lado da rua
A distância mantém-no livre de perigo,
E, além disso, que espectáculo!
[Como no cinema.
A mulher de blusão amarelo entra
O homem de óculos escuros, sai.
Os rapazes de jeans conversam
Treze horas e dezassete minutos
[e quatro segundos.
O mais baixo, o sortudo, monta a sua mota.
O mais alto, entra.
Treze horas dezassete minutos
[e quatro segundos.
Chega a rapariga com uma fita verde
[nos cabelos.
Simplesmente passa um autocarro
[e ela desaparece]
Treze e dezoito
Que é feito dela
Entrou, a idiota, talvez não,
Logo se verá quando se recolherem
[os cadáveres.
Treze e dezanove
Mais ninguém entra
Há apenas um gordo careca que sai
Mas parece que vasculha os bolsos e
A dez segundos das treze e vinte
Entra de novo à procura
[de umas luvas miseráveis.
São treze e vinte
Como se arrasta o tempo
Deve ser agora
Não, ainda não
É agora,
A bomba explode.
Entregam-me o dossier de imprensa e leio que a Índia sofreu um novo atentado bombista, uma semana depois da violenta acção radical islâmica em Bombaim, que durou três dias e fez 200 mortos; que Christian Klar, rosto dos Baader Meinhof e que esteve por detrás da onda de assassínios que abalou a RFA, deixou a prisão, para temor de muitos alemães; que sete militantes islamitas, um dos quais um saudita membro da Al-Qaeda e suspeito de ter participado nos atentados de 7 de Julho de 2005 em Londres, foram detidos no Paquistão; que até o Governo português admite que a ameaça terrorista em países europeus, entre eles Portugal, é para levar a sério; que o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, acusa Israel de tentar "aniquilar" o povo palestiniano na Faixa de Gaza ao recusar pôr fim à ofensiva contra o território; que Israel bombardeia prédio da ONU e hospital. Estes e outros excertos trazem-me à memória o poema de Witolda Simborka, que descreve a insustentável leveza do terror, o acaso escolhendo as suas vítimas. Embora mais longínquos no tempo vêm-me à memória horrores como a coreografia das mãos de um homem bomba que alvejou Bhutto no pescoço e no peito, e em seguida, se explodiu próximo ao veículo, provocando ao acaso a morte súbita de cerca de 20 pessoas que nada tinham a ver com o assunto; recordo Daniel Pearl jornalista do The Wall Street Journal raptado, assassinado e retalhado por um grupo de terroristas em Karachi, quando estava com a mulher, grávida, que por acaso nada tinha a ver com aquilo mas que se finou por dentro e que Sérgio Vieira de Mello, diplomata brasileiro, funcionário da Organização das Nações Unidas morreu num atentado terrorista à sede local da ONU em Bagdad, juntamente com outros 21 membros – ao acaso – da sua equipa. E mais relembro, ETA, IRA, trágicos acontecimentos em Nova Iorque, Madrid, o 11 de Setembro e o 11 de Março …, e vem-me, ainda, à memória muitos que morreram em atentados sem que lhes tivessem perguntado se alguma vez foram felizes e que expiraram simplesmente pelo facto de se encontrarem no sitio errado, à hora errada. Como se a morte, a exterminação assim, a violência repentina, chão criminoso, sem nexo, fosse meramente o corolário do acaso. O mais baixo, o sortudo, monta a sua moto e safa-se, sem que disso tenha consciência; o desgraçado internado nos cuidados intensivos é surpreendido por uma bomba, nem um murmúrio, um soluço; a criança na Faixa de Gaza fica sem mãe, talvez mesmo sem ninguém, mas o mais baixo, o sortudo, monta a sua moto e safa-se. O jovem empregado do bar morre sem sequer saber porquê, e porque nem reposta há para tal barbaridade, pelo menos decente, mas o mais baixo, o sortudo, monta a sua moto e safa-se. E, claro, tudo em nome dos direitos humanos, da salvaguarda da paz ameaçada e da fé. Da releitura do poema resultam para mim mais perguntas do que respostas, mais perplexidades do que certezas. E, assim, a poesia é porventura a mais verosímil e a mais verdadeira de todas as teses.
23 comments:
Leitora fiel, embora pouco "comentadora", aqui deixo um abraço.
Este poema é quase "hitchcockiano"...mas tão real.
Como se concebe que a troco de convicções religiosas, políticas ou de anómalas maneiras de ser e viver, tanto inocente seja vitimizado?
O mundo, por vezes, é demasiado cruel; ainda agora se faz eco de um acto tresloucado de um jovem, na Bélgica, ao entrar numa creche e começar a esfaquear quem encontrava; meu Deus, para onde caminhamos nós?
Abraço amigo.
A loucura e a nossa sábia razão caminham lado a lado. Aliás, é outra forma de lógica, a primeira, a insensibilidade que mais se sente.
Tal como a poesia... todos as temos, depende do uso que lhe damos.
AbraçoGrande, Luís
És muito bonito de se ler. E concordo com TUDO. Mas deixa-me destoar nos comentários: "Entregam-me o dossier de imprensa"... finíssimo ;)
Grande abraço autêntico
Daniel
corri ... desci... por aqui.
escapando à notícia da violência que sei, que abomino que me magoa sempre......... descobri q tb
existe para ti o L+Arte e o Le monde de la Musique....
Ao menos comungo contigo nestes bálsamos ...
Soberbo.
Insu...portável.
Brilhante.
Insu...ltuoso.
Comovente.
Ins...uperável.
Beijinhos
Belo este poema, com o horror dentro.
E inexplicável.
Inexplicável?
Beijo
Meu caro Luis,
De vez em quando é preciso lembrar que nem tudo é tão claro e que não há Bons e Maus,como nos querem fazer crer as almas ingénuas (ou muito bem manipuladas pela intoxicação do costume), mas que se calhar são todos muito Maus, os que impunemente matam inocentes (e colocam inocentes a matar). m bom poma, sim.
Luís
confesso que naõ conhecia este poema e arrepiei-me ao lê-lo, tal como o psot, tal como o pensar nas vítimas (inocentes ou não) deste refelxo de ideais que o terorrismo se tornou..
Bom domingo e paz para os que não são afortunados em cada ataque terrorrosta, em cada guerra, em cada accção destas mentes cad avez mais preversas e menos humanas
Nem mais! O porquê de tudo isto, nunca saberemos.
Beijo
Professor indiquei teu blog para o selo "Este blog tem um sabor especial".
-
Passa lá no meu blog e confere!
Saudações diretas do sertão brasileiro.
alguém tem de parar.
compreendo bem tudo o que foi dito.
p.f. vejam também o vídeo http://sic.aeiou.pt/programasinformacao/scripts/VideoPlayer.aspx?ch=jornal%20da%20noite&videoId={01413EBD-DF53-493B-92FF-3C9D6D0C750C}
GRITOMUDO
Este poema doeu, o texto doeu, o post doeu e volto a olhar o mundo e dói-me novamente... mas confuso já estava
a poesia é delatora quando verdadeira. e arma. e a tua escrita tb.
forte o meu abraço.
Luis.
querido Luís,
brutal este mundo. neste medo. o poema é muito bom e o teu texto fez-me apertar os dedos contra a ironia básica do destino imerecido dos que morrem sem saber porquê.
em nome de poderes ocultos,não escapa nada.
um enorme beijo
Caro Luís,
Impressivo este poema. Nele, o horror quantifica-se no tempo e no espaço.Mas seca-nos a garganta o soluço que fica por todos os que habitam a cena.
Mais um post que nos atinge em cheio!!!!
Um poema perturbador e horrível, mas ao mesmo tempo belo... O esplendor da destruição...
A poesia, Luís, só a poesia é capaz disto.
L.C.
Que poema magnífico!
Abraços d´ASSIMETRIA
DO PERFEITO
Desconcertador. Uma abordagem inédita, acredito, a respeito de um tema que habitualmente não frequenta a poesia. Bela garimpagem, amigo Luís!
Um abraço e feliz 2009!
A poesia sim
no cerne de tudo
apenas incomoda
pelo simples facto
de não resolver problemas
mas questionar
Abraço amigo
Eu não queria ser intrometido mas gostaria, como visitante deste blog, de saber a sua opinião sobre as notícias de esgoto que enchem os jornais nestes dias que estamos vivendo em Portugal. Um bom fim de semana - MILENA
Para a Milena posso deixar aqui alguma coisa interessante se o proprietário do blog assim quiser:De realçar ontem na RTP N a entrevista a Proença de Carvalho onde ele lucidamente e de uma forma sucinta aponta precisamente este e outros factos.
Considerou ser incrivel numa investigação jornalistica não haver referência ao caso que esteve na origem disto tudo, tendo o mesmo sido julgado e cuja maior parte dos seus intervenientes continuam a "andar por aí".
Fez tambem referência a um grupo de comunicação que utiliza os seus diversos títulos para continuar a alimentar a campanha, revezando-se à vez e a conta-gotas
numa estafeta de "manipulação informativa" até às eleições.
Oscar
O horror é sempre insustentável. A imagem é demasiado forte, mas infelizmente o nosso mundo é mesmo assim.
Um grande abraço.
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