Saturday, April 04, 2009

quando da minha noite eu te contemplo...

(Jorge Molder, Nox)

O coração agitado batia como um louco num tambor, tão carregado de desejo. Deitei-me mas de olhos bem abertos. Não demorei a verificar que se entranhavam dentro do quarto daquele hotel de abstinência uns ténues reflexos, como se trouxessem notícias de algures. Soergui-me e olhei para a janela. Tempestade – suspeitei –, naquele Outono, em finais de Setembro; mas distante, pois nem se ouviam os trovões, somente se iluminavam no céu e a cada instante: não só se acendiam como tremiam como a asa de um pássaro semimorto. Levantei-me, fui ao terraço e lá fiquei até de manhã, imóvel, de vigia…Os relâmpagos rodopiavam como fantasmas em delírio, não paravam um momento que fosse, como se tudo, os sinais do horizonte e do céu, fosse retocado a aguarela. Contemplava a ilha silenciosa, a encenação pardacenta do jardim, as frontarias enrugadas dos edifícios que igualmente pareciam estremecer a cada frágil lampejo…Olhava com tão profundo sentimento e não conseguia desviar os olhos – aqueles clarões pareciam harmonizar-se com os impulsos calados e intensos que se incendiavam por mim. Rompia o dia, a madrugada assomava em manchas vermelhas. Com o nascer do sol os relâmpagos iam desmaiando, consumidos pela luz do novo dia…

Mas os relâmpagos dentro de mim teimavam em permanecer; a imagem de Margarida, continuava, triunfante, sobre a minha alma, como se dançasse ao som de um violino. Só que também ela, a imagem, parecia querer voar: como um cisne branco que, ao esvoaçar, se aparta do pântano. E eu, ao adormecer, com as lágrimas banhando-me o rosto, suspirando na cama, abracei-a com a sensação de despedida…

O primeiro amor. Nem um murmúrio, nem um pensamento, nem o olhar, nem o beijo hei-de algum dia esquecer.

Onde estás agora? Onde estás, Margarida?
Luís Galego

14 comments:

João Roque said...

Como sempre, amigo Luís, um texto extremamente bem escrito e delineado; não sei porquê, talvez pela descrição da tempestade nocturna, parecia estar a assistir a uma cena do "Monte dos Vendavais"...
Abraço amigo.

cirandeira said...

"Quando da minha noite" te leio, emociono-me às lágrimas!
Sem mais palavras...!
Um grande abraço.

lusibero said...

Caro Dr.e ilustre amigo:por que não assumir ,com gosto, o seu contacto comigo?Obrigada por perder um pouco do seu-imagino!-precioso tempo, comigo.
Vou responder-lhe ,de modo especial, no meu blog...Acho que isso não deve ser só nosso, essa cumplicidade na escrita. Portugal precisa de escritores do seu teor!
Eu amo a poesia que leio e que escrevo...mesmo que ninguém a publique!Confio que, um destes dias, sem o Dr contar, a responsabilidade de uma publicação lhe bata à porta...
Abraço amigo

AnaLee said...

Vale a pena esperar uma semana entre cada texto do infinito.
Lembrei-me do meu primeiro amor, aquele que ainda há cheiros que o conseguem evocar.
Agradeço o facto de partilhar connosco este seu fantástico talento!

Violeta said...

Escreves tão bem luís...
quanto ao texto, há amortes assim que não sevesquecem, a vida continua, mas cada pormenor fica para sempre entranhado em nós.
bom fim de semana.

Daniel C.da Silva said...

"(...) a imagem de Margarida, continuava, triunfante, sobre a minha alma, como se dançasse ao som de um violino. (...)O primeiro amor. Nem um murmúrio, nem um pensamento, nem o olhar, nem o beijo hei-de algum dia esquecer."


Sabes, Luis, penso que já o disse, que a tua ficção aos pedaços, embora nos deleite (e muito) nao seria impeditiva de um romance. A tua escrita é, de facto, cativante.

Aquele abraço

Onde estás agora? Onde estás, Margarida?

Mar Arável said...

Todas as Margaridas

existem

na asa que voa

Delicioso texto como sempre

Maria P. said...

Excelente.

Beijinho*

Helena Figueiredo said...

Dizem que quando começamos a recordar, é sinal de que estamos velhos.
Nada mais falso.
É sinal sim, que a nossa capacidade de amar se encontra proporcional à idade.
Saudações.

Dr.do absurdo said...

Muito bom texto, aliás tu escreves muito bem!

abraço

Maria said...

Se te leio quase sempre em silêncio e sem deixar rasto, porque abri a caixa de comentários se tão pouco posso dizer?
É mais um belíssimo texto teu...
Obrigada, Luís.

Um beijo

Vulcano Lover said...

Margarida continua connosco, até o fim, até nós darmos por isso que o amor, após tanta procura, era apenas isso...

:-)

Maria Faia said...

Luis,

Hoje venho desejar-te uma Páscoa Feliz, com muita Luz e muito Amor que irradiem por todos os dias da tua vida.

Um abraço Amigo,
Maria Faia

Je Vois La Vie en Vert said...

Caro amigo,

As palavras que deixaste no meu cantinho e ditas por um escritor de grande qualidade como es tocaram-me imenso.
Posso confidenciar-te que do meu primeiro amor(zinho), poucas lembranças tenho mas do meu grande amor, tenho a felicidade de continuar a amá-lo e ser amada por ele desde há 38 anos !
Tendo deixado os meus votos no meu último post, principalmente a todos os que me visitaram durante o meu "retiro", não quis deixar de vir desejar-te pessoalmente uma Páscoa Feliz !

Beijinhos da

Verdinha