Friday, May 01, 2009

e vou navegando, até quando?

(William Turner, Light and Colour, 1843)
Tardinha, à beira-mar, aguardando pelo ferry-boat, minutos profundos, lentos e calados, olho embriagado através da verde escuridão para a teia de reflexos. Gosto de pensar no poder do sol, da luz, dos lençóis de espuma, das marés e das ondas, do oceano. A elegância do ar, divinamente puro, comove-me. Suspiro e embalo-me no infinito. A brisa transporta carícias vaporosas. A respiração torna-se-me mais solta. O meu coração é confessadamente sensível aos imensos horizontes; às cores penetrantes; ao acre iodado que se ergue das algas e moluscos; à areia branca, com um requinte escultural; mas estremeço particularmente com a verde transparência. Se a minha alma tivesse competência para projectar um reflexo tão brilhante, e tão intensamente belo, pedia aos Deuses que para dele fizessem uso. Mas o mar da Vida não é assim tão límpido, mas estranho e duro. O perigo espreita. Um mar de chamas. Quando sinto uma paixão fervente e louca, exilo-me. E assim na misteriosa tarefa de viver embarco sem saber para onde…
Luís Galego

12 comments:

AnaLee said...

Uma paixão fervente e louca a mim da-me para o contrário, mostro o jogo inteiro, nada de exílios, nada de isolamento!
Belo texto uma vez mais, até já parece mal dizer sempre o mesmo; ou, pelo menos, parece falta de imaginação.

Daniel C.da Silva said...

"Quando sinto uma paixão fervente e louca, exilo-me. E assim na misteriosa tarefa de viver embarco sem saber para onde…"

Ficcionado ou real, muita gente tens inscrito no seu plasma amoroso, este gene. Uma espécie de maldiçao própria, que hipoteca o Viver, porque quem nao ousa nao sucumbe, e quem nao sucumbe, nao cresce.

Há muito que nao via (nao me lembrava) desta tela.

Abraço

cirandeira said...

Não sabes para onde "embarcaste", Luís? Pois digo-te: para outro Universo também divino e maravilhoso que é o das palavras,da
linguagem,da poesia, do sonho,da fantasia e da beleza!Turner jamais imaginou que sua tela seria reproduzida tão belamente sob a forma de palavras.Ampliaste ainda mais a sua beleza, a sua dimensão...Eu também, estou agora sem saber para onde embarcar !?

Maria said...

... para a vida... ?

Um abraço

João Roque said...

"E assim na misteriosa tarefa de viver embarco sem saber para onde…"
Magnifico!
Abraço.

Red Light Special said...

E navegar por rotas inesperadas e quiçá mais difíceis poderá trazer-nos à vida paisagens surpreendentemente belas.
Deixa-te embarcar e fluir...

Tongzhi said...

Nada como o mar, por pano de fundo, para reflectir!

lusibero said...

Não gostaria de deixar comentário sem lhe fazer uma pergunta, Luís, até porque medá a sensação de que posso estar a ser inconveniente:oLuís está zangado comigo, por qualquer coisa que eu tenha dito ou feito?

Maria Faia said...

Belo.
Simplesmente.

Abraço amigo,
Maria Faia

lusibero said...

Obrigada, Luís, tanto pelo comentário como pelo contacto. Confesso que andava incomodada...
Quanto ao texto, parece-me estar a ler Sophia de Mello Breyner,tal o cheiro a mar,a búzios e a areia fina que se evapora do mesmo!É maravilhosa a Antítese entre as frias águas do mar e os teus sentimentos de turbação interior. Afinal, meu querido amigo, seres racionais que somos ,perturbamos a nossa emotividade com as perenes interrogações existenciais...
Beijo amigo da lusibero

Jonice said...

Adoro esse quadro! E as descrições que você fez aqui, tanto do ambiente quanto de seu momento, estão tão bem ilustradas por ele, Luís. E este tipo de exílio... ah... conheço-o também.

Beijo :)

Anonymous said...

Embarcar é uma experiência totalizadora. E sabendo para onde quero ir... tantas vezes «embarco sem saber para onde...» vou!
Eis a beleza da viagem, viver embarcado!