(Pablo Picasso, Death of Casagemas, 1901)
Não o conhecia, mas alguma coisa me doía
“Dás-me lume?” – assediou-me a velha prostituta
Transporte-me pelas suites mais belas de Lisboa
até se abrir a manhã e se apagarem as estrelas
e talvez a noite possa cicatrizar à toa
Não sabia o que queria
mas sentia que aquele jovem homem merecia
uma poesia.
Luís Galego
Num canto de rua vi um homem jovem morto nu
Prostrava-se ali como uma bofetada aos desconhecidos
que rasgavam da noite com excitação no corpo
e música nos ouvidos
Há quanto tempo permaneceria ali
naquele chão sem intimidade?
Não o agasalhava o afecto de uma mãe
nem umas mãos para acariciar uns cabelos soltos
onde se reflectiam as luzes de uma Lisboa que dormia
Tiraram-lhe o direito à vida
e ele estendido no canto da rua
quando há instantes ainda o relógio no seu pulso sentia o arrepio das vibrações
Apenas uma carne cheia de nada, uma existência violada
Quem seria? Que passado exibiria?
Que coração teria?
Que diário encerraria a intimidade deste que ali morria?
Que pensamentos tivera, que segredos levaria?
Amaria? Por quem estremeceria? Para onde ia?
Fora feliz? Almejaria mudar o mundo?
Transformaria a sua vida no dia seguinte?
Fora menino ali onde com um nó na garganta o quase chorei?
Teria soluções para enigmas emocionais?
Seria um bom ser humano? Indivíduo de palavra?
Uma alma carregada de poemas?
Quem temeria a sua ausência?
Quem verteria lágrimas de amor ao saber?
Que diriam as suas linhas da mão?
[Por que morreu?]
Mas já naquele momento o rosto lhe cobriam
pois não vislumbraria com o seu desaparecido olhar o céu
Era tão só a mais amarga escuridão
como se trovoasse de repente
em pleno Verão
No ar nem um soluço, nem comoção, mas estranhos, sanguessugas
Prostrava-se ali como uma bofetada aos desconhecidos
que rasgavam da noite com excitação no corpo
e música nos ouvidos
Há quanto tempo permaneceria ali
naquele chão sem intimidade?
Não o agasalhava o afecto de uma mãe
nem umas mãos para acariciar uns cabelos soltos
onde se reflectiam as luzes de uma Lisboa que dormia
Tiraram-lhe o direito à vida
e ele estendido no canto da rua
quando há instantes ainda o relógio no seu pulso sentia o arrepio das vibrações
Apenas uma carne cheia de nada, uma existência violada
Quem seria? Que passado exibiria?
Que coração teria?
Que diário encerraria a intimidade deste que ali morria?
Que pensamentos tivera, que segredos levaria?
Amaria? Por quem estremeceria? Para onde ia?
Fora feliz? Almejaria mudar o mundo?
Transformaria a sua vida no dia seguinte?
Fora menino ali onde com um nó na garganta o quase chorei?
Teria soluções para enigmas emocionais?
Seria um bom ser humano? Indivíduo de palavra?
Uma alma carregada de poemas?
Quem temeria a sua ausência?
Quem verteria lágrimas de amor ao saber?
Que diriam as suas linhas da mão?
[Por que morreu?]
Mas já naquele momento o rosto lhe cobriam
pois não vislumbraria com o seu desaparecido olhar o céu
Era tão só a mais amarga escuridão
como se trovoasse de repente
em pleno Verão
No ar nem um soluço, nem comoção, mas estranhos, sanguessugas
e um INEM tardio
para alguém que como cama só teria um chão frio
para alguém que como cama só teria um chão frio
Não o conhecia, mas alguma coisa me doía
“Dás-me lume?” – assediou-me a velha prostituta
Transporte-me pelas suites mais belas de Lisboa
até se abrir a manhã e se apagarem as estrelas
e talvez a noite possa cicatrizar à toa
Não sabia o que queria
mas sentia que aquele jovem homem merecia
uma poesia.
Luís Galego
14 comments:
O quotidiano. Em grito. Aflito...
Adoro ler este blog.
F.Leitao
Todos os jovens que morrem merecem uma poesia ,Luís...O mundo é tão lindo com os jovens como esse! Quando a morte os leva, deixando-nos todas as interrogações que te pões ,neste poema sentido, é porque Alguém, lá por "cima", enlouqueceu e não soube merecer a sua juventude. O teu poema lembra-me o de PESSOA, "No plaino abandonado",mais conhecido por "o menino de sua mãe". Se puderes, lê-o ,só para recordar...
"Não o conhecia, mas alguma coisa me doía!"
Doía-te, como me dói amim, a ideia da morte,nossa infeliz, única certeza...
Gosto do entremear dessa morte com a "morte "moral da prostituta que pede lume para o cigarro...A vida continua, mesmo que nas suas formas mais abjectas!
Beijo de lusibero
Comovente!
Não é muito evidente, mas até poderia ser uma imagem literária (bela, como é habitual em ti), para o final do filme que hoje postei...só lá falta a prostituta...
Abraço amigo.
Prostituas e prostibulos sao recorrentes nos teus textos... indicativo de alguma coisa? ;)
Ana P.
Hoje não sei o que dizer. Lido mal com a morte, até a de um estranho, mediada por outro estranho...
Mas tinha que dizer qualquer coisa porque não é possível vir aqui e fazê-lo em silêncio!
Absolutamente, real...
Nada mais!
Infelizmente, há muitos seres que saiem deste mundo completamente abandonados e que a morte deles deixa as pessoas completamente insensiveis.
Ainda hoje, pensei nesta solidão quando cruzei um sem-abrigo com um longa barba cinzenta carregando os seus sacos. Esta miséria perturba-me imenso. Quando ele morrer ninguém dará pela falta dele. Não é triste ?
Bonita homenagem fizeste a esta pessoa ignorada por todos ! É um ser humano que merece respeito !
Parabéns por este sentimento teu de humanidade !
Beijinhos
Verdinha
Olá Luís
Foi um sentido poema, o que aqui li, como sempre sabe bem vir aqui.
Vim dizer olá
bjs
outrora jasmim de um quintal...
todos os Requiem procuram na desmaterialização da vida o prolongar da imortalidade...talvez para provar que afinal, todos somos feitos de humanidade.
A vida encontra-se pelo meio...com todos os seus recantos, mesmo os mais escuros.
Um só jovem morto, mas tantas perguntas, tanto condicional... respostas nenhumas, certezas zero, apenas uma prostituta cuja vida vazia demonstra que o vazio prossegue. Ficou o poema.
é como diz meu caro
a poesia não dorme
mesmo que
apesar
da cidade
e das noites
e que mais poderias fazer que matar-te com ele?
A dor nem sempre tem um rosto conhecido. E há tantos que, sem o saberem, causam a dor de alma em quem os vê mesmo desconhecidos.
É que, no fundo, reconhecemos no outro um semelhante a nós, e por isso sempre nos há-de doer a sua dor.
Mesmo que já tenha passado, doeu-lhe!
Nunca deixe de nos doer!
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