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Wednesday, July 25, 2007

cet amour-là...

Um dia, na sua vida de estudante de província em Caen, Yann apaixona-se por um nome: Marguerite Duras. Devora todos os seus livros. Ama profundamente esse nome de 5 letras: Duras. Em 1975, encontra-a pela primeira vez numa sessão especial de India Song em Caen. Pede-lhe a morada e a partir daí começa a escrever-lhe cartas, às vezes várias por dia. É o início de uma paixão que tem como princípio as palavras. Quando se encontram, no Verão de 80, é como se os dois se conhecessem desde sempre. Uma evidência que apaga tudo: a diferença de idades, o passado de Yann e o seu desejo de pôr termo à vida. Ela nem consegue acreditar que é finalmente a preferida. É maravilhoso e ao mesmo tempo insuportável. Porque sabem que têm o tempo contado. Enquanto se espera pela hora fatídica, vêem-se o mar e as gaivotas em Trouville, comem-se ostras, ouve-se “Capri, c’est fini”...
Sinopse do filme Cet Amour-là

Não tendo tido a possibilidade de ver Cet Amour-lá quando estreou, há muito que ansiava pela edição em DVD.

Para sentir este filme há que conhecer Marguerite Duras através desse meio resistente à fragilidade temporal, a palavra escrita que a definiu e perpetuou, tornando-a uma personalidade universal; para compreender Yann Andréa há que saber o lhe sucedeu a partir da descoberta de Étée Indien num cinema de Caens, a viagem que percorreu através dos livros da escritora, a paixão que ditou as cartas, a coragem para marcar o número telefónico dela, a força para viajar até Cabourg, esperar o sinal para entrar no Roches Noires e enfrentar a vertigem estonteante de viver com aquela mulher singular, numa espiral de amor sem concessões, num exercício de dependência que vai ditar a vida dos dois na década e meia que se segue. Tudo isto ao som de temas como Capri c`est fini de Hervé Villard ou La vie en rose de Piaf.

Duras nascida em 1914 na Indochina, incapaz de se libertar da paixão dupla vivida entre o irmão e o amante chinês, ressuscita através de Moreau, pela notável interpretação da grande dama do cinema francês que a conheceu e com ela privou, transformando este trabalho num acto de amor. Como sucedera com Yann ao dar forma escrita à paixão que o ligara à escritora, cumprindo um desígnio desta quando lhe diz "não tem nada que fazer, só escrever, (...) tem um tema maravilhoso, um tema de ouro, sou eu que lho digo, vá, pare de se armar em parvo, escreva, não vale a pena matar-se, não se faça de imbecil. (...) E então aparece o sorriso. (...) Nesse sorriso de cara toda, da cabeça toda, do espírito todo, do coração todo, poder-se-ia dizer, você diz: o tema sou eu."

Se para Duras o fim da vida está próximo e ela sabe-o pedindo a Yann que saia porque quer "morrer só, como toda a gente", também sabe que já garantiu a imortalidade com a escrita e com "aquele amor" que lhe iluminou o final da vida, ao lado de Yann. E também sabe que não faz sentido o jovem desistir da vida por ela, acompanhando-a numa viagem que para ele ainda não chegou.

A arte mágica que é o cinema produz por vezes filmes fascinantes e CET AMOUR-LÀ é um desses casos. Sinal da grandeza do homem quando recebe uma pérola e decide partilhá-la.

Valeu a pena esperar…

Continuo em ter dificuldade em dizer a palavra. Não conseguia dizer o nome dela. Só escrevê-lo. Nunca conseguí tratá-la por “tu”. Por vezes ela teria gostado. Que eu a tratasse por “tu”, que a chamasse pelo seu nome. Não me saía da boca, não conseguia. (...) E essa impossibilidade de a chamar pelo nome, acho que vem disto: primeiro li o apelido, olhei para o apelido, o nome e o apelido. E esse nome encantou-me imediatamente. Esse pseudónimo literário. Esse apelido emprestado. Esse nome de autor. Esse nome agradava-me simplesmente. Esse nome agrada-me infinitamente (...)
Sou um leitor. O leitor primordial, visto amar todas as palavras, integralmente, sem qualquer contenção. E esse nome de cinco letras, DURAS, amo-o absolutamente. Caiu-me em cima. Nunca mais a deixei e não a consigo deixar. Nunca. E ela também não.

Mantém-me fechado no quarto escuro. Não suporta que qualquer outra pessoa possa ver-me. Quer ser a preferida. A única. De todos. De toda a gente. E eu, do mesmo modo, sou o preferido.
Gostamos um do outro.
Gostamos infinitamente um do outro.
Gostamos um do outro de modo absoluto.

Você morreu a 3 de Março de 1996 às 8 horas e 15, na sua cama, na rua Saint-Benoît. Eu não vim. Deixei-a. Você morreu. Eu não. Eu fiquei cá e estou aqui a escrever-lhe. E isto fá-la rir: mas por quem é que ele se toma, por um escritor, esta agora. Você ri. E diz: não tem mais nada para fazer, só escrever, não interessa o quê, continue, tem um tema maravilhoso, um tema de ouro, sou eu que lho digo, vá, pare de se armar em parvo, escreva, não vale a pena matar-se, não se faça de imbecil.
Qual é o tema.
E então aparece o sorriso. A sua cara torna-se numa cara de criança, uma criança que sabe, que sabe tudo na inocência perfeita de um ser inaudito. Nesse sorriso da cara toda, da cabeça toda, do espírito todo, do coração todo, poder-se-ia dizer, você diz: o tema sou eu.

Se calhar não devia ter dormido, se calhar devia tê-la ouvido mais, estar mais presente, amar mais, nunca o fazemos o suficiente, não podemos imaginar que o último dia está muito próximo, não podemos porque você fala noites a fio, deveríamos, sim, fazer mais, mas o quê, inventar uma espécie de amor ainda maior do que aqueles livros, mas como fazê-lo, como é possível. Certas noites eu queria dormir e dizia-lhe para se ir embora, para ir para o seu quarto, sozinha perante a morte, certas noites já não aguentava mais, mandava-a embora, fazia-o e nunca uma queixa, ia para o seu quarto furiosa à espera de morrer. No dia seguinte voltava.
Estamos sozinhos fechados neste apartamento da rua Saint-Benoît. Esperamos pelo último dia. Só sabemos isso.

Excertos – Aquele Amor, de Yann Andréa, Quetzal Editores
Ver trailer aqui.