Monday, October 30, 2006

Mário Cesariny, surrealismo, pena de morte...

"... na primeira exposição que fizemos, em 1949, resolvemos fazer uma noite dos poetas, num aposento muito engraçado, todo forrado com figuras, que era da Pathé-Baby, ali ao pé da Sé Catedral. Lemos poemas do Victor Brauner, do André Breton, do Antonin Artaud e alguns nossos. Com uma certa encenação. Estilhaçámos uma data de vidros no chão e deitamos tinta. Mas a encenação, grande ou pequena, era só para nós, porque não foi lá ninguém, nem nós queríamos que fosse. Fechámos a porta à chave. E assim continuámos. A imprensa de Lisboa não dedicou uma linha à nossa exposição, mas a do António Pedro e do então Grupo Surrealista de Lisboa causou um escarcéu desgraçado. O António Pedro tinha muitos conhecimentos, assustava muita gente, nós não assustávamos ninguém ...
Nos fizemos uma revolução. Mas acho que implodimos, não explodimos. E andámos a sempre clandestinos por aí. Clandestinos no sentido lato: fazer uma coisa num sítio e desaparecer; depois aparecer noutro e desaparecer ... Até que houve as célebres sessões na Casa do Alentejo, em que fomos dizer ao povo o que era o surrealismo. E o que era o surrealismo? Éramos nós [risos]. Lemos textos, poemas, e uma declaração chamada Afixação Proibida. A assistência gostou muito (...)"

A propósito do Livro em Serigrafia “Timothy McVeigh - O Condenado à Morte”
(...)"Não devia ser permitida, a pena de morte. Neste caso (atentado em Oklahoma, EUA) ele matou 700 pessoas, mas a sociedade não fez mais do que juntar o assassinato de mais uma. Sou contra a pena de morte, mesmo nos casos extremos. Este é um caso extremo, um tipo que mata 700 pessoas, mas depois é preciso perceber o significado da atitude dele. Porque ele é tudo menos um tonto ou um tresloucado que só sabe da sua loucura. Ele diz: ‘Não importa quão grande é o castigo. Não importa qual a porta do inferno que se abre ou não abre’. É um tipo lúcido, enlouquecido com a América do Norte."
(...)”Li na imprensa o que acontece quando matam o desgraçado e fiquei horripilado. Dizia assim: “Se tudo correr bem, a operação demora sete a oito minutos”. Se tudo correr bem… Nem que levasse meia hora, não têm nada de matar o homem. Ele também não devia ter matado 700 pessoas, mas isso já é outro caso, é outro lado. Olho por olho, dente por dente, é a selvajaria. Eu suponho que, por muitas melhoras que haja nos sistemas sociais, políticos e económicos, há-de haver sempre um item de muita escuridão. Faz parte do Homem. Ora, o que há a fazer é lidar o melhor possível com as situações extremas."

[ Não perder in Revista Tabu do Semanário Sol, 7 de Outubro de 2006, entrevista realizada ao escritor pelo jornalista Vladimiro Nunes. Penitencio-me pelo atraso...agradeço ao Blog Almovreve das Petas a lembrança]