António Lobo Antunes entrevistado por Alexandra Lucas Coelho na Pública (cf. na Pública, 29 Outubro de 2006).
Brevíssimos highlights com sublinhados meus e outros emprestados (sem autorização) a Eduardo Pitta (cf. daliteratura.blogspot.com)
[os seus livros] «Ainda agora estava em Estocolmo a falar com um homem da Academia e ele dizia isso: Dizem que os seus livros são polifónicos, mas é sempre a mesma voz.»
«Se tivesse que escolher um escritor só, a seguir a mim, escolhia o Quevedo.»
«Honestamente, se tivesse que escolher um escritor escolhia-me a mim.»
« São dois corpos. Eu um, o livro outro. Dois organismos vivos. O livro começa a correr bem na escrita quando eles se começam a fundir.»
«Eu devia ter começado a publicar só a partir de O Esplendor de Portugal.» [o 12.º romance] ... Porque nos últimos livros tenho vindo a descobrir coisas que não sabia que existiam dentro de mim. Estou cada vez mais autista.»
«A minha cabeça não vai tão fundo como nos livros. E não é a cabeça. É o livro que fica inteligente.»
«Há alturas em que escrevo a chorar, por exemplo. Isto nunca me tinha acontecido nos primeiros livros. E não é de tristeza, é uma alegria enorme. Nunca tinha tido um sentimento assim. Muito mais intenso que um orgasmo. Não acontece todos os dias, mas acontece por momentos, com uma força tremenda. É uma coisa recente, dos últimos três ou quatro livros.»
«Ler, leio. Leio imenso. O problema é que leio cada vez menos ficção, começo logo com vontade de corrigir. E acho muito fraco. No século XIX havia trinta génios a escrever — agora se houver três ou quatro é muito... — Tolstoi, Turgueniev... [...] Podemos continuar, Púshkin... Depois, em Inglaterra, só as Brontë eram três. E se eu tivesse que escolher um romance só, escolhia O Monte dos Vendavais, aquilo não é romance nenhum, é uma coisa... Continuo apaixonado por ela, é uma coisa extraordinária. Depois o Lewis Carroll, e o Dickens, e o Thackeray e o Wilkie Collins, o Hawthorne, o Mellville, o Whitman, a George Elliot, etc, etc. Agora não há, não é?»
«Mas tenho a sensação de que ando a negociar com a morte. Só mais um livro, só mais um livro...»
«Em Jerusalém, a minha sensação era: Afinal é só isto? O Calvário é uma coisa debaixo de uma placa de vidro.»
«Porque descobri [...] que a escolha política é a mesma coisa que a escolha de um clube, é muito mais afectiva do que racional. Se fosse racional, toda a gente pensava da mesma maneira politicamente. Da mesma maneira que se a escolha de um clube fosse racional toda a gente era de um clube [...] Há um homem, por exemplo, do CDS, de quem sou muito amigo. Não o vejo há muitos anos mas continuo a ter por ele a mesma ternura e o mesmo amor, o Ribeiro e Castro. É muito inteligente, muito sensível, profundamente tolerante, ao contrário do que parece, democrata no mais nobre sentido da palavra, um homem que tive o privilégio de conhecer e de quem fiquei a gostar muito até hoje. Aquilo que ele pensa politicamente não é o que eu penso, mas essas escolhas não são racionais. Uma pessoa não é de direita porque chegou à conclusão que. É como os comunistas, aí entramos na matéria de fé. Não entendo como é que se pode ser comunista. Racionalmente, não entendo como é que se pode pertencer àquele fóssil que ainda continua a respirar de vez em quando. Mas isso é inevitável em qualquer partido. Todos os partidos são obviamente reaccionários, no sentido em que têm de ser conservadores, se não deixavam de existir.»
«Conheço o Mário Soares, obviamente, que é talvez o homem com mais charme que já vi na vida.»
«O problema do nosso sindicalismo é que, ao contrário do americano, está muito ligado aos partidos. A CGTP está demasiado ligada ao partido comunista, e aquilo é tão ingénuo, tão primário. E depois não oferecem alternativas. Eu se fosse dirigente sindical nunca reagiria assim. Porque os argumentos não colhem. Continuar a ouvir falar nas conquistas de Abril? Por amor de Deus...»
«É de uma ambição desmedida — pôr um autista a falar. Como é que vou fazer? Até porque não quero repetir a primeira parte de O Som e a Fúria [de William Faulkner].»
«... fui falar com travestis e não me serviu para nada. Nunca entrei numa discoteca. Os mundos do travestismo, da droga, são-me completamente desconhecidos. Inventei tudo.»
[o próximo livro] «O Meu Nome É Legião é ocupado por um bando de miúdos delinquentes entre os 13 e os 18 anos, daqueles miúdos negros que nasceram em Portugal, que não são bem portugueses nem africanos. A voz é essa, são eles. Foi completamente inesperado. Nunca pensei escrever um livro com um bando de miúdos que roubam carros, roubam pessoas...»
Uma noite ninguém dorme, e durante a meia-noite a as cinco da manhã, as pessoas sonham acordadas no sono: contam e inventam as suas vidas e as suas histórias, ou as histórias em que transformam as suas vidas, ou as vidas que transformaram em histórias. Podem ser vidas cruéis, de medo, de uma cicatriz interior, de algo que talvez fosse o Estado português de outros tempos. Podem ser vidas de amores passados, de lápides varridas, de um desejo de uma vida inteira, de se poder ser feliz sem pensar. Nestas histórias, nestes silêncios destas falas, nos risos e nas traições, vamos identificando a noite de um país, a noite cheia de vozes de todos nós, e a noite silenciosa que é o isolamento de cada um. Como diz o autor - “porque aquilo que escrevo poder ler-se no escuro”.
Ontem não te vi em Babilónia, 2006
Ontem não te vi em Babilónia, 2006
1 comment:
A primeira ( e única) vez que tomei consciência da existência/li algo sobre Antônio Lobo foi numa revista literária brasileira, num artigo sobre Saramago e outros grandes autores da língua. Minha ignorância sobre o autor continua cavalar, mas este post já é um bom remédio. Gostei do que li.
Abraço!
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