Saturday, March 10, 2007

um quarto que seja seu...


Ontem, aproveitando a hora de almoço, dei por mim numa feira do livro barato, num stand junto à igreja da Avenida de Berna. Deparei com algumas pérolas (usadas) da literatura, entre as quais A room of one’s own, de Virgínia Woolf (prefacio de Isabel Barreno). UM QUARTO QUE SEJA SEU nasceu de duas prelecções feitas por Virgínia Woolf mas universidades femininas de Newnham e Girton, em Cambridge. O tema resume-se aos efeitos que as condições de vida das mulheres têm sobre o que escrevem – a sua sujeição intelectual. Contudo, esta obra, plena de subtileza e espírito, é muito mais do que um ensaio sobre as mulheres e a ficção; trata-se de uma construção arquitectónica de ideias de todo o género, habilidosamente dispostas como ilustração do tema central. Quanta vida, literatura e convicção existem nas páginas deste livro! Li-o à noitinha já em casa e com o Mezzo como pano de fumo e deliciei-me com esta mulher que infelizmente sentindo-se incapaz de controlar a vida, preferiu a morte, afogando-se num rio com os bolsos repletos de pedras. E no entanto, aparentemente, ela desfrutava das condições que considerava essenciais para uma mulher se afirmar como escritora, advogadas neste ensaio que adquiri por 7 euros. – dispor de espaço, físico e psicológico e de dinheiro suficiente para se bastar a si própria. Inserindo-se na impressionante cadeia de mulheres inglesas, nascidas a partir de 1800, que produziram literatura, a obra de Virgínia é sempre classificada como sendo das mais inovadoras e estimulantes, quer entre as mulheres autoras, quer entre o conjunto dos criadores de ambos os sexos. Reconhecida em vida, apoiada pelo seu marido, igualmente escritor, Leonard Woolf, Virginia produziu nove romances, duas biografias, sete volumes de ensaios, vinte e seis cadernos de diários e um sem número de cartas. Nasceu numa família que estimulou os seus talentos mas teria sido objecto, na infância, de abuso sexual por parte dos seus meio-irmãos mais velhos. Estas circunstâncias, aliadas a lutos familiares (a mãe morreu quando ela tinha 13 anos) e aos horrores de duas guerras mundiais, têm servido aos seus numerosos biógrafos e estudiosos para explicar as muitas depressões de que sofreu e as tentativas de suicídio que realizou até ao encontro definitivo com a morte. Os violentos tratamentos médicos a que foi submetida num hospital para “mulheres loucas”, que passavam por absoluto isolamento, proibição de qualquer actividade, incluindo a leitura e a escrita, com o conluio bem intencionado do marido e da irmã, também teriam tido efeitos nefastos. O marido decidiu no início do casamento, aparentemente harmonioso, que ela não tinha resistência para ser mãe, o que a escritora sentiu como uma fragilização da sua identidade. Neste quadro se situam as suas reflexões sobre a condição feminina publicadas em 1929, onde nos conduz eruditamente de ideia em ideia, com lógica, com aparente leveza, com ironia. Inventa uma irmã para Shakespeare, a qual nunca poderia ter sido escritora pelo mero facto de ser mulher. Verbaliza com 50 anos de antecedência muitas das questões retomadas no final do século XX e até ao presente. Valeu a pena ter-me "perdido" à hora de almoço e ter encontrado o tal quarto que Virgínia achava indispensável à criação. Afinal, porque teriam medo de Virgínia Woolf?

8 comments:

Telejornalismo Fabico said...

*



a figura paterna também é muito mal explicada na vida dela: excessivamente forte, mas ausente; rígido, mas sedutor. e o grande pensador erudito.

cada livro que ela escreveu é um deleite, mas To The Light House e Orlando são leituras que releio incessantemente.

imagino o que ela teria produzido na maduridade plena, se a quietute e profundidade das águas não a tivessem seduzido.



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Anonymous said...

Um crónica deveras interessante, que me lembra um pouco o movimento Surrealista e a sua teoria do acaso.
Um passeio por uma feira de livros baratos e o encontro fortuito com um livro, um livro mágico de uma escritora mágica ...
É muitas vezes nas“ pequenas “ coisas do dia a dia que se nos revelam as grandes coisas da existência.

Virgínia Woolf...

“E no entanto, aparentemente, ela desfrutava das condições que considerava essenciais para uma mulher se afirmar como escritora... “

mas, como diz Oliveira Martins acerca de Antero de Quental,( figura ímpar da literatura portuguesa, poeta/ filósofo que também procurou como Virginia a “ solução “ no suicidio,hoje bastante esquecido) :

“... O mundo nunca lhe foi propriamente hóstil, nenhuma desgraça o acabrunhou; a sua vida tem corrido serena, plácida, e até, para o geral da gente, em condições de felicidade.
É que o geral da gente não sabe que as tempestades da imaginação são as mais duras de passar. Não há problemas mais difícies do que as crises do pensamento, nem crises mais dolorosas do que as crises do sentimento. “

Maria said...

De repente veio-me à memória o filme genialmente interpretado por Nicole Kidman...

Sabemos nós a que nos podem levar situações como as que VW viveu?

Maria P. said...

Como eu gosto de ler Virgínia Woolf!

Boa semana*

Elsa Sequeira said...

Virginia Woolf gosto!
Boa semana!
beijinhso!
:)

isabel said...

só a palavra (louca) já carrega um estigma...

o turbilhão de ideias, desordenadas, deve causar uma espécie de medo, como se as palavras fossem atacar

adorei As Horas...e o post

Anonymous said...

Como sempre, viajar no teu "Infinito Pessoal" é sem dúvida, uma viagem maravilhosa.
Penitencio-me por, tendo à minha frente, literalmente a feira de que falas, ainda não ter "perdido" a hora de almoço e lá ter ido.
Talvez porque, aqui mesmo, no espaço onde estou, está outra feira de livros usados, onde já adquiri alguns...
**
Do teu post? Uma delícia. E porque nada acontece por acaso, o "acaso" fez com que hoje tivesse "um furo" no horário e viesse aqui ... Digamos que funcionou como um “despertador de consciências”.
Sabes Luís, em certos momentos, aquilo que está à nossa frente, torna-se, pela proximidade, “invisível” ... é o caso da exposição que referes... vejo-a da janela!!! Que coisa...
Necessitei de a ver através do teu olhar de lince!!!!

Bjs, brother!

Anonymous said...

que bonito, este blog.
uma pergunta: sabe de quem é o quadro com que ilustra o post sobre virginia woolf?