"«BELLE TOUJOURS» ocorreu-me à ideia inesperadamente, e como tinha gosto de prestar a minha homenagem a Luís Buñuel e a Jean Claude Carrière fiquei feliz por ter encontrado o modo de o fazer, talvez o melhor, e meti mãos à obra.
De que se trata? De retomar duas das estranhas personagens do filme «Belle de Jour», e fazê-las reviver, trinta e oito anos depois, na estranheza de um segredo que só ficara na posse da personagem masculina e cujo conhecimento se tornara crucial para a personagem feminina.
Assim, passado esse tempo, voltam a encontrar-se.
Mas ela tenta por todos os meios evitá-lo.
Ele, porém, persegue-a e, ainda que contrariada, consegue detê-la face à intenção de lhe revelar o segredo que só ele lhe pode desvendar.
Marcam um encontro, um jantar, onde ela espera que tudo lhe seja revelado. Dá-se o jantar onde ela, viúva, aguarda a esperada revelação: o que ele dela dissera ao marido quando este estava mudo e paralítico por causa de um tiro que um amante dela lhe dera.
A situação é tensa e ela acaba desesperada sem poder afinal saber o que em verdade se passou.
Ele fica satisfeito no seu sadismo e no seu particular modo de se vingar da altivez dessa mulher que no fundo o desejou, mas que o seu feitio altivo impediu que ele a possuísse.
Manoel de Oliveira
Porto, 8 de Julho de 2005"
(in http://cinemaparaiso.blogspot.com)
Quarta-feira, 16 horas, cinema King, Lisboa acalorada, 5 pessoas na sala 1, lugares marcados. Atrás de mim duas velhas senhoras – autopsiavam todo o filme (que mais podia eu desejar que um filme comentado quase ao ouvido?). Entretanto na tela o mais provecto realizador português retoma a história e as personagens do célebre Belle de Jour, mas sem Catherine Deneuve. Duas personagens do filme de Buñuel reencontram-se, 38 anos volvidos. Ela tenta evitá-lo. Ele insiste e tenta convencê-la, prometendo-lhe que lhe revelará o segredo que só ele conhece e que é essencial para ela. Durante o jantar, num distinto hotel parisiense, ela, hoje viúva, tenta a todo o custo que ele lhe confesse o que disse ao seu marido.
Para compreendermos este filme convém conhecer o objecto homenageado, dado que Oliveira recorre à obra buñueliana. Competente gestão dos silêncios, dos gestos e da palavra. À medida que a obra vai começando, passamos do teatro onde a Orquestra Gulbenkian dá um concerto para findarmos num quarto onde Séverine e Husson protagonizarão o momento central do filme: o jantar. Pelo meio, sempre que se impõe, um espaço reduzido aparece em socorro, um bar, um barmam, duas prostitutas, uma mais nova, outra a reboque. Muito whisky. No bar vamos percebendo tudo, sobretudo o vendaval de sentimentos que guiam as personagens, especialmente Husson. O bar é obrigatório naquela fita para se entender o que aconteceu no outro filme.
Retrato (às vezes cruel) das sombras do tempo e das suas marcas, reencontro delicado, comédia de costumes, sarcasmos sobre o matrimónio.
Belle Toujours é uma pequena dissertação sobre a existência, a solidão, o amor e o medo.
Manoel de Oliveira, 100 anos de idade no próximo ano, confirma uma vez mais ser titular de uma obra singularíssima.
As velhas senhoras sentadas atrás de mim fizeram um resumo de outro filme enquanto as luzes se acendiam. Ou talvez eu atento a dois filmes, o do ecrã e o que elas iam comentando, terei construído um outro…
Trailers
Belle Toujours
Belle de Jour
De que se trata? De retomar duas das estranhas personagens do filme «Belle de Jour», e fazê-las reviver, trinta e oito anos depois, na estranheza de um segredo que só ficara na posse da personagem masculina e cujo conhecimento se tornara crucial para a personagem feminina.
Assim, passado esse tempo, voltam a encontrar-se.
Mas ela tenta por todos os meios evitá-lo.
Ele, porém, persegue-a e, ainda que contrariada, consegue detê-la face à intenção de lhe revelar o segredo que só ele lhe pode desvendar.
Marcam um encontro, um jantar, onde ela espera que tudo lhe seja revelado. Dá-se o jantar onde ela, viúva, aguarda a esperada revelação: o que ele dela dissera ao marido quando este estava mudo e paralítico por causa de um tiro que um amante dela lhe dera.
A situação é tensa e ela acaba desesperada sem poder afinal saber o que em verdade se passou.
Ele fica satisfeito no seu sadismo e no seu particular modo de se vingar da altivez dessa mulher que no fundo o desejou, mas que o seu feitio altivo impediu que ele a possuísse.
Manoel de Oliveira
Porto, 8 de Julho de 2005"
(in http://cinemaparaiso.blogspot.com)
Quarta-feira, 16 horas, cinema King, Lisboa acalorada, 5 pessoas na sala 1, lugares marcados. Atrás de mim duas velhas senhoras – autopsiavam todo o filme (que mais podia eu desejar que um filme comentado quase ao ouvido?). Entretanto na tela o mais provecto realizador português retoma a história e as personagens do célebre Belle de Jour, mas sem Catherine Deneuve. Duas personagens do filme de Buñuel reencontram-se, 38 anos volvidos. Ela tenta evitá-lo. Ele insiste e tenta convencê-la, prometendo-lhe que lhe revelará o segredo que só ele conhece e que é essencial para ela. Durante o jantar, num distinto hotel parisiense, ela, hoje viúva, tenta a todo o custo que ele lhe confesse o que disse ao seu marido.
Para compreendermos este filme convém conhecer o objecto homenageado, dado que Oliveira recorre à obra buñueliana. Competente gestão dos silêncios, dos gestos e da palavra. À medida que a obra vai começando, passamos do teatro onde a Orquestra Gulbenkian dá um concerto para findarmos num quarto onde Séverine e Husson protagonizarão o momento central do filme: o jantar. Pelo meio, sempre que se impõe, um espaço reduzido aparece em socorro, um bar, um barmam, duas prostitutas, uma mais nova, outra a reboque. Muito whisky. No bar vamos percebendo tudo, sobretudo o vendaval de sentimentos que guiam as personagens, especialmente Husson. O bar é obrigatório naquela fita para se entender o que aconteceu no outro filme.
Retrato (às vezes cruel) das sombras do tempo e das suas marcas, reencontro delicado, comédia de costumes, sarcasmos sobre o matrimónio.
Belle Toujours é uma pequena dissertação sobre a existência, a solidão, o amor e o medo.
Manoel de Oliveira, 100 anos de idade no próximo ano, confirma uma vez mais ser titular de uma obra singularíssima.
As velhas senhoras sentadas atrás de mim fizeram um resumo de outro filme enquanto as luzes se acendiam. Ou talvez eu atento a dois filmes, o do ecrã e o que elas iam comentando, terei construído um outro…
Trailers
Belle Toujours
Belle de Jour
16 comments:
Você tem uma forma toda peculiar de narrar os acontecimentos e acaba nos colocando na história. Adorei isso e está me deixando com vontade de assistir a tantos filmes que nem sei se por aqui consigo.
As sombras do tempo e suas marcas são mesmo imperdoáveis e quantas coisas deixadas no passado. Algumas gostaria muito de reviver outras nem tanto. Adorei...
Beijos e um ótimo findi semana pra ti.
São fantásticas as tuas narrativas!
Beijinho.
* A flôr ganhou vida assim que o Sol a tocou. Sei que entendes.
:)
"Brigados" por este post!
Já tinha encontra uma referência...mas, agora, fiquei curiosa!!!!
O bom cinema NUNCA poderá morrer!!!
UM BOM DIA!!!!
Deliciosa narrativa...
Até eu que confesso nunca ter visto no cinema um filme de Manoel de Oliveira fiquei com vontade de quebrar o jejum :)
Beijinho e bom fim-de-semana
Cheguei aqui, olhei a fotografia e pensei: é o post que vi ontem. Mas comecei a ler e é outro.
Pensando melhor, e ontem quando passei foi também imediatamente antes de ir para a cama, estava mesmo "podre" de sono, pensando melhor a foto estava em ponto mais pequeno, aqui do lado dto.
É sempre muito bom passar por aqui.
Faço bonecos, não sou um intelectual, porque isso, acho eu, é como ser fadista, nasce com a pessoa. Embora, claro, quem o é desenvolva o dom.
(Isto vai um bocado confuso).
Bem, dizia eu, gosto de vir aqui. Fica "cá dentro" sempre qualquer coisa.
Agora uma confissão: os único filmes que vi do Manuel de Oliveira foram A caixa e Non ou a vã glória. Porque não gostei, nunca vi outros.
Quando o texto desperta a curiosidade é o que vale...
Pena que por aqui é difícil achar os filmes mais alternativos..
Mas a curiosidade vai continuar aqui..... quem sabe um dia...
Um abraço
Não vi o filme do Manoel de Oliveira mas o "Belle de Jour" é um filme belíssimo com uma Grande Catherine Deneuve e um não menos excelente Michel Piccoli.
Um abraço.
Amigo, este teu Blogue é um mundo!
Calculo o prazer que sentes em criar "um mundo"!...
Quando se é novo... e se tem sangue na guelra... venham as mais altas montanhas!!!
Pois é amigos! Também aqui na "Blogsfera", ou comunicação na Net, se desenvolvem valores culturais que, se calhar, por outros meios não se desenvolveriam.
Por isso já vi vários livros publicados de amigos com quem por aqui me relaciono.
Este é o meio da escrita do presente e do futuro capaz de descobrir e se afirmar em novos horizontes.
Parabéns pela sua página e obrigado pela visita.
José Faria
E têm coisa pior do que alguém a comentar o filme inteiro ao pé do teu ouvido?
risos...
Teus posts, como sempre, de um primor!
Bom final de semana...
Abraços
A obra buñueliana, competente gestão de silêncios, gestos e da palavra. Esse é o jeito galeguiano que eu tanto gosto de ler!
Também adorei aquela parte da construção de um outro filme a partir dos comentários das velhas senhoras sobre um outro ainda.
De Manoel de Oliveira vi um único filme por enquanto - Um Filme Falado - que foi excelente! A ver se consigo ver este Belle Toujours. Tomara chegue por aqui. Muito interessante este retomar 38 anos depois.
Tem um ótimo fim de semana, Luis!
Beijinho :)
Que mais poderei acrescentar ao que outros já disseram ?. Um blogue inteligente a que apetece voltar, para aprender ou descobrir, sempre qualquer coisa.
Estou mortinha por ver!!!
CSD
Sinto-me privilegiado por ter recebido a tua visita no meu simplório canto. Ainda só li este post, mas permite-me que te felicite pelo gosto, pela inteligência, pela arte da escrita... Parabéns!
Buñuel revisitado por M.Oliveira, duas personalidades fascinantes, quer se goste ou não. Pelo meio, e a servir de ponte "Belle de jour", com um dueto soberbo (Deneuve e Picolli).
Sobre Buñuel, por estrano que pareça, sinto-me mais fácil a falar, vi, por assim dizer toda a sua obra, excluindo os seue primeiros filmes mexicanos, onde parece haver pérolas escondidas no meio de melodramas e porventura alguma Dolores del Rio...
É dele, uma das cenas mais incriveis, jamais filmadas, a célebre cena do olho do "Chien Andalou".
M. de Oliveira, é sobretudo "chato", mas não só...É um homem, que tem que se admirar, pois quase com 100 anos é possuidor de uma vitalidade invejável, e não deixa ninguém indiferente; é indiscutivelmente uma referência importantíssima do cinema mundial. Já vi coisas dele, admiráveis e outras de provocar tédio, mas sempre com um "savoir faire" de quem tem sempre algo mais a dizer; depois de mais esta lição sobre cinema só me resta acrescentar mais este título à já minha enorme lista de filmes a ver.
Abraço.
Belle de Jour... filme incrível... revi-o há dias...esta coisa de net e seus downloads piratas, como foi o caso, tem as suas maravilhas; foi o filminho todo :)
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