É uma história de amor passada no tempo actual em que as pessoas têm noções muito diferentes do universo em que se movem, (...) é um diálogo em que eles vão divergindo, (...) vai afastando-os (...) acaba em separação porque não conseguem entender-se, porque falam a níveis diferentes mesmo quando parece que estão a falar das mesmas coisas.
(Entrevista de Daniela Reigadinha, em 27 de Outubro de 1996)
(…) é preciso esmagar o desejo como forma de rotura, porque se de repente todos começassem a desejar, a imaginar, o mundo conhecido cairia por terra e entrar-se-ia noutro, diferente, e é essa possibilidade aterradora que é preciso esmagar a todo o custo, eu bem sei que seria perigoso, porque se de repente alguém dissesse: quem odiar a sua vida ao meio dia abra a janela e salte, toda a gente saltaria ao bater do meio dia e a rua ficaria de repente cheia de pessoas inadvertidamente mortas, mas por outro lado só quando se compreende que a alternativa é mudar a vida ou saltar da janela se adquire a exacta perspectiva das coisas.
Excerto de "O Silêncio"
A história centra-se em duas personagens: Lídia, cujo discurso tem o cunho indelével da poesia e Afonso, cujas forma de estar e o próprio discurso personificam a exactidão. É a história de um homem e de uma mulher que descobrem que não se amam, porque nunca conseguiram comunicar, em parte devido a uma educação que inculca o temor de abalar a ordem do silêncio estabelecida. Em O Silêncio, podemos distinguir dois antagonismos: o confronto entre o diálogo e o silêncio e entre a ordem e a desordem. Para ela o caos dentro de casa é indício que está viva por antagonismo a ele que, receando a desordem e a aventura, organiza tudo de forma metódica.
Esta pequena e belíssima obra é uma crítica social, um colocar o dedo na ferida, onde está patente a desilusão face a um mundo que relega as relações humanas; sociedade essa onde as pessoas não conversam (ou não sabem conversar) verdadeiramente umas com as outras e vivem solitárias.
As palavras de Teolinda Gersão, de uma enorme beleza, nunca desperdiçadas, numa escrita pesada e leve, sem nada a acrescentar, sem nada a expurgar, interrompida sempre no instante certo. O Silêncio é uma prosa de enorme sensibilidade.
Tempo de partir, descalça, nas manhãs, o corpo inundado pelo sol, tempo de giestas, de gaivotas, de trevo, tojo, plantas bravas. Escalar as dunas, transpirar subindo, agarrada a vegetação rasteira, parar arquejante a meio, o mar de repente encoberto pelo chapéu largo de palha, zumbido de abelhas bravas em volta do seu rosto, chegar finalmente ao cimo arrastando o corpo pela areia, sentar-se na primeira pedra e ver o mar, atirar o chapéu para o lado e levantar a cabeça contra o vento, gritar ou cantar ou ficar calada, olhando o mar, deixar passar as horas sem dar conta, voltar finalmente para casa sobraçando um cesto de flores e camarinhas bravas, empurrar a porta e reencontrar Afonso – o candeeiro aceso sobre a secretaria inglesa, um halo de luz sobre o seu rosto inclinado que ela não vê logo porque ele escreve de costas voltadas para a porta por onde ela acaba de entrar, só depois se volta e ela poisa ao acaso o cesto que acabara sempre por tombar e aproxima-se descalça, pisando a areia que se solta do seu corpo e as flores que se espalharam pelo chão. E a desordem é subitamente uma forma de amor, a sua forma de amor. Interromper Afonso como o mar entrando.
Excerto de "O Silêncio"
(Entrevista de Daniela Reigadinha, em 27 de Outubro de 1996)
(…) é preciso esmagar o desejo como forma de rotura, porque se de repente todos começassem a desejar, a imaginar, o mundo conhecido cairia por terra e entrar-se-ia noutro, diferente, e é essa possibilidade aterradora que é preciso esmagar a todo o custo, eu bem sei que seria perigoso, porque se de repente alguém dissesse: quem odiar a sua vida ao meio dia abra a janela e salte, toda a gente saltaria ao bater do meio dia e a rua ficaria de repente cheia de pessoas inadvertidamente mortas, mas por outro lado só quando se compreende que a alternativa é mudar a vida ou saltar da janela se adquire a exacta perspectiva das coisas.
Excerto de "O Silêncio"
A história centra-se em duas personagens: Lídia, cujo discurso tem o cunho indelével da poesia e Afonso, cujas forma de estar e o próprio discurso personificam a exactidão. É a história de um homem e de uma mulher que descobrem que não se amam, porque nunca conseguiram comunicar, em parte devido a uma educação que inculca o temor de abalar a ordem do silêncio estabelecida. Em O Silêncio, podemos distinguir dois antagonismos: o confronto entre o diálogo e o silêncio e entre a ordem e a desordem. Para ela o caos dentro de casa é indício que está viva por antagonismo a ele que, receando a desordem e a aventura, organiza tudo de forma metódica.
Esta pequena e belíssima obra é uma crítica social, um colocar o dedo na ferida, onde está patente a desilusão face a um mundo que relega as relações humanas; sociedade essa onde as pessoas não conversam (ou não sabem conversar) verdadeiramente umas com as outras e vivem solitárias.
As palavras de Teolinda Gersão, de uma enorme beleza, nunca desperdiçadas, numa escrita pesada e leve, sem nada a acrescentar, sem nada a expurgar, interrompida sempre no instante certo. O Silêncio é uma prosa de enorme sensibilidade.
Tempo de partir, descalça, nas manhãs, o corpo inundado pelo sol, tempo de giestas, de gaivotas, de trevo, tojo, plantas bravas. Escalar as dunas, transpirar subindo, agarrada a vegetação rasteira, parar arquejante a meio, o mar de repente encoberto pelo chapéu largo de palha, zumbido de abelhas bravas em volta do seu rosto, chegar finalmente ao cimo arrastando o corpo pela areia, sentar-se na primeira pedra e ver o mar, atirar o chapéu para o lado e levantar a cabeça contra o vento, gritar ou cantar ou ficar calada, olhando o mar, deixar passar as horas sem dar conta, voltar finalmente para casa sobraçando um cesto de flores e camarinhas bravas, empurrar a porta e reencontrar Afonso – o candeeiro aceso sobre a secretaria inglesa, um halo de luz sobre o seu rosto inclinado que ela não vê logo porque ele escreve de costas voltadas para a porta por onde ela acaba de entrar, só depois se volta e ela poisa ao acaso o cesto que acabara sempre por tombar e aproxima-se descalça, pisando a areia que se solta do seu corpo e as flores que se espalharam pelo chão. E a desordem é subitamente uma forma de amor, a sua forma de amor. Interromper Afonso como o mar entrando.
Excerto de "O Silêncio"
17 comments:
Tempo de partir
Como as aves que voam para terras mais quentes... É preciso tempo para tudo...
Abraço
Tema tão actual e tão habitual; mais do que possamos imaginar...
Abraço que te deixo...
Mais uma excelente "dica" bem (d)escrita.
Beijinho e bom fim-de-semana*
*
roubando a frase de um teórico, o silêncio é pleno de sentidos.
*
lerei, a seu tempo. De momento, silêncios e desencontros é feita a minha vida.De um silêncio tão triste que temo não me voltar a encontrar.
Bom fim de semana e obrigada pela sugestão. kafka à Beira-mar está no fim,
Que bom !!!!!
Chego aqui e, mais uma vez, tenho uma pista para descobrir...
o meu problema será o acumular de pistas e a escassez de tempo para as perseguir...
De qualquer modo, " BRIGADOS"!!!!
Bjks
vi...uma prodigiosa cena...
a que se elevou do então silêncio.
beijO
"Paisagem com mulher e mar ao fundo"
Nunca consegui acabar de ler este livro. Nem eu sei porquê. E tantos outros que já sairam depois deste, e nada...
Vou tentar fazer "as pazes" com a escritora...
Bom fim de semana
Magníficos excertos! Parece-me uma leitura verdadeiramente promissora.
O silêncio é afinal o território do amor e descobrir que não se ama talvez signifique somente o regresso ao próprio abismo de emoções e sensações apenas saboreáveis na onto-realidade solitária inevitável.
Teu parecer acompanhado de excertos perfeitos! Quem pode querer mais?
Beijo :)
o amor é um monólogo
Leste-a e agora leio-te...mais uma vez nos dás a conhecer um livro com uma história actual e muito, muito real...
Obrigado por te partilhares connosco :)
Beijinho
Já li Teolinda Gersão e gostei imenso. Abriste-me o apetite para gritar este ... «Silêncio»!
Um abraço!!!
Virei ler com mais calma depois. Passei para agradecer as palavras deixadas.
Bom fim de semana.
Teolinda Gersão é sempre uma óptima referência. Não li o livro mas, como sempre, pareceu-me uma escrita lindíssima, algo depurada, leve e suave como brisa, mas carregada de emoções e de questões profundas.
A apreciação que faz é bem redigida e faz jus à autora.
Parabéns e obrigada pela óptima sugestão!
Os meus votos de um bom domingo. :)
Nunca li Teolinda Gersão, pelo que seria uma óptima oportunidade para o fazer; simplesmente a falta de tempo é flagrante e a tua estimulante prosa, bem como os excertos que connosco partilhaste, terão que aguardar melhor oportunidade.
Aliás o tema da incomunicabilidade é. nos dias de hoje e infelizmente demasiado frequente; tenho para mim, que na maior parte dos casos tal se fica a dever a diferenças culturais, o que não me parece ser o caso, nesta história.
Abraço.
mas há quem diga, veja, oiça e sinta tanto no silêncio...
tanto!
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