Saturday, September 22, 2007

o silêncio...

É uma história de amor passada no tempo actual em que as pessoas têm noções muito diferentes do universo em que se movem, (...) é um diálogo em que eles vão divergindo, (...) vai afastando-os (...) acaba em separação porque não conseguem entender-se, porque falam a níveis diferentes mesmo quando parece que estão a falar das mesmas coisas.
(Entrevista de Daniela Reigadinha, em 27 de Outubro de 1996)

(…) é preciso esmagar o desejo como forma de rotura, porque se de repente todos começassem a desejar, a imaginar, o mundo conhecido cairia por terra e entrar-se-ia noutro, diferente, e é essa possibilidade aterradora que é preciso esmagar a todo o custo, eu bem sei que seria perigoso, porque se de repente alguém dissesse: quem odiar a sua vida ao meio dia abra a janela e salte, toda a gente saltaria ao bater do meio dia e a rua ficaria de repente cheia de pessoas inadvertidamente mortas, mas por outro lado só quando se compreende que a alternativa é mudar a vida ou saltar da janela se adquire a exacta perspectiva das coisas.
Excerto de "O Silêncio"

A história centra-se em duas personagens: Lídia, cujo discurso tem o cunho indelével da poesia e Afonso, cujas forma de estar e o próprio discurso personificam a exactidão. É a história de um homem e de uma mulher que descobrem que não se amam, porque nunca conseguiram comunicar, em parte devido a uma educação que inculca o temor de abalar a ordem do silêncio estabelecida. Em O Silêncio, podemos distinguir dois antagonismos: o confronto entre o diálogo e o silêncio e entre a ordem e a desordem. Para ela o caos dentro de casa é indício que está viva por antagonismo a ele que, receando a desordem e a aventura, organiza tudo de forma metódica.

Esta pequena e belíssima obra é uma crítica social, um colocar o dedo na ferida, onde está patente a desilusão face a um mundo que relega as relações humanas; sociedade essa onde as pessoas não conversam (ou não sabem conversar) verdadeiramente umas com as outras e vivem solitárias.

As palavras de Teolinda Gersão, de uma enorme beleza, nunca desperdiçadas, numa escrita pesada e leve, sem nada a acrescentar, sem nada a expurgar, interrompida sempre no instante certo. O Silêncio é uma prosa de enorme sensibilidade.

Tempo de partir, descalça, nas manhãs, o corpo inundado pelo sol, tempo de giestas, de gaivotas, de trevo, tojo, plantas bravas. Escalar as dunas, transpirar subindo, agarrada a vegetação rasteira, parar arquejante a meio, o mar de repente encoberto pelo chapéu largo de palha, zumbido de abelhas bravas em volta do seu rosto, chegar finalmente ao cimo arrastando o corpo pela areia, sentar-se na primeira pedra e ver o mar, atirar o chapéu para o lado e levantar a cabeça contra o vento, gritar ou cantar ou ficar calada, olhando o mar, deixar passar as horas sem dar conta, voltar finalmente para casa sobraçando um cesto de flores e camarinhas bravas, empurrar a porta e reencontrar Afonso – o candeeiro aceso sobre a secretaria inglesa, um halo de luz sobre o seu rosto inclinado que ela não vê logo porque ele escreve de costas voltadas para a porta por onde ela acaba de entrar, só depois se volta e ela poisa ao acaso o cesto que acabara sempre por tombar e aproxima-se descalça, pisando a areia que se solta do seu corpo e as flores que se espalharam pelo chão. E a desordem é subitamente uma forma de amor, a sua forma de amor. Interromper Afonso como o mar entrando.
Excerto de "O Silêncio"

17 comments:

Fernando Pinto said...

Tempo de partir

Como as aves que voam para terras mais quentes... É preciso tempo para tudo...

Abraço

Shelyak said...

Tema tão actual e tão habitual; mais do que possamos imaginar...
Abraço que te deixo...

Maria P. said...

Mais uma excelente "dica" bem (d)escrita.

Beijinho e bom fim-de-semana*

Telejornalismo Fabico said...

*




roubando a frase de um teórico, o silêncio é pleno de sentidos.





*

Jasmim said...

lerei, a seu tempo. De momento, silêncios e desencontros é feita a minha vida.De um silêncio tão triste que temo não me voltar a encontrar.
Bom fim de semana e obrigada pela sugestão. kafka à Beira-mar está no fim,

avelaneiraflorida said...

Que bom !!!!!
Chego aqui e, mais uma vez, tenho uma pista para descobrir...

o meu problema será o acumular de pistas e a escassez de tempo para as perseguir...

De qualquer modo, " BRIGADOS"!!!!
Bjks

un dress said...

vi...uma prodigiosa cena...

a que se elevou do então silêncio.




beijO

Maria said...

"Paisagem com mulher e mar ao fundo"
Nunca consegui acabar de ler este livro. Nem eu sei porquê. E tantos outros que já sairam depois deste, e nada...
Vou tentar fazer "as pazes" com a escritora...

Bom fim de semana

joshua said...

Magníficos excertos! Parece-me uma leitura verdadeiramente promissora.

O silêncio é afinal o território do amor e descobrir que não se ama talvez signifique somente o regresso ao próprio abismo de emoções e sensações apenas saboreáveis na onto-realidade solitária inevitável.

Jonice said...

Teu parecer acompanhado de excertos perfeitos! Quem pode querer mais?
Beijo :)

firmina12 said...

o amor é um monólogo

Ka said...

Leste-a e agora leio-te...mais uma vez nos dás a conhecer um livro com uma história actual e muito, muito real...

Obrigado por te partilhares connosco :)

Beijinho

Alexandre said...

Já li Teolinda Gersão e gostei imenso. Abriste-me o apetite para gritar este ... «Silêncio»!

Um abraço!!!

teresamaremar said...

Virei ler com mais calma depois. Passei para agradecer as palavras deixadas.

Bom fim de semana.

Ana Paula Sena said...

Teolinda Gersão é sempre uma óptima referência. Não li o livro mas, como sempre, pareceu-me uma escrita lindíssima, algo depurada, leve e suave como brisa, mas carregada de emoções e de questões profundas.
A apreciação que faz é bem redigida e faz jus à autora.
Parabéns e obrigada pela óptima sugestão!
Os meus votos de um bom domingo. :)

João Roque said...

Nunca li Teolinda Gersão, pelo que seria uma óptima oportunidade para o fazer; simplesmente a falta de tempo é flagrante e a tua estimulante prosa, bem como os excertos que connosco partilhaste, terão que aguardar melhor oportunidade.
Aliás o tema da incomunicabilidade é. nos dias de hoje e infelizmente demasiado frequente; tenho para mim, que na maior parte dos casos tal se fica a dever a diferenças culturais, o que não me parece ser o caso, nesta história.
Abraço.

pin gente said...

mas há quem diga, veja, oiça e sinta tanto no silêncio...
tanto!