Wednesday, December 12, 2007

retrato do sofrimento...

Leio na imprensa: branca, alta, magra, loura, olhos azuis. Não se referem a Paris Hilton, mas a Hélene Caux, fotojornalista francesa e voluntária do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados no Darfur. Com estas características físicas a repórter não se podia destacar mais entre a multidão africana, que, aos milhares, tem-se dispersado pelo Chade, acabando esquecida nos campos de refugiados.

Hélene esteve em Lisboa para mostrar o que a sua objectiva captou. A resistência testemunhada nos campos de refugiados é impressionante. A fotógrafa pretende dar a perceber aos países ocidentais que há pessoas que sofrem demais, “pessoas que viram as suas famílias massacradas, bombardeadas e atacadas pelas milícias, e vivem em campos nos últimos cinco anos”. Uma "engrenagem de violência" que se pega ao corpo, que se assiste, que se teme a cada instante. Por isso, Hélene vai regressar a Darfur ou, pelo menos, à fronteira com o Chade.

Uma questão não deixa de se impor: o sofrimento alheio constitui uma "galinha de ovos de ouro" para quem vive das imagens? São famosas as histórias de repórteres fotográficos que vendem a alma por um proveitoso instantâneo. E há quem não esqueça "O abutre e a criança", algo que valeu o Prémio Pulitzer, em 1994, ao sul-africano Kevin Carter: uma rapariguinha sudanesa, barriga inchada de fome, a arrastar-se para um campo de refugiados e, ao lado, um abutre à espera da sua hora. Com remorsos, Carter, que podia ter salvo uma vida, até porque a dele não estava em risco, suicidou-se algum tempo depois (cf. DN de 07.12.07). Não é o caso. “É preciso documentar o que se passa, mas entre ajudar uma pessoa em dificuldades extremas e tirar-lhe uma fotografia, prefiro ajudar, pois sou, acima de tudo, uma voluntária, sensível às questões humanitárias.”, esclarece a repórter.

"Documentei em imagens a chegada dos refugiados do Darfur ao Chade. Acompanhei alguns trajectos pessoais de mulheres violadas pelas milícias árabes, que, após terem sido punidas com chicotadas e rechaçadas pelas comunidades, acabaram aos poucos por se reintegrarem." Helene Caux não omite o que a sua máquina fotográfica regista na fronteira do Chade, quando os refugiados são atropelados pelos bombardeamentos e pelos ataques das milícias, mulheres apanhadas no meio do ataque. “O seu rosto mostra uma coragem e uma capacidade para não desistir de qualquer esperança de regressar e retomar as suas vidas”, apesar dos massacres e das suas famílias terem sido atacadas e de elas próprias terem sido agredidas e violadas. Apesar dos traumas por que passaram, Caux recorda a dignidade e a coragem das pessoas. Por isso acrescenta que qualquer fotógrafo que se desloque aquela região só pode (deve) “prestar homenagem às pessoas através das fotografias e texto”.

Darfur/Darfur, exposição sobre o genocídio já caminhou por Nova Iorque, Washington, Berlim, Istambul, Milão, Roterdão e Estocolmo. Cento e cinquenta fotografias sobre o mais grave problema humanitário da actualidade marcaram presença na Gare do Oriente.

Percebo, de certo modo, a frase de Roland Barthes “…perante certas fotos, eu preferia ser selvagem, sem cultura”.

Ver imagens aqui.

* A exposição conta ainda com a assinatura de mais seis fotógrafos reconhecidos internacionalmente: Lynsey Addario, Mark Brecke, Ron Haviv, Paolo Pallegrin, Ryan Spencer e Michal Safdie

31 comments:

avelaneiraflorida said...

Caro Luís,
Em primeirissimo lugar..."BRIGADOS" por este POST!!!!!
Uma questão muito importante: a visão do fotógrafo no mundo actual!
Em segundo lugar, gostaria de pedir-lhe autorização para levar este seu post aos meus "besouros" do Curso Tecnológico de Acção Social.
Seria importante que eles o lessem, para perceber o que faz sentido no mundo fora dos livros da escola...
UMA BOA NOITE!!!

Paula Crespo said...

"A pobreza é muito fotogénica", tenho eu já pensado, vezes sem conta. E, com ela, o sofrimento. Não há dúvida de que o fotojornalismo se alimenta disso mesmo, qual abutre à espreita. Não vale a pena ignorar. Mas, por outro lado, há que divulgar, há que denunciar as situações de miséria e de injustiça. Apesar de eu gostar imenso de fotojornalismo e de reconhecer o seu mérito óbvio, confesso que me arrepia pensar que há alguém que ganhou milhares com a desgraça alheia. Talvez seja um disparate da minha parte, mas esse pensamento acaba sempre por surgir.
Beijos!

Lúcia Laborda said...

Oie Luis! Impressionante! Se o objetivo das fotos fosse ajudar, fazer algo em prol, seria interessante, mas é pra gratificação pessoal e remuneração. Não sei como podem, usar o sofrimento alheio para esse fim. Igual como fazem as redes de televisão. Ficam mostrando o dia inteiro, desastres que acontecem, por audiência. Esquecem que quanto mais passa, mais dói nos familiares.
Belo post!
Beijos

Red Light Special said...

As imagens valem mais que mil palavras, no entanto há simples palavras que desconstroem qualquer imagem.
Senti-me de repente envergonhada... sim, leste bem, envergonhada.
Porque perante estes instantaneos raras vezes penso na parte comercial que envolve os mesmos.
Às vezes gostava de ser menos ingénua a acreditar que todos conseguem pensar mais em dar do que em receber.
Sinto vergonha de uma humanidade que se rege por materialismos egocêntricos.
Que esta fotógrafa que fales seja realmente um exemplo. Que muitos outros gritem ao mundo como realmente estamos e vivemos, ajudando na prática quem vive essas situações.
E já me estou a alongar... começo a sentir algum non-sense nas minhas palavras.
Quando algum assunto toca assim cá dentro... a "Red" derrapa na emotividade.
Beijos para ti! Tem uma boa semana!

pin gente said...

todos os nossos "grandes" problemas se tornam ínfimos perante tal "retrato do sofrimento".

BlueVelvet said...

Olá Luis,
ainda bem que voltou.
Já estava preocupada com a ausência.
E voltou " em grande".
Neste Blog não se brinca.
Quer o texto, quer as fotografias, quer o que lhe está subjacente é belo, triste e importante.
Sobretudo não há muito a dizer:
A guerra existe, a miséria existe, o sofrimento existe, e enquanto quem PODE, não fizer nada, quem QUER nada pode fazer.
Quanto à polémica do fotojornalismo,sem naturalmente ser levado ao absurdo da fotografia da criança e do abutre, que conheço e foi das que mais me chocou até hoje, é um pouco como a história da pescadinha de rabo na boca: se vendem as fotografias ao mesmo tempo dão a conhecer ao Mundo situações que de outra forma ignoraríamos.
Qual era a outra solução?
Doá-las? Mas essa é a profissão deles... Não consigo ter uma opinião definitiva sobre o assunto.
Um beijinho

Vulcano Lover said...

É assunto delicado este dos jornalistas em zonas de guerras e calamidades. Não é fácil achar a visão justa, reivindicativa e bela ao mesmo tempo... Mas as vezes acontece...

Um abraço forte.

hora tardia said...

embora em período de ausência....vim. matar a saudade.




deixo um beijo. azul. como os olhos "dela"....
:(



__________________piano.

Shelyak said...

Até me custa falar sobre este tema. E mais ainda pela cimeira que agora houve, UE e África.
Todas essas questões foram esquecidas, talvez tentando seguir, em parte, as pisadas dos chineses que por lá andam...
:(

Maria said...

Já não se aguenta muito mais tempo......

Beijo

ninguém said...

Luis. Como jornalista, sempre vivi esta sensação incômoda de saber que vivemos tanto das alegrias quanto das tristezas alheias. Com o jornalismo fotográfico é mais sério ainda, porque imagens podem ser vendidas destacadas do texto e vender muito mais que livros feitos só de textos. Sempre olhei Sebastião Salgado, com sua fama feita em cima de miséria, com um certo mal-estar. Mas, sem publicar, quem saberá? NO entanto, continuo achando que parte do lucro de todas estas mostras, livros, etc poderia ser enviada para os modelos fotografados sem cachê para tal.
um beijo

Anonymous said...

Uma imagem vale por mil palavra..

Luis, li o teu texto sobre a tua ida á fundação arpad szenes-vieira da silva, visto que estou a elaborar um trabalho sobre Arpad Szenes queria-te perguntar umas coisas, visto a informação na internet ser pouca.

Se estiveres disponivel avisa, eu vou passando por aqui para ver se me respondes-te.

Abraço e continuação dos bons textos.

Luciano

Oliver Pickwick said...

Ei, Luís, dentre as informações desse texto tão bem apropriado, você acabou levantando uma questão - a qual eu desconhecia -, de cunho moral e envolvendo ainda a ética profissional num momento crítico. Algo muito mais tenso - para o profissional, do que a expectativa do goleiro frente ao atacante, com a bola na marca do penalti.
Conheço a fotografia mencionada, porém desconhecia o triste fim do seu autor, o Kevin Carter. E por mais que forçe uma atitude dos meus valores, não consigo formar uma opinião a respeito.
Parabéns por esse texto brilhante.
Abraços, e tenha uma ótima semana!

Jasmim said...

olá Luís
Como tinha saudades do que escreve, como sempre leio os seus textos e apetece-me ir a correr vivenciar as experiências que descreve.
Um domingo repleto de paz, harmonia e cumplicidade entre os seus...

João Roque said...

Este assunto é melindroso, caro Luís
até que ponto sabemos nós qual a motivação real que faz o jornalista numa situação destas? E estou a falar de um caso de não perigosidade para o jornalista, como é o caso dos jornalistas de guerra, que aí sim, acho que a motivação, pelo risco, é mesmo ganhar dinheiro ou a isso são obrigados por deveres contratuais.
Mas neste caso, será uma cobertura fotográfica que se destina essencialmente a mostrar o horror de uma situação, para que o mundo "acorde", ou será apenas a busca de um prestígio dentro da classe e o correspondente ganho posterior?
Sõ os próprios poderão dar a resposta.
Abraço amigo.

Anonymous said...

um dia um abraço por cada outro dia.


(não mereço as palavras que deixou no Piano...) mas fico. sensibilizada.


muito.



beijo.
grato.


imf./piano.

Sol da meia noite said...

Pois é Luís... situações há que chocam, dentro desta terrível realidade por si só demasiado chocante. Mas será possível haver quem só se lembre do aproveitamento da dor, de miséria alheia?... Isto é muito mais que falta de sensibilidade, monstruosidade, digo eu...

Um beijinho

Red Light Special said...

Um beijinho e boa semana para ti Luis!

Maria P. said...

Conheço essa imagens, este post diz tudo.

Obrigada pelos votos, retribuo.
Beijinho e boa semana Luís.

Maria said...

Nem viste que tinha sido nomeado blog de elite...
Não é para fazeres nada, é só porque és!

Beijo

Anonymous said...

Caro Luís,

Como sempre é um prazer ler os teus textos.
Deixo-te aqui os desejos de um feliz Natal e tudo o que há
de melhor para o Novo Ano.

Um abraço:
Luís Costa

Je Vois La Vie en Vert said...

Indepedentemente da razão da viagem da jornalista, sempre resulta numa chamda de atenção.
Beijinhos verdinhos natalícios

isabel said...

Também entendo a frase de Barthes.

Mas pessoas cmo HéLène são preciosas. Não só mostram o seu testemunho ao mundo, como muitas das vezes, como ela diz, deixam para trás a fotografia em prol da ajuda humanitária.

Boas Festas, Luís.

Maria Faia said...

Estimado Amigo Luis, tenho andado arredada do convívio com os amigos da blogosfera, por razões estritamente pessoais e profissionais. O Mês de Dezembro é sempre terrível para mim e, este ano, não é axcepção.
No entanto, penso que em Janeiro, tudo possa voltar à normalidade.
Por ora deixo-te um beijo amigo e a promessa de voltar.

P.S. Já li " A Mulher Certa". Gostei da visão tripartida...

Maria Faia

avelaneiraflorida said...

Caro luís,

deixo-lhe uma "fita" no meu cantinho...
SE ou Quando quiser!!!!

Bjkas!!!

teresamaremar said...

Venho desejar um Natal sereno e feliz, e um novo ano maior e melhor.

Tudo de bom!

tufa tau said...

tão certo é dizer-se que uma imagem vale mil palavras.

abraço

ps - vim cá por várias vezes... só agora consegui dizer "alguma coisa"

pentelho real said...

e há Natal

e há Deus

e Jesus veio para salvar o mundo ...

HÁ DOIS MIL ANOS !

DEUS DORME EM MANCHÚRIA ?

DEUS DORME, SOMENTE.

E O HOMEM TAMBÉM.

Claudia Sousa Dias said...

Belo Post.

Aproveito para deixar a mensagem de Feliz Natal.

Um abraço.

CSD

Outonodesconhecido said...

Volte depressa, os seus posts fazem falta...
bjs

lena said...

Luís

ler-te assim é sentir esse retrato do sofrimento

as imagens tocam-me, perante elas senti-me pequena e de mãos atadas

a lágrima acabou por cair, sentida, com sabor a sangue, o mesmo que corre nas veias desses meus irmãos

abraço-te com muita força, com a força de um grito selvagem

um beijo onde a ternura existe

lena