Entre o roseiral e o parque, num lugar sombrio, solitário e verde, havia um pequeno jardim rodeado de árvores altíssimas que o cobriam com os seus ramos. No meio desse jardim havia um lago redondo sempre cheio de folhas. No centro do lago havia uma ilha muito pequena feita de pedregulhos e onde cresciam fetos. E no centro da ilha estava uma estátua que era um rapaz feito de bronze. E durante o dia o Rapaz de Bronze não se podia mexer e tinha que estar muito quieto, sempre na mesma posição, porque era uma estátua. Mas durante a noite…
Ontem à noite tive a oportunidade de ver o palco da Culturgest receber ópera, em versão de concerto. O Rapaz de Bronze do compositor Nuno Côrte-Real, com libreto de José Maria Vieira Mendes segundo o conto de Sophia de Mello Breyner-Andresen. O primeiro conto infantil de Sophia fez-se ópera num só acto, obra perfeita para a quadra natalícia. O Rapaz de Bronze remete-nos para a (por vezes) ténue distinção entre sonho e realidade. Um espectáculo entre a inocência da infância e o cepticismo da idade adulta. O jardim misterioso habitado pelo Rapaz de Bronze é visitado por Florinda, agora já crescida, que recua até ao passado onde viveu uma aventura maravilhosa: uma festa com todas as flores. Guiada pelo Rapaz de Bronze, uma estátua que à noite se transforma no rei do jardim, Florinda recorda a noite em que um vaidoso Gladíolo, revoltado pelo esquecimento a que é votado pela dona do castelo, organiza uma baile de flores. Reúne uma comissão formada pela Rosa, o Cravo, a Orquídea, a Begónia e a Tulipa e convidou Florinda porque se os humanos usam flores nas suas jarras para abrilhantar as suas festas, as flores devem também usar os humanos para enfeitar os seus bailes. A sugestão é feita pelo Rapaz de Bronze que nutre desde sempre uma paixão pela filha do jardineiro do castelo. Foi um festejo deslumbrante! Todos se divertiram até ao amanhecer. Mas quando o galo cantou, tudo terminou. Embora o libreto seja baseado num livro para crianças, este não foi um espectáculo dirigido ao público infantil, ultrapassando em muito as fronteiras do conto em que é baseado, desenrolando-se num universo mais próprio dos adultos. Florinda é "uma adulta com problemas" e com grandes dificuldades "em encontrar-se".
- A noite é fantástica e diferente!
- A noite – disse o Rapaz de Bronze – é o dia das coisas. É o dia das flores, das plantas e das estátuas. De dia somos imóveis e estamos presos. Mas de noite somos livres e dançamos.
O Rapaz de Bronze é um dos livros da minha meninice e pelo qual tenho uma enorme ternura. Ilustrado por Júlio Resende e constituído por quatro capítulos aborda o tema da distinção entre a verdade e a mentira. Clássico da literatura para a infância que tal como a Fada Oriana é uma “história fantástica” de enquadramento de rituais e ensinamentos, cuja transmutação final vai ao encontro de temas preferenciais de Sophia: o mar, o sagrado, o divino, a viagem, a sabedoria, a eternidade e a magia nocturna. Através da alusão alegórica ao mundo das flores, a contadora critica a sociedade onde se destacam “os mais chiques”, os “mais snobs”, os “mais mundanos”… Muitos dos contos da escritora foram sugeridos por praias, jardins, parques e pinhais, tendo-se inspirado numa casa da sua avó rodeada de jardins, a Quinta do Campo Alegre, no Porto. Aquelas páginas intrigavam-me mas ao mesmo tempo arrebatava-me o facto de à noite uma estátua saltar do seu pedestal, atravessar um lago e conversar. A descoberta dos mistérios da noite e do crescimento. As coisas extraordinárias e as coisas fantásticas também podiam ser verdadeiras. Porque há um mundo que é a noite e um mundo que é o dia. Como a noite pode ser deslumbrante, pensava eu. Este livro constituía (constitui…) para mim uma espécie de feitiço…
.....
Porque a noite é diferente do dia.
Porque a noite é distinta do dia (noite das coisas, terror e medo; na aparente paz dispersa; sobre as linhas caladas. efeitos de luz nas paredes caiadas, gestos e murmúrios de conversa, no mundo estranho do arvoredo, Sophia de Mello Breyner Andresen) sonhava muitas vezes que era o Rapaz de Bronze…
Noite
Mais uma vez encontro a tua face,
Ó minha noite que julguei perdida.
Mistério das luzes e das sombras
Sobre os caminhos de areia,
Rios de palidez que escorre
Sobre os campos a lua cheia,
Ansioso subir de cada voz
Que na noite clara se desfaz e morre.
Secreto, extasiado murmurar
De mil gestos entre a folhagem
Tristeza das cigarras a cantar.
Ó minha noite, em cada imagem
Reconheço e adoro a tua face,
Tão exaltadamente desejada,
Tão exaltadamente encontrada,
Que a vida há-de passar, sem que ela passe,
Do fundo dos meus olhos onde está gravada.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Ontem à noite tive a oportunidade de ver o palco da Culturgest receber ópera, em versão de concerto. O Rapaz de Bronze do compositor Nuno Côrte-Real, com libreto de José Maria Vieira Mendes segundo o conto de Sophia de Mello Breyner-Andresen. O primeiro conto infantil de Sophia fez-se ópera num só acto, obra perfeita para a quadra natalícia. O Rapaz de Bronze remete-nos para a (por vezes) ténue distinção entre sonho e realidade. Um espectáculo entre a inocência da infância e o cepticismo da idade adulta. O jardim misterioso habitado pelo Rapaz de Bronze é visitado por Florinda, agora já crescida, que recua até ao passado onde viveu uma aventura maravilhosa: uma festa com todas as flores. Guiada pelo Rapaz de Bronze, uma estátua que à noite se transforma no rei do jardim, Florinda recorda a noite em que um vaidoso Gladíolo, revoltado pelo esquecimento a que é votado pela dona do castelo, organiza uma baile de flores. Reúne uma comissão formada pela Rosa, o Cravo, a Orquídea, a Begónia e a Tulipa e convidou Florinda porque se os humanos usam flores nas suas jarras para abrilhantar as suas festas, as flores devem também usar os humanos para enfeitar os seus bailes. A sugestão é feita pelo Rapaz de Bronze que nutre desde sempre uma paixão pela filha do jardineiro do castelo. Foi um festejo deslumbrante! Todos se divertiram até ao amanhecer. Mas quando o galo cantou, tudo terminou. Embora o libreto seja baseado num livro para crianças, este não foi um espectáculo dirigido ao público infantil, ultrapassando em muito as fronteiras do conto em que é baseado, desenrolando-se num universo mais próprio dos adultos. Florinda é "uma adulta com problemas" e com grandes dificuldades "em encontrar-se".
- A noite é fantástica e diferente!
- A noite – disse o Rapaz de Bronze – é o dia das coisas. É o dia das flores, das plantas e das estátuas. De dia somos imóveis e estamos presos. Mas de noite somos livres e dançamos.
O Rapaz de Bronze é um dos livros da minha meninice e pelo qual tenho uma enorme ternura. Ilustrado por Júlio Resende e constituído por quatro capítulos aborda o tema da distinção entre a verdade e a mentira. Clássico da literatura para a infância que tal como a Fada Oriana é uma “história fantástica” de enquadramento de rituais e ensinamentos, cuja transmutação final vai ao encontro de temas preferenciais de Sophia: o mar, o sagrado, o divino, a viagem, a sabedoria, a eternidade e a magia nocturna. Através da alusão alegórica ao mundo das flores, a contadora critica a sociedade onde se destacam “os mais chiques”, os “mais snobs”, os “mais mundanos”… Muitos dos contos da escritora foram sugeridos por praias, jardins, parques e pinhais, tendo-se inspirado numa casa da sua avó rodeada de jardins, a Quinta do Campo Alegre, no Porto. Aquelas páginas intrigavam-me mas ao mesmo tempo arrebatava-me o facto de à noite uma estátua saltar do seu pedestal, atravessar um lago e conversar. A descoberta dos mistérios da noite e do crescimento. As coisas extraordinárias e as coisas fantásticas também podiam ser verdadeiras. Porque há um mundo que é a noite e um mundo que é o dia. Como a noite pode ser deslumbrante, pensava eu. Este livro constituía (constitui…) para mim uma espécie de feitiço…
.....
Porque a noite é diferente do dia.
Porque a noite é distinta do dia (noite das coisas, terror e medo; na aparente paz dispersa; sobre as linhas caladas. efeitos de luz nas paredes caiadas, gestos e murmúrios de conversa, no mundo estranho do arvoredo, Sophia de Mello Breyner Andresen) sonhava muitas vezes que era o Rapaz de Bronze…
Noite
Mais uma vez encontro a tua face,
Ó minha noite que julguei perdida.
Mistério das luzes e das sombras
Sobre os caminhos de areia,
Rios de palidez que escorre
Sobre os campos a lua cheia,
Ansioso subir de cada voz
Que na noite clara se desfaz e morre.
Secreto, extasiado murmurar
De mil gestos entre a folhagem
Tristeza das cigarras a cantar.
Ó minha noite, em cada imagem
Reconheço e adoro a tua face,
Tão exaltadamente desejada,
Tão exaltadamente encontrada,
Que a vida há-de passar, sem que ela passe,
Do fundo dos meus olhos onde está gravada.
Sophia de Mello Breyner Andresen
24 comments:
UM POST LINDO!!!!!! LINDO!!!!!
"BRIGADOS" por esta partilha!!!!
Já a Sophia é um MUNDO IMENSO e cheio de VIDA!!!! Nunca me canso de ler e reler toda a sua poesia...
Este Rapaz de Bronze, só o conheço escrito!
Imagino que deva ser lindo transposto para um palco, com música!!!!
E, caro Luís, estes dias têm sido fantásticos...
depois do Sonho...é possível continuar a sonhar no jardim do rapaz de bronze!!!!
a frase sobre a multivalência da noite...é no mínimo, deslumbrante!!!!
"Brigados", mais uma vez, por esta partilha!!!!
A noite sempre me encantou muito mais que o dia..
Seus sons, seus personagens muitas vezes soturnos me chamam muito mais a atenção...
Não conhecia O Rapaz de Bronze, ams comoa contece sempre que venho aqui, vou procurar para ler,,,
Deixo também meus votos de Feliz Natal e o desejo de um Ano Novo melhor para todos nós...
Um abraço
Estimado Amigo Luis,
Este post virei ler, com atenção.
Agora, apesar de a quadra natalícia não constituir, para mim, momento de grande alegria ou felicidade, venho deixar-lhe um beijo amigo, com votos de Boas Festas e de um Ano Novo repleto de Felicidades.
Abraço amigo,
Maria Faia
Agradeço a tua visita ao meu cantinho e os teus votos de Boas Festas.
Desejo-te também um Feliz Natal dentro do espírito natalício puro e um Ano Novo repleto de Paz, Harmonia, Saúde e Amor, enfim de Felicidade !
o endereço do meu coro é o segunte : http://coroeccegratum.blogspot.com
Pode ser que um dia tenhas vontade de ir ouvirnos cantar !
Beijinhos verdinhos
Oie meu amigo lindo! Belo post! Belo poema! O livro não conheço, mas pareceu-me bom de ler, sim!
Feliz Natal e Feliz Ano Novo! Que ele seja de realizações, paz, amor, felicidades e saúde!
Beijos
Não conhecia. A minha infância, embora boa, não passava pela leitura, tanto como teria desejado. Tenho tentado recuperar o tempo perdido, com maior ou menos sucesso...
Um obrigado por te ter tido, durante todo este tempo, acompanhando-me no meu cantinho (como eu por aqui, aliás,) e pelas tuas tão simpáticas palavras.
Boas festas para ti, rapaz! :)
Não conhecia. A minha infância, embora boa, não passava pela leitura, tanto como teria desejado. Tenho tentado recuperar o tempo perdido, com maior ou menos sucesso...
Um obrigado por te ter tido, durante todo este tempo, acompanhando-me no meu cantinho (como eu por aqui, aliás,) e pelas tuas tão simpáticas palavras.
Boas festas para ti, rapaz! :)
O AMOR TAMBÉM SE CONQUISTA
NAS JANEIRAS
ABRAÇO
O que eu amava (amo) os livros de Sophia.... este em especial é uma delícia, um verdadeiro mergulho nos meus sonhos de criança.
Foi tão bom agora voltar a sentir essa magia...
Aproveito para, e falando em magia, desejar que este teu Natal seja iluminado e muito especial, pleno de tons vermelhos e cores quentes, que traduzam amor, felicidade, alegria, saúde e paz.
Beijos natalícios para ti,
Red
Olá Luís!
Que saudades da Sophia!!
O Rapaz de Bronze, tal como tudo o que ela escreveu fica para sempre connosco, como disse o Miguel Sousa Tavares quando ela partiu, "nada do que é importante se perde verdadeiramente".
Um Feliz Natal!
UM SANTO E FELIZ NATAL !
Beijos
Sempre gostei mais da noite do que do dia, e há várias histórias e bailados que são como a do Rapaz de Bronze.
Uma de que me lembrei agora é o célebre Quebra Nozes.
Curioso com a Arte se entrelaça: um conto que vira peça de teatro, um bailado que é um conto infantil, enfim, só prova que não há várias Artes.
Do meu humilde ponto de vista, desde que não sejam de plástico, Arte é Arte.
Mais uma vez,
Boas Festas
Olá, Luís!
Boas Festas!
Um Natal muito Feliz para si e todos de quem gosta! :)
Luis. Vim para te deixar um beijo de Natal e manifestar minha alegria a cada visita a este blog tão bem cuidado e com conteúdo admirável.
E é um livro tão bonito..
Sophia é mesmo um mundo.
Um Abraço
Olá Luís
Deixo o desejo de um Bom Natal.
Abraço
"Mas de noite somos livres e dançamos."
e eu danço tanto também de dia!
temos que transformar o dia em noite...
parabéns
e feliz natal
luísa
Boa tarde.
Considerando o conteúdo altamente cultural e instrutivo do seu belo blog, sinto-me honrado em receber o seu gentil comentário ao meu.
Se me permitir, oportunamente, gostaria de linká-lo aos meus para visitá-lo sempre que o meu escasso tempo permitir.
Muito obrigado pela sua gentileza.
Seja sempre bem vindo aos meus blogs.
Não me importa o seu idioma, ou onde você está. O meu desejo é o mesmo:
Alemanha: Fröhliche Weihnachten
Bélgica: Zalige Kertfeest
Brasil: Feliz Natal
Bulgária: Tchestito Rojdestvo Hristovo, Tchestita Koleda
Catalão: Bon Nadal
China: Sheng Tan Kuai Loh (mandarín) Gun Tso Sun Tan'Gung Haw Sun (cantonés)
Coréia: Sung Tan Chuk Ha
Croácia: Sretan Bozic
Dinamarca: Glaedelig Jul
Eslovênia: Srecen Bozic
Hispanoamérica: Felices Pascuas, Feliz Navidad
Estados Unidos da América: Merry Christmas
Hebraico: Mo'adim Lesimkha
Inglaterra: Happy Christmas
Finlândia: Hauskaa Joulua
França: Joyeux Noel
País de Gales: Nadolig Llawen
Galego (na Galicia): Bo Nada
Grécia: Eftihismena Christougenna
Irlanda: Nodlig mhaith chugnat
Itália: Buon Natale
Nova Zelândia em Maorí: Meri Kirihimete
México: Feliz Navidad
Holanda: Hartelijke Kerstroeten
Noruega: Gledelig Jul
Polônia: Boze Narodzenie
Portugal: Boas Festas
Romênia: Sarbatori vesele
Rússia: Hristos Razdajetsja
Sérvia: Hristos se rodi
Suécia: God Jul
Tailândia: Sawadee Pee mai
Turquia: Noeliniz Ve Yeni Yiliniz Kutlu Olsun
Ucrânia: Srozhdestvom Kristovym
Vietnã: Chung Mung Giang Sinh
São os votos do "By Oscar Luiz", do "Flainando na Web" e do "Gente Sem Saúde".
E que 2008 seja o ano das suas realizações!
Um grande abraço deste novo pretenso amigo!
Olá,
Passei para lhe desejar um Feliz Natal!
Estimado Luis Galego,
Obrigado pela sua passagem no Ecos e comentarios e pelo comentario deixado, de seguida farei um link no meu blog para o seu. Aproveito ainda para lhe expressar o que é o cliché mais comum destes dias: FESTAS FELIZES.
Cordialmente
António Delgado
Mais um poema lindíssimo, desta feita de Sophia!
Penso que grande parte dos 'bloguers' publicou imagens, talvez bonitas sim, mas as mensagens/textos/poemas reflectem este 'grito'de urgência por todos os Seres que estão neste momento a viver abaixo da sua condição humana! E são muitos, actualmente :((
É preciso ter Esperança num futuro mais fraterno com menos artificialidade! É urgente que a Humanidade progrida no Bondoso sentido!
Retribuo sensibilizada os votos poisados em 'fragmentos'!
**Santo Natal**
**Fraterno Natal**
Um beijo
ouro.
um "rapaz" infinitamente de ouro.
_________________
beijo.
silencioso.
___________________.
até sempre.
e hoje o sol brilha!
será do "ouro"?
é certamente.
bom dia L.G.
E a Fada Oriana?!...Tocou-me tanto!
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