Wednesday, January 23, 2008

a fragilidade de Heath...

À FRAGILIDADE DA VIDA HUMANA
Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.
Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse Estio em Vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave, em doce agrado.
Se a nau, o Sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego mortal, e considera
Que és rosa, Primavera, Sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.
Francisco de Vasconcelos (1665-1723)


NEW YORK (CNN) -- Actor Heath Ledger was found dead Tuesday of a possible drug overdose in a Lower Manhattan apartment, the New York Police Department said. The Academy Award-nominated actor was 28. Ledger was found naked and unresponsive, facedown on the floor at the foot of his bed by a housekeeper trying to wake him for an appointment with a masseuse, said police spokesman Paul Browne. "Pills were found in the vicinity of the bed," he told CNN. "This is being looked at as a possible overdose, but that is not confirmed yet." Browne later told reporters some prescription medications were found in the room, including sleeping pills. But he stressed police have made no determination of the cause of Ledger's death -- that would be done by the medical examiner.

Ontem à noite. A notícia perturba. Não consigo compor dissertações acerca deste objecto, nem tenciono reconhecer a morte como natural. Não obstante certas filosofias de vida (como o epicurismo, o estoicismo ou o “carpe diem” horaciano) tentarem arquitectar um ideal ético do “repouso”, o ser humano continua incomodado com o Tempo. O medo que a maioria dos mortais sente e tem é o da morte. Nunca a encarei como uma consequência natural da vida. O medo de desaparecer encerra em mim uma imensa vontade de viver. Será que o medo de morrer é mais forte, quando existe alguém com quem queremos partilhar, tudo? E será que a vontade dessa partilha nos torna, tão intensamente egoístas que o nosso único desejo é viver eternamente? A única certeza que temos é que iremos morrer um dia. Ainda assim não me persuado. Há uma historinha sobre um inglês, igual a tantos, mas ilustrativa desta nossa ignóbil passagem para a outra margem:

Nasceu numa segunda
Baptizou-se numa terça
Casou-se numa quarta
Adoeceu numa quinta
Piorou numa sexta
Morreu num sábado
Enterrou-se no domingo
E este foi o fim de Solomon Grundy.


Morreu Ledger, o actor que teve uma nomeação para o Óscar pelo seu papel em Brokeback Mountain. Também estava nomeado para a morte…

A Morte é uma impossibilidade
que, de repente,
se torna realidade.
Goethe

21 comments:

Claudia Sousa Dias said...

E também morreu no filme...

Se bem me lembro...


CSD

Anonymous said...

A fragilidade da Vida em função das opções que fazemos...interrogo-me: será que este actor, que saiu de casa dos pais aos 16 anos para perseguir o SONHO, será que, pergunto eu,se tivesse ficado na Austrália (seu pais de origem) teria tido outro percurso não tão vertiginoso e será que em função dessa opção menos ambiciosa é certo,teria uma VIDA menos perturbadora?!
Tinha 28 anos e uma vida inteira para VIVER e não podemos afirmar que os últimos anos, apesar do sucesso tenham sido os seus melhores...que pena, pois perdeu-se um grande actor!
Parabéns pelo post, sempre oportuno e acutilante...
LUCY

Sérgio Pontes said...

Tambem fiquei de boca aberta quando soube da noticia! A vida é tão efemora que até mete impressão!

Abraço

avelaneiraflorida said...

Caro Luis,

a finitude humana não será fácil de entender, de aceitar, deultrapassar!!!
mesmo para aqueles que , por uma razão ou por outra, "das leis da morte se vão libertando"...

Special K said...

Também esta morte me apanhou de surpresa. O que me mete raiva é que a tristemente célebre Igreja Batista do Kansas tem já um protesto marcado para o funeral só porque o actor fez o papel de um homossexual num filme. Nem sequer há respeito pela dor da família e amigos e diz esta gente cristã.
Um abraço.

BlueVelvet said...

Olá Luis,
sabia que quando aqui chegasse o seu post seria de grande beleza.
Assino em baixo de tudo o que disse, embora, mulher contraditória que sou, já tenha estado bem perto da morte.
Conheço vários escritores que escreveram sobre ela e por muito elaboradas que sejam, não deixam sempre de me angustiar, já que o mote é sempre o mesmo.
Então, mal por mal, deixo-lhe a que mais me choca:
"O tempo corre com a sua bandeja de hospital repleta de narcóticos,dixando-nos preparados para a sua operação inevitável e fatal".
Tenesse Williams
Beijinhos

João Roque said...

Meu caro Luis
Este post só poderia ter sido escrito por ti; e mais não digo...
Abraço grande.

Outonodesconhecido said...

Lidamos muito mal com a morte. responsabilidade desta cultura e educação. Quando nascemos a unica certeza que temos é que um dia mais tarde ou mais cedo morremos.
Contudo, continuamos a proteger as nossas crianças da palavra morte; como se tudo fosse eterno. Ams a verdade é que não é e quando se ama alguém ou simplesmente se conhece a vida é sempre demasiado efémera.
Vejamos o lado positivo que lindos dias teve Heath Ledger ao longo da passagem por esta vida...

Maria said...

Sabia que viria aqui encontrar algo sobre Heath Ledger. Só não sabia que conseguia abrir a caixa de comentários....
Sobre ele está tudo dito aqui, a polémica continuará lá fora. Porque as mentalidades ainda são recuadas.
A vida é muito curta, demasiado curta.
O importante é aproveitar cada minuto, vivê-lo intensamente.....

Abraço

Maria P. said...

A fragilidade do Ser...
Cada momento conta, nós esquecemos isso neste louco dia-a-dia...

Beijinho*

Denis Barbosa Cacique said...

...já te aconteceu isso? a pessoa morre e aí vc descobre que ela era fantástica. foi o que me aconteceu qdo ele se foi...

Lúcia Laborda said...

Oie meu doce amigo! Belo post! Também eu, embora saiba que a morte é o que de fato temos como certeza, jamais me acostumo com ela e não aceito como natural. Até que tento, mas a maioria das vezes estou é tentanto fazer de contas que não existe. Mas faz parte, infelizmente!
Beijos

Carlos Ramos said...

Infinitamente brilhante este teu blog. Global e total, pessoal e tão universal.
Parabens... muitos

Ricardo Jung said...

como é bom poder abordar fatos normais sob um ótima perfeita por ser anormal, a visão poética...

de tudo o que se diz e se pensa em entre ciência e filosofia, só a arte sente a verdade pela alma, e a expressa em forma de poesia (talvez não fosse pra rimar)

e essa frase de Goethe é perfeita

este é um blog acima da média... parabéns!
já está nos favoritos


se der, passa lá:
http://artepoiesis.blogspot.com/

tufa tau said...

viver eternamente para tudo partilhar...
mostra-me o egoismo, luís! onde está ele nesta frase, nesta maravilhosa vontade...?
.
.
.
perante uma morte assim... ficamos todos um pouco sem palvras!

abraço

Daniela Lopes Moura said...

Nunca conseguiremos saber o que ia lá dentro dele, nem temos de saber.

A vida é mesmo assim, escapa-se-nos por entre os dedos de um segundo para o outro...

o anjinho said...

nomeados para a morte todos estamos e nem precisamos de dar o nosso melhor.

Ana Paula Sena said...

Uma sentida reflexão sobre a morte, tema inesgotável, poderoso e sempre mais que nós. A impossibilidade de a aceitar é igual à impossibilidade de a evitar.

Uma reflexão pessoal é sempre interessante.
É também este post uma bela homenagem ao efémero da juventude e ao actor que tão bem a encarnou.
Já sabe mais do que nós...

:):)

Jo said...

excelente reflexão.
excelente blog.

(chego via abssinto. voltarei)

Beijo*

Max said...

Ironías del destino.
Ennis vivió y Heath nos ha dejado. Le recordaremos.
Preciosa tu dedicatoria. Un abrazo.

Paulo said...

Alguém disse: "Só devemos chorar os mortos quando os vivos o não merecerem.."
Abraço