Wednesday, January 09, 2008

quem és tu, Simone?

É sempre agradável celebrar os aniversários das pessoas que nos ajudaram a viver…
Kristeva

Cem anos após o nascimento de Simone de Beauvoir - autoridade do feminismo, da literatura e do pensamento -, alude-se mais acerca da companheira de Sartre e da peculiar ligação deste par do que da filósofa. Tendo atravessado a história do século passado, Simone de Beauvoir pretendia ser o Castor de guerre, segundo a expressão de Danièle Sallenave, e elegeu um propósito, impulsionada pela urgência de fazer prevalecer a liberdade. Nunca teve, porém, lê-se em La Force des Choses a aspiração de transformar a condição feminina - o que, em parte, conseguiu -, porque considerava que esta derivava do "futuro do trabalho no mundo". Fez parte de um grupo de filósofos-escritores associados ao existencialismo, um movimento que teria uma enorme influência na cultura europeia do século XX. Se foi existencialista, foi-o ao seu modo: "Não foi porque ela escolheu Sartre que ela se tornou Simone de Beauvoir, foi por se ter tornado Simone de Beauvoir que ela escolheu Sartre", frisa Sylvie le Bon de Beauvoir.

Beauvoir comentava que "as mulheres, mais do que os homens, têm necessidade de ter um céu sobre as suas cabeças”. O Segundo Sexo, escrito na óptica da moral existencialista, causou-lhe, contudo, a reprovação da maior parte dos intelectuais conservadores, homens e mulheres - católicos, protestantes, comunistas. Ingrid Galster rememora-o em Le Deuxième Sexe de Simone de Beauvoir. Vendo uma mulher aludir à "sensibilidade vaginal", ao "espasmo clitoridiano" e ao "orgasmo masculino" muitos ficaram enfurecidos. Estavam em causa assuntos tão controversos como a independência da mulher, a maternidade, a educação, o parto sem dor, o aborto, o adultério, a frigidez, o divórcio, a prostituição, respondendo O Segundo Sexo às inquietações do momento com o aforismo: "Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres." A pensadora não só é a primeira a produzir uma crítica sistemática de Freud no âmbito da teoria feminista, como a advogar que a feminilidade tem proveniência em estruturas sociais, antecipando aquilo que viria a ser uma das questões fulcrais do feminismo: igualdade/diferença.

É grave não observar esta intelectual de primeira água como a propulsora de uma mudança antropológica que esteve na vanguarda do seu tempo…

12 comments:

Vulcano Lover said...

pois é...
Como sempre, salientando questões interessantes e personagens que as vezes caem no esquecimento inconsciente.
Obrigado, e feliz ano.

BlueVelvet said...

É verdade.
De facto parece que Sartre a engoliu, quando ela existia por si mesma.
Tive a sorte de a ler há uns anos.
Era leitura obrigatória na Alliance Française, mas não deixava de ser olhada de lado pelas suas posições.
Não deixa de ser curioso pensar que não passaram assim tantos anos, e os polémicos e " escandalosos " assuntos sobre que escreveu, vêm hoje em qualquer revista feminina, tipo Vogue ou Elle.
Beijinhos

avelaneiraflorida said...

Caro Luís,

li Simone ainda muito nova, na idade da procura de novas ideias...
hoje, ao reencontrar este texto,apeteceu-me procurar nas estantes!!!!

"BRIGADOS" pela lembrança!!!!

Jasmim said...

Como sempre a informação é preciosa.
Um bj

Denis Barbosa Cacique said...

Olá Luis,

É a minha primeira visita aqui no seu blog. E pelo jeito terei q retornar!

Sou aluno de filosofia (graduação ainda). E costumo me sentir angustiado ao descobrir que "tem mais um pensador que ainda não li".

E eu que imaginei que seria suficiente ler só o Sartre, só a Náusea...

Mas a verdade é que é muito bom ter esse universo infinito pela frente, não é?

Um abraço e muito prazer!

Jonice said...

O Amaral postou um texto belísso sobre a mulher, Luís. Acho que vais gostar de lê-lo.

Jonice said...

belíssimo*

Red Light Special said...

Ainda hoje muitos deveriam olhar para as ideias desta visionaria e interiorizar as suas mensagens.
Ainda hoje...

Maria P. said...

Mais um excelente post.

Beijinho Luís*

pin gente said...

"..., têm necessidade de ter um céu sobre as suas cabeças”

e um chão debaixo dos seus pés

gostei muito do teu texto
abraço
luísa

teresamaremar said...

Quanto lamento não ter gravado o programa passado 6ª feira, na rtp2.

Se tiveres alguma sugestão para que eu o consiga, grata fico.


Uma boa semana!

Luís said...

Apaixonei-me por ela através do "Sangue dos outros"... uma mulher fenomenal!