Sunday, May 18, 2008

rasgar a solidão...

Sábado à noite. Confesso que foi com alguma desconfiança que me sentei na sala vip 3 das Amoreiras para assistir a um filme que supostamente teria como alicerce uma relação amorosa entre um homem e uma boneca de silicone de tamanho real! Não estava propriamente à espera de uma obra ao nível da programação do Cine Bolso ou do provecto Olímpia ou de qualquer perversão de carácter sexual, mas arriscar-me-ia a um produto para o qual não teria muita paciência. Enfim, como não sou propriamente o autor da célebre frase "Nunca tenho dúvidas e raramente me engano" que marcou o quotidiano político-partidário português alguns anos atrás, dei o benefício da dúvida e lá fui conhecer aquele insólito casal. Sensibilidade em forma de filme, é assim que apetece definir esta surpreendente comédia dramática! O filme indie que poderia muito bem ter derrapado para o terreno inevitável da one long joke revela-se, afinal, uma história séria sobre a melancolia da solidão e o brilho do optimismo. No cerne está Lars, um homem jovem com sérias dificuldades de interacção social e hiper-sensível a um simples toque. Um ser humano que vive uma sensibilidade permanente, uma sensibilidade física, emocional ou sentimental mas preso no seu próprio mundo. Louco de estar só, acompanhado de muito pouco, decide depois de anos de retraimento rasgar a solidão. Assim sendo, não perde mais tempo e resolve adquirir uma sex doll via Internet, apresentando-a logo de seguida como sendo a sua namorada Bianca. De início, a perplexidade instala-se na pequena comunidade no norte dos EUA onde reside, mas depressa os habitantes decidem aprovar esta singular idiossincrasia e receber aquela peculiar intrusa, integrando-a nas diversas áreas do seu dia-a-dia, assumindo-a como humana. Não há espaço para dúvidas: o mau gosto não mora aqui, o humor é delicado e histrionismos estão de licença de longa duração. Existe um equilíbrio extraordinário entre as doses de comédia e de drama, convenientemente sustentado por um conjunto de interpretações que se encontram em perfeita harmonia com os propósitos do filme. O protagonista é admirável na criação de um introvertido avesso a maneirismos que o pudessem etiquetar de alienado ou pervertido. A sinceridade da sua composição chega a ser tocante, fazendo com que se simpatize de imediato com ele. Um filme que nos apazigua com a vida, mesmo que o faça simplesmente durante o curto espaço de tempo em que estamos sentados a olhar para o ecrã.
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Domingo à tarde. Dia Internacional dos Museus. À sombra do romântico jardim das Amoreiras, face ao Aqueduto, à capela de Nossa Senhora de Monserrate e à Mãe-d’água descobre-se a Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva. Instalada na antiga Real Fábrica dos Tecidos de Seda, num edifício do século XVIII, restaurado para albergar um museu, a instituição tem por finalidade a divulgação da obra do casal de pintores. Além da sua colecção permanente, que cobre um vasto período da produção dos dois pintores são apresentadas exposições de artistas que com eles partilharam afinidades artísticas ou que com eles conviveram. No âmbito das comemorações do centenário do nascimento de Maria Helena Vieira da Silva – a pintora nasceu em Lisboa em 1908, mas naturalizou-se francesa quando Portugal, debaixo da ditadura salazarista, lhe negou a cidadania depois de ter casado com o húngaro Arpad Szenes, que conheceu em Paris. Sobre eles, dizia Mário Cesariny: “Arpad Szenes e Vieira da Silva são a mais bela história de amor e pintura que jamais conheci” - a Fundação apresenta um monólogo recorrendo às palavras ditas pela própria ao longo da sua vida. O resultado é Vieira da Silva par elle même, uma peça de teatro, com forte cunho autobiográfico. Escrito e interpretado por Maria José Pascoal e com direcção de Elisa Lisboa este espectáculo recorre apenas às palavras ditas pela pintora ao longo da sua vida. Os quadros amparam a atmosfera aconchegante e intimista que se sente à entrada do auditório. É como invadir o atelier de um artista, destapando num olhar os seus desejos e as suas paixões: além dos quadros, dos pincéis alojados em frascos que se disseminam por cima dos diferentes móveis e vigiam até de dentro das gavetas, há prateleiras com livros e, a um canto, o gira-discos. Ficou-me a arrepiante sensação de que tudo o que foi dito em palco são as opiniões autênticas, ideias, incertezas, dúvidas e questões, que a mulher e a pintora desejou partilhar, a propósito da sua vida e do seu trabalho…

25 comments:

Anonymous said...

e tão perto do meu trabalho...
obrigada pela dica!

Special K said...

Gostei de ler a critica do filme. Confesso que não estava na minha lista e fico sempre com o pé atrás com estas comédias americanas, principalmente se vierem com o rótulo de comédia romântica.
Um abraço.

Maria P. said...

Boa escolha neste dia dos Museus, eu fiquei pelo Museu da Ciência em Sintra, uma aposta para os miúdos e não só...

Beijinho, boa semana*

Paula Crespo said...

Este fim-de-semana as minhas opções foram num sentido diferente, mas o filme vai engrossar a minha lista de espera cinematográfica...
bjs

ivone said...

todos os anos visito a fundação arpad szenes vieira da silva tendo como objectivo dar a conhecer a vida e obra de ambos aos meus alunos principalmente da maria helena. sendo este ano a comemoração do centésimo aniversário do seu nascimento é pena que o museu não divulgue nem leve até à escola todo um rol de iniciativas que mantem. a lamentar também o antipático atendimento que tive numa das visitas. parece até que alguns funcionários não terão qualquer tipo de formação para lidar com crianças de 10/ 12 anos. de salientar a óptima visita que o guia nos proporcionou.

ivone said...

Um azul cerúleo para voar alto.
Um azul cobalto para a felicidade.
Um azul ultramarino para estimular o espírito.
Um vermelhão para o sangue circular alegremente.
Um verde musgo para apaziguar os nervos.
Um amarelo ouro: riqueza.
Um violeta cobalto para o sonho.
Um garança para deixar ouvir o violoncelo.
Um amarelo barife: ficção científica e brilho; resplendor.
Um ocre amarelo para aceitar a terra.
Um verde veronese para a memória da primavera.
Um anil para poder afinar o espírito com a tempestade.
Um laranja para exercitar a visão de um limoeiro ao longe.
Um amarelo limão para o encanto.
Um branco puro: pureza.
Terra de siena natural: a transmutação do ouro.
Um preto sumptuoso para ver Ticiano.
Um terra de sombra natural para aceitar melhor a melancolia negra.
Um terra de siena queimada para o sentimento de duração.



vieira da silva

Anonymous said...

Sabes que já tinha lido uma reportagem com o jovem e promissor actor do filme? Impressionou-me a explicação da forma como ele rodeou toda a composição do personagem na actuação com o objecto. Sem cair no abjecto, no boçal e na vulgaridade, representou a sós a solidão. Porque a boneca acompanha a solidão.
Da forma como (d)escreves o filme, a vontade de o ver aumenta. Nota-se que ainda o estás a saborear.

Sabes que ao falares do registo caseiro e intimista do atelier, lembrei-me instintivamente do museu pertencente a uma família amiga - a do pintor retratista Henrique Medina - que além de um valioso acervo de obras, conserva o atelier intacto e suspenso no tempo em que ele se apagou. Permanecer lá dentro é como se pudesse ver um pouco mais além das telas. Um pouco do acto da criação.

Vulcano Lover said...

Não te podes queixar da vida cultural que tens, amigo. Eu aquí não pude ir ver nada do dia dos museus (embora fizessem-se muitas actividades na cidade). Estive no teatro da ópera a ver um Mozart puoco inspirado :-( Nesta semana recital lírico e teatro... vou ver se por acaso pode ser interessante. Falamos, ok?

com senso said...

Lida a sua vião do Filme e visto o respectivo "trailler", tive de o colocar na minha lista de "inadiáveis".
Obrigado por mais um excelente texto e por mais duas magnificas sugestões (o Museu Vieira da Silva/Arpad Szenes, entretanto, já vai fazendo parte dos meus roteiros regulares pelos museus de Lisboa).

Ana Paula Sena said...

Um fim-de-semana em cheio! :)

Já tinha visto e lido acerca da peça e fiquei, desde logo, atraída. Do filme, não sabia, mas levo comigo a referência. As comédias podem ser de uma profundidade devastadora!

Obrigada, Luís!

Rita Galante said...

Olá novo amigo!

Quando quiseres, passa pelo meu último post e leva o que é TEU, se quiseres, claro! Obrigada mais uma vez lindo ser de luz pela tua participação e partilha.

Beijinhos de Amor, Paz e Luz!

isabel mendes ferreira said...

rasgadamente. aqui. onde a dúvida é sempre certeza. de encontrar o que ler...:)






beijo.

isabel mendes ferreira said...

rasgadamente. aqui. onde a dúvida é sempre certeza. de encontrar o que ler...:)






beijo.

Um Certo Olhar said...

Um convite a ver o filme tal o poder das suas palavras. Convincentes.
Um museu a visitar.
Um abraço

Espaços abertos.. said...

Um belo convite,sempre uma possibilidade que fica de maisum espaço a conhecer.
Bjs Zita

Anonymous said...

Olá Luís,
Também fui ver Vieira da Silva par elle même essa grande pintora,que dizia:"Procuro pintar algo dos espaços, dos ritmos, dos movimentos das coisas".E não ficaste para o show dos Voodoo Marmalade?Foi uma surpresa girissima.Deixo endereço para ouvires:http://www.myspace.com/voodoomarmalade.
Bjs
Paula

MrTBear said...

Vantagens de viver na Capital do reino...
Diversidade de escolha.
é que acabei de ler uma outra alternativa, num blogue mesmo aqui ao lado.
Por cá, contentamo-nos com os restinhos que ainda cá vão chegando.
É que o país mudou, mas não assim tanto....

Alexandre said...

Não vou ao cinema desde meados de Julho do ano passado - o motivo é muito forte e poderei dizer que alterou radicalmente a minha vida! De tal modo que não sei quando voltarei ao cinema.

Mas tenho me «vingado» nos concertos, no futebol e nas exposições!

Um forte abraço!!!

Anonymous said...

Meu amigo lindo! Pelo pouco que li, pareceu-me que o filme tem uma conotação psicanalítica. Tem, ou apenas é mais um sem qualquer conotação?
Belo post! Beijos

tulipa said...

OLÁ LUÍS
Passo de mansinho, para lhe desejar, uma noite tranquila, belos sonhos.

BEIJITOS.

Hoje tirei uns minutos para fazer uma visita, pois ando atrasadissima com as visitas aos blogues dos Amigos.

Anonymous said...

É tão bom sermos surpreendidos pela positiva, não? E adoro essa sensação de sair da sala de cinema, no limiar da ficção e da realidade, envolto pela estória e a reflectir no que tudo aquilo me acrescentou - ou não acrescentou, mas em como conseguiu colocar-me perante um ângulo diferente da vida.
Abraço.

SP said...

Que dizer, depois de ler tudo isto?

Olha, deixo aquele abraço assim...

Anonymous said...

De Vieira da Silva guardo na memória um quadro que propus expor em palavras aqui:
A SEIVA

pin gente said...

gosto muito da pintura de ambos

abraço

X said...

Chego a través de Robinson en Ithaca e atópome coa crítica do filme, eu non o podería ter explicado mellor. Parabéns.