Sunday, September 07, 2008

a perda da inocência...

The Line of Beauty. Vi a mini-série da BBC quando estreou em Portugal. Li o livro de Alan Hollinghurst quando chegou às nossas livrarias. Revi hoje a série em DVD. Impossível não recordar Brideshead Revisited, de Evelyn Waugh. Uma surpreendente viagem ao interior do sofisticado mundo da elite inglesa que agrega emoção, drama e crítica. Trabalho extraordinariamente adaptado do romance que ganhou o Booker Prize em 2004, o mais valorizado prémio literário na Grã-Bretanha. Uma história passada nos hedonistas anos 80 e que atinge um conjunto de indivíduos bem estabelecidos na vida. A Linha de Beleza decorre entre duas eleições de Thatcher, época de conflito e mudança, num mundo voraz que é o dos yuppies dos anos 80. Vivem-se impetuosos tempos onde a ganância é canonizada. A vida de um jovem que se altera quando aceita passar uma temporada em casa de um seu colega, objecto da sua paixão, pertencente a uma família politicamente poderosa em Kensington Gardens. Nick Guest, esteta genuíno, é movido por algo bem diferente mas perfilha e é perfilhado pela excêntrica casta de Toby, com quem embarca nos vícios da década: poder, sexo e cocaína; e a sua estadia na casa de Notting Hill parece prolongar-se indefinidamente. São tempos inebriantes ajustados ao ritmo vertiginoso das festas e das viagens e à amoral sensação de nada ser vedado. Tudo parece possível; a decadência nunca fora tão excitante. Mas esta interminável busca da auto-satisfação tem um custo elevado, e Nick apercebe-se tardiamente desse facto.

Emocionalmente denso, desarmantemente burlesco. O mote é reiterado nas letras britânicas, a ilusão da ascensão social e a perda da inocência. Abordado em estilo complexo, com profusão de pormenores e diálogos bem arquitectados, o livro/a série remetem para uma tradição literária rica, para nomes como E. M. Forster, Somerset Maugham ou o muito citado Henry James, autor que é manifestamente uma paixão da personagem principal. O livro não fica aquém do que compuseram estes soberanos da literatura, está apinhado de sátira e de vida, de desassossego e de charme, também de uma violenta franqueza. O objecto da avidez social é entrelaçado com temas, como a arte, a arrogância, a escala de valores, a morte, o ideal da beleza.

A Linha da Beleza exibe a impiedade do amor. Apontamentos de promiscuidade a par dos passeios pelos solares requintados, onde as suas personagens divagam sobre literatura, música, pintura ou teatro. O que se dissimula é desvendado em todo o seu horror. A história converge numa catástrofe, que pressentimos desde o início. O destino é inevitável e o amor, bem como e o sucesso, não passa de fantasia. Um testemunho forte, consistente e polémico. Um livro, uma série, um depoimento que ficam na (minha) memória…

33 comments:

João said...

Agora acho que já ia para o livro... (finalmente de volta, Luís)A linha de beleza que separa as duas artes também é sublime!

Bom regresso! (se já souberes quem sou...)

Anonymous said...

Sem dúvida uma das melhores séries de TV, na mesma linha de "Brideshead". Acabei por ver os episódios fora da ordem entre os canais nacionais e os de cabo. Obrigado pela sugestão de aquisição.

João Roque said...

É sem dúvida esta mini série um retrato fiel da burguesia londrina, rica e oderosa, dos anos 80; vi a sériem em episódios, quando passou na "2" e agora gostaria de a rever como um todo.
É uma série imperdível para quem não viu e uma reapreciação eventualmente ainda mais gratificante para quem a reveja.
Abraço.

Vulcano Lover said...

Faz anos li o livro e gostei imenso. Agora gostava de ver a série. Procura-la-ei... Obrigado, como sempre, pelas tuas recomendações... e bemvindo à blogosfera de novo!!

Anonymous said...

que belo texto, meu caro Luis, extraordinário. fiquei fã da Linha da Beleza quando o li, ainda na versão original, e já era o Hollinghurst, porque tinha lido, há muitos anos, um outro livro fantástico, dele, The Swiming-Pool Library. também vi a série quando passou creio que na rtp2. e agora, graças ao teu texto, fiquei com vontade de rever e reler.
abraço,
miguel

com senso said...

Uma excelente série e também uma magnífica obra literária sobre os anos Tatcher.
A rever mesmo!
Parabéns mais uma vez pelo excelente texto!

Mar Arável said...

O excesso na vertigem do sucesso gera destinos que não medram como exemplos a seguir.Contudo deve sempre ser volorizado o contraditório expurgar o essencial do acessório - como se fosse possível ser juiz em arte e na vida.

Mais um belo texto

abraço

ivone said...

"O destino é inevitável e o amor, bem como e o sucesso, não passa de fantasia"

o amor não passa de fantasia?
quando deixar de o ser deixa também de ser amor

Anonymous said...

Caro amigo luís
confesso que já tinha saudades de aqui vir ler os teus "escritos".
Bem vindo Virei sempre que puder.
Um beijo com aroma de jasmim de um qualquer quintal...

m said...

Tenho que vê-la! :P
Obrigada

Beijinhos

Catatau said...

Gostei muito da de A Linha da Beleza, quando o li. Bem escrito, com trama realista e proporciona uma visualização cenográfica que, espero, a série não comprometa. Por acaso agora fiquei curioso... vou ver o que apanho.

(Ó pá, já estava com saudades tuas!)

Tongzhi said...

Eu também vi a série na "2". Rever estas coisas sem ter de "espera-ai-uma-semana" é uma oportunidade óptima!

paulo said...

bem, dos retalhos que vi na série que passou na 2:, é mesmo a perda da inocência. tenho o livro para ler e a série para ler... por preguiça ainda não o fiz, mas acho que esta entrada pode ser um bom estímulo.

abraço

Shelyak said...

Saudades que já tinha de te ler!!!
Abraço :)

Ka said...

Vi a série na RTP2 em episódios e gostei imenso.
Tu de facto tens o dom da escrita pois relatas de forma exemplar!!

É por isso que é sempr um prazer passar por aqui e ler os teus escretiso.

Ainda bem que estás de volta :)

Beijinhos

pin gente said...

"reviver o passado em brideshead" (assim era a tradução se não me engano). foi uma das séries que mais prazer me deu. e recordo bem jeromy irons como charles.

descreves sempre as coisas de uma forma muito infinita e pessoal, adorei (como sempre).

um abraço, luís
luísa

pin gente said...

"reviver o passado em brideshead" (assim era a tradução se não me engano). foi uma das séries que mais prazer me deu. e recordo bem jeromy irons como charles.

descreves sempre as coisas de uma forma muito infinita e pessoal, adorei (como sempre).

um abraço, luís
luísa

Maria P. said...

Apetece reler, depois de te ler...
Bom regresso.

Beijinhos*

sem-se-ver said...

obrigada pela sugestão. nunca vejo televisão, com todas as vantagens mas também inconvenientes daí decorrentes.

procurarei a série - é o melhor elogio que posso fazer ao seu post.

Lauro António said...

Obrigado pela visita. Depois de ler este texto, já comprei a série. Agora tempo para a ver, vamos a ver, estando eu a preparar um Festival para Outubro e muitas outras coisas mais. Mas lá chegarei. Um abraço. Até ao café combinado e ainda não concretizado.

SP said...

Que bom que estás por aqui!!!

Um abraço e a minha estima...

isabel mendes ferreira said...

o destino do meu abraço. é aqui.

a saborear a leitura. sua.



abraço.

casa de passe said...

tenho que dizer às meninas para passarem por cá, elas é que são as intelectuais lá de casa.


joão

firmina12 said...

não sei como estive tanto tampo sem passar por aqui

Je Vois La Vie en Vert said...

Permite-me deixar isto para o teu leitores :
Não se esqueçam da Flávia vivendo em coma há 10 anos e façam parte da blogagem colectiva publicando algum sobre ela ou simplesmente visitando-a : http://flaviavivendoemcoma.blogspot.com/


BEIJINHOS VERDINHOS

MrTBear said...

Adorei a série. Fiquei de ler o livro,mas passou-me.
Agora já não

Anonymous said...

É sempre um prazer passar por aqui.

L.C.

Sílvia said...

"O destino é inevitável e o amor, bem como e o sucesso, não passa de fantasia."

Concordo.

Nada poderá aprender, mas poderá relembrar a pintura de paisagem em

http://mespeintres.blogspot.com/

Victor Oliveira Mateus said...

É inegável a qualidade da escrita de Hollinghurst e aqui refere-se, e
bem, o como a obra é a análise
dos tempos de uma ganância desenfreada (que ainda se mantém).
Também concordo que é uma escrita
que se insere numa tradição proveniente de H.James, Forster e Maugham (eu introduziria também um dos meus mitos: Iris Murdoch)...Penso que a adaptação ao
discurso cinematográfico foi muito bem feita, com excelentes desempenhos. O boom de Hollinghurst
e a sua qualidade, teve, no entanto, e para mim, um aspecto negativo: conseguiu abafar os
excelentes romances saídos nessa
época, e sobre o mesmo tema, cujos
autores eram Colm Tóibín e Jamie
O'Neill (com o seu excelente "At swim, two boys). Também é verdade
que Hollinghurst não tem culpa de
ser bom. Creio que o tempo se encarregará de "puxar" os outros dois. Louvo, mais uma vez, a forma
como estes artigos são feitos, estimulando sempre quem os lê, para mais cabalmente se documentar sobre o/os tema/s.

de Marte said...

Luís,

depois deste texto, quem não viu, vai ver; quem já viu, vai rever, vai buscar os pormenores que escaparam da primeira vez.
O seu texto deixa água na boca.
Vou passar a ser assídua.

Beijinhos de Marte.

http://oblogdemarte.blogspot.com/

J. Maldonado said...

Vi a série quando passou pela tv, já não me recordo em que canal, a qual achei brilhante.
A temática da história, partindo da perda da inocência, abrange vários aspectos sociais, nomeadamente o da clivagem social.
Gostei muito dela. Um dia espero ler o livro.

Claudia Sousa Dias said...

Já estive vária vezes para 0o comprar...


CSD

No Limite do Oceano said...

Não vi a série mas li o livro há uns anos. A sensação com que fiquei com o que li foi um choque entre determinadas coisas que talvez a série demonstre de uma outra forma, talvez mais subtil, não sei...

*Hugs n' smiles*
Carlos