(imagem retirada da net)
Chegou no correio um Homem na Escuridão. Um homem que revolve o mundo na sua cabeça enquanto se debate com mais uma insónia, com mais uma noite em branco. A filha e a neta estão a dormir nos seus quartos, sozinhas também elas, Miriam, a sua única filha, que tem quarenta e sete anos e que tem dormido sozinha nos últimos cinco anos, a Katya, filha única de Miriam, que tem vinte e três anos e que costumava dormir com um jovem chamado Titus Small, mas Titus está morto agora, e Katya dorme sozinha com o seu coração desmoronado. Luz radiosa, depois escuridão. O sol que se derrama de todos os cantos do céu, seguido pela escuridão da noite, as estrelas silenciosas, o vento que se agita nos ramos. Tal é a rotina. O homem que chega na escuridão a minha casa vive na mesma casa há mais de um ano, desde que lhe deram alta do hospital. Miriam insistiu com ele para que viesse para ali, e, de início, eram só os dois, para além de uma enfermeira que zelava por ele durante o dia, enquanto Miriam estava a trabalhar. Até que, passados uns meses, o mundo desabou sobre Katya, e ela abandonou a escola de cinema em Nova Iorque e foi viver para a casa da mãe em Vermont. Os pais dele chamaram-lhe Titus porque esse era o nome do filho de Rembrandt, o menino que aparece nos quadros do pintor, a criança de cabelos dourados com um chapéu vermelho, o aluno que sonha acordado enquanto se esforça por estudar as suas lições, o menino que se transformou num adolescente destroçado pela doença e que morreu com vinte e poucos anos, tal e qual como o Titus de Katya. É um nome fatídico, um nome que deveria ser banido da circulação para todo o sempre. Pensa muitas vezes na morte de Titus, na história horrenda dessa morte, nas imagens dessa morte, na sua neta, uma jovem devastada, reduzida a pouco mais que nada, por essa morte, mas, para já, não quer ir por esse caminho, não pode ir por esse caminho, tem de mantê-lo tão longe de si quanto possível.
A noite ainda é uma criança e enquanto para aqui estou deitado na cama perscrutando a noite e a escrita de Paul Auster, descobrindo August Brill, um crítico literário de 72 anos, um homem para quem a escuridão é tão negra que nem consegue ver o tecto, ponho-me a pensar acerca das afinidades da minha vida com as histórias que vou lendo ou inventando. Fantasiar é o que eu faço quando o sono se recusa a vir. Deixo-me ficar deitado na cama e conto-me histórias. Podem não ser nada de especial, mas, enquanto estou dentro delas, comporto-me como o homem que chegou a minha casa envolto em sombras e assim tal como ele consigo impedir que o pensamento navegue por assuntos que prefiro esquecer…
A noite ainda é uma criança e enquanto para aqui estou deitado na cama perscrutando a noite e a escrita de Paul Auster, descobrindo August Brill, um crítico literário de 72 anos, um homem para quem a escuridão é tão negra que nem consegue ver o tecto, ponho-me a pensar acerca das afinidades da minha vida com as histórias que vou lendo ou inventando. Fantasiar é o que eu faço quando o sono se recusa a vir. Deixo-me ficar deitado na cama e conto-me histórias. Podem não ser nada de especial, mas, enquanto estou dentro delas, comporto-me como o homem que chegou a minha casa envolto em sombras e assim tal como ele consigo impedir que o pensamento navegue por assuntos que prefiro esquecer…
11 comments:
Gostaria muito de ter esse condão...
Abraço amigo.
ao princípio pensei que era uma obra na sequência de uma casa na escuridão de josé luis peixoto, depois descobri que embora a escuridão fosse a mesma, profunda, deprimente e metafórica, vinha de paul auster. um post que é um forma original de chamar a atenção para este livro que não li
Já li alguns livros de Auster mas não este. Contudo, o que aqui e agora quero salientar é a satisfação que tive ao encontrar este blog, tão cheio de informação interessante num espaço, onde por vezes, escasseiam os conteúdos. Gosto das suas escolhas. Hei-de cá voltar para ler algumas mensagens mais compridas.
Bom Ano com boas leituras...
eu é que agradeço Luis.
tudo!
abraço.
sentido.
Caro Luís,
Paul Auster tem o condão de desencadear emoções diversas. Aprendi isso lendo-o.
Mas ainda não fiz esta leitura.
"Brigados" pela partilha!
Assim que terminar o que tenho entre mãos ...
Um bom fim de semana!!!
já há bastante tempo por aqui não passava. há demasiado tempo, mas, por vezes é mais fácil passar por locais que nos fazem pensar menos. Já que, quando o sono se recusa a vir, por mais que tente contar-me histórias que me levem por caminhos menos difíceis, são sempre esses que insistem em ser percorridos.
um abraço.
Estimado Luís,
Que seria a vida sem o sonho e a imaginação?
Ou como Char dizia:
La réalité sans l’énergie disloquente de la poesie, qu’est ce?
L.C.
Obrigado por este seu maravilhoso blog.
Obrigado pela partilha.
Bom Ano de 2009
A escuridão, a escuridão...
Fiquei entusiasmada com o post. Vou folhear o livro, quem sabe se não o compro..
bom domingo!
a escuridão, a escuridão... Quem não tem escuridão dentro de si?
Obrigada pelo post, fiquei com vontade de ler o livro.
Bom domingo
Boa-tarde a todos,
Se quiserem saber mais sobre Paul Auster, podem visitar o blogue http://paulauster.blogs.sapo.pt. Todas as sugestões são bem-vindas.
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