Thursday, June 11, 2009

amor com defeito...

(Adam and Eve, Tamara de Lempicka)
Porque eles são muito diferentes. A noção disso, desde o primeiro momento é a glacial análise que se impõe. Os fins de tarde desabrigados, descarnados e crus em que ele vagueia ferido e solitário pela cidade incompleta, longas caminhadas sem norte, irmão mais novo dos vagabundos de Godot, desfeito, disperso, confundido com o arvoredo, uma forma imprecisa movendo-se através da luminosidade parda, bebendo vinho nas tascas em companhia de desconhecidas, goyescas bruxas de conversa fácil, com o Are You Lonesome Tonight? e afins como pano de fundo. O amor vê-o do outro lado do rio. Sem ela já não quer ver coisas novas, novas terras, outras cidades, não quer discutir autores clássicos, nem sequer ouvir as baladas de Villon ou as suites para violoncelo, por Casals. Não lhe interessa outras mulheres. Mas o amor para ela é algo bacteriologicamente isolado da vida. Só o instante conta, o fluir inexorável da vida. Do outro lado do rio uma ampla janela de um pequeno apartamento, abarrotado de livros e quadros, o velho prédio onde ela vive. Subir até ela e entrar na sua vida, reunir nas sombras os pedaços do seu corpo e ser célere entre braços, indistintos entardeceres em que os corpos se desfazem, levando atrás de si o melhor poema de desejo de sempre Morrer de amor/ Ao pé da tua boca/Desfalecer à pele do sorriso/Sufocar de prazer com o teu corpo/Trocar tudo por ti/Se for preciso[1] – Isabel não põe o seu mundo em causa, não se expõe e não irá nunca ao seu encontro, quanto muito de outro e mais outro homem, diferentes corpos, que ao despertar não reconhece. Defende-se, diz ela. Ele já não acredita no amor eterno mas ainda assim sonha, aspira, reincide com alguma esperança, mas ao sair do apartamento, ouve o rio lá em baixo, que lhe sussurra que aquele sentimento faz mal, é amor com defeito, que não vale a pena. E esta mensagem não carece de nota de roda pé…
Luís Galego

[1] Maria Teresa Horta

15 comments:

Mel de Carvalho said...

Meu muito estimado "brother"... eu aqui às voltas com uma planificação de uma formação e tu surges assim, nesta janelinha da minha "noite" (aberta, pois então ..., para que saiba às quantas andam os amigos que me acrescentam os dias com o que de melhor se lê nesta net ...), surges, dizia, para me "questionares" sobre se, nalgum lugar, de algum planeta, ou no Infinito Desconhecido, existe algum "amor perfeito"... O amor, meu mui estimado Luís, digo eu que insisto em ser uma romântica "compulsiva", é, pela sua natureza e desde logo ... "imperfeito". E porquê? Porque quem ama, pegando naquela teoria Rogeriana que me é tão cara, não ama o outro, mas sim aquilo em que se transforma quando em presença do outro...
A questão maior é aquela que nos deixas: o depois ...
E na "ausência"? quando a química que nos envolve é apenas recordação? quando os defeitos que sabemos existirem no outro, e porque ausentes de nós, mais claramente se manifestam? Amaremos esse amor de forma perfeita? ou imperfeita? E do amor eterno? Acreditamos? E onde nos leva a descrença? Seremos mais felizes...
... sei lá Luís... sei lá.

"Ele já não acredita no amor eterno mas ainda assim sonha, aspira, reincide com alguma esperança, mas ao sair do apartamento, ouve o rio lá em baixo, que lhe sussurra que aquele sentimento faz mal, é amor com defeito, que não vale a pena."

... E, tal como dizia o poeta ,"quando o homem sonha, o mundo pula e avança"...

Luís, agora uma nota: Para quando, a Mel na plateia a aplaudir-te de pé em livro?
Sentir-me-ia muito, mas muito honrada, e seria, da maior justiça face ao que escreves.

"E esta mensagem não carece de nota de roda pé…", (cito-te!!!)

Mas carece de ACÇÃO! Rápida ...

Violeta said...

Querido luís
o teu post de uma forma diferente, ou talvez não completa ou vai d eencontro ao meu. Eu acredito no amor eterno, mas tb acredito que é possível amar mais pessoas.
Amor com defeito naõ serve, ams existe algum amor sem defeito?
um bj e bom fim de semana.

Violeta said...

queria fazer um link do teu post no meu mas como sou um pouco tonta não consigo.

João Roque said...

É curioso que quando acabei de ler este post, recordei de imediato o post da Violeta, que li há pouco; não é que sejam idênticos, nem mesmo falem exactamente do mesmo, parecem completar-se...
Abraço.

Unknown said...

Caro Luís,

"Amor com defeito"...
daqueles que ninguém quer porque não tem a "embalagem"primeira?
Ou daqueles que são siameses de outros "defeitos" que a vida teima em fingir que não vê?

Bom fim de semana!!!

Conta said...

Olá,

Faz de conta...que o amor é perfeito.

Mar Arável said...

DO OUTRO LADO DO RIO

EXPERIMENTE O SUSSURRO

pin gente said...

fizeste-me lembrar um filme infantil onde se ouve dizer com frequência... "aqui nada é perfeito!"
amo o amor com as suas pequenas imperfeições... pelo jogo de as tentar (e repito, tentar!) tornar perfeitas.

um abraço, luís
tinha saudades deste teu bom espaço
luísa

lusibero said...

Luís:afinal, o mundo está cheio dessa "Isabel", seja no feminino, seja no masculino. Sã´pessoas que vivem só para si ,não querem repartir e como parasitas, vão-se alimentando dos outros, quanto mais não seja para satisfazer os seus instintos mais básicos. Essas pessoas respondem, perfeitamente à questão retórica do Elvis, porque estão "lonesome" everynight of everyday...Para elas náo há VILLON nem CASALS, e muito menos esse maravilhoso poema da Mª TERESA HORTA! Assim sendo, Luís, o homem precisa desses seres que vivem para satisfazer apenas instintos básicos, por vezes diluídos numa animalidade aparente que é ,apesar de tudo, real?O egoísmo nunca, numa situação destas , poderá gerar AMOR...porque amor é dádiva serena ,que se vai construindo, no dia a dia...depois do meu divórcio,náo acreditei em mais nada!Mas tu e outros lindos seres inteligentes e sensíveis , embora o teu texto seja uma ficção! merecem a serenidade que a "dádiva" pressupõe"
BEIJO DA AMIGA LUSIBERO

Diogo said...

Bom poema!

Por outro lado:

Hitler ensaiou infrutiferamente obter financiamentos na blogosfera

Refugiado num bunker em Berlim, dias antes da data do seu suicídio, a 30 de Abril de 1945, Hitler é confrontado pelos seus generais com o fracasso total do seu blog, donde esperava receitas suplementares que lhe permitissem prolongar a guerra.

No auge do desespero, Hitler dispara em todas as direcções e nem sequer poupa os outros bloggers, revelando-se especialmente virulento com o Blasfémias, o Arrastão, o Causa Nossa, etc.

Vídeo legendado em português

Joaquim Moedas Duarte said...

Bem te entendo! Quem não sonha com um amor exclusivo?

Esse amor sem defeito só existe entre pessoas límpidas e que não tenham medo. E ele existe, sim.
EU SEI!

O outro, o amor com defeito, também. E é mais frequente porque a maioria das pessoas não é límpida e/ou tem medo. Por isso vivem o amor cauteloso, manhoso, calculista...
O tal que fez Camões versejar com tantos paradoxos do amor...

lusibero said...

Luís:eu queria dizer "o Homem NÃO precisa..."
Beijo de lusibero

Carlos Faria said...

Como o texto e o poema se complementam neste post, apesar de tão contrários no conteúdo e na forma... mas a esperança de encontrar um amor sem defeito persiste sempre, só não sei se é benigna ou perniciosa à felicidade .

meus instantes e momentos said...

muito bom teu blog, ótimo post.
Maurizio

Tudo de mim. Ou quase. said...

Pois que queria deixar qualquer coisa de mim... Um comentário cheio de palavras bonitas, inteligentes, cheias de inspiração, encadeadas entre os meus dedos. Mas não consigo. Não sei se será um período de insuficiência criativa... Não sei.
Talvez saiba.
As palavras que deixas perdidas por aqui e que, felizmente, pude encontrar nem sei bem como, são demasiado perfeitas para qualquer comentário.
Lerei tudo. Cada linha. Só falta uma coisa. O cheiro das folhas de papel.