Sunday, November 19, 2006

conversas de camarim...

Viagem através do livro "Camarim com janela para a rua" de um actor que já partiu, Varela Silva. Simone, Vítor de Sousa e Nuno Feist ilustram estas histórias com cantigas e poemas, num cenário de bastidores. Uma hora onde umas furtivas lágrimas se misturam com gargalhadas e a memória desperta. Conversas de Camarim recorda Varela Silva, Ary dos Santos, António Gedeão, Eugénio de Andrade, Miguel Torga, Vasco de Lima Couto e alguns actores e actrizes que já fazem parte da história do teatro português. Tudo isto no Jardim de Inverno do Teatro S. Luiz por volta da meia-noite. Aconteceu, ontem, depois de ver o Perfume, ter jantado no Chiado e ter comprado na Bertrand O Amante do Vulcão, de Susan Sontag (por influência do madrileno David, o enfant terrible da blogosfera).
Tocante este momento de camarim com um pequeno palco, duas cadeiras, um piano, três personagens, hora e meia de emoções que vale a pena. Nenhuma pretensão, uma conversa solta, ilustrada com cantigas e poemas, histórias divertidas e recordações amargas. Tudo isto com uma mulher de audácia, de génio, de raça e sempre inquieta.
Dois dos poemas lidos e cantados à luz de umas velinhas que, como escreveu o húngaro Sándor Márai, arderam (quase) até ao fim…

AMOR SEM TRÉGUAS
É necessário amar,
qualquer coisa, ou alguém;
o que interessa é gostar
não importa de quem.

Não importa de quem,
nem importa de quê;
o que interessa é amar
mesmo o que não se vê.

Pode ser uma mulher,
uma pedra, uma flor,
uma cosa qualquer,
seja lá o que for.

Pode até nem ser nada
que em ser se concretize,
coisa apenas pensada,
que a sonhar se precise.

Amar por claridade,
sem dever a cumprir;
uma oportunidade
para olhar e sorrir.

Amar como o homem forte
só ele o sabe e pode-o;
amar até á morte,
amar até ao ódio.

Que o ódio, infelizmente,
quando o clima é de horror,
é forma inteligente
de se morrer de amor.
António Gedeão

ADEUS
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
Eugénio de Andrade

Que pena não ter um camarim!!!

5 comments:

[[cleo]] said...

Olá Luis!
Vejo que aproveitaste muito bem a saída noturna de ontem!
Deve ter sido um espectáculo daqueles que não se esquecem com facilidade.
Os poemas são lindos, fortes e marcantes, ou não fossem eles de quem são!! Poetas com um P grande.

É importante amar
Amar amar sem fim
Até sem palavras ficar
Gastas num amor assim

Beijo soprado

Tino said...

A Cleozinha disse tudo! Cheguei tarde! :) Um abraço e bom inicio de semana!

Cristóbal said...

BRIGADO POR TU COMENTARIO, SALUDOS DESDE CHILE

Vulcano Lover said...

Eu pensei que já tinhas leido o romance de Susan Sontag... Tens que ler rapido para partilhar conmigo as tuas opiniões... Não sei se liste o comentário que fiz a propósito dele no blog de Mart-ini, que dedicou-me um post com uma citação... vou copia-lo ca.
a citação dele:
"Puedo explicar lo que esto a veces me empujaba a hacer. Yo misma recuerdo que, cuando aún era una niña pequeña, deambulaba por la calle de mi pueblo un día de invierno, deambulaba, mirando a mi alrededor y sentía que la mirada me saltaba de los ojos. Veía a éste, y a aquél, todos temblando y con caras amargas tanto en el trabajo como en el ocio. Ya sabía entonces que yo era distinta, y se me ocurrió que podía transmitir calor con mi mirada. Así pues, empecé a andar por la calle, dándoles calor, haciendo que se volvieran hacia mí. Era una fantasía de niña tonta, seguro, y muy pronto la abandoné. Pero ya crecida, siempre que andaba por la calle o entraba en salones o miraba por las ventanas de casas y carruajes, aún pensaba: debo encontrar con mi mirada a tantos como pueda.
Dondequiera que fuese, me sentía elegida. No sé de dónde saqué semejante confianza. No podía ser tan extraordinaria y, no obstante, lo era. Los demás parecían satisfacerse fácilmente, o resignarse. Quería despertarles y hacerles ver cuan gloriosa era esta existencia. Por lo general los demás intentaban mantener la calma. Yo quería que se apreciaran a sí mismos. Quería que amaran lo que amaban.
Era mejor cuando se obsesionaban. Yo no me obsesionaba, pero estaba siempre dispuesta. Incluso cuando era bella, nunca fui elegante. Nunca me oculté. No era esnob. Era efusiva. Ansiaba la exaltación del afecto ferviente. No tenía que abrazar. Los cuerpos no tienen por qué frotarse y sudar juntos. Me gustaba atravesar y que me atravesaran con una mirada.
Oía el sonido de mi propia voz. Mi voz abrazaba a los otros, les estimulaba. Pero incluso era más diestra escuchando. Hay un momento en que una debe guardar silencio. Éste es el momento en que acaricias el alma de otro. Alguien de quien mana sentimiento a raudales... a quien has ayudado a llegar a este punto, quizá por el despliegue de tu propio sentimiento. Y luego miras profundamente a los ojos al otro. Emites un pequeño mmmmmm o ahhh, un sonido alentador, compasivo. Por ahora, te limitas a escuchar, a escuchar de verdad, y a demostrar que introduce en tu corazón lo que estás oyendo. Esto raramente lo hace nadie."

Meu comentário:

"Indefinible Emma Hamilton... Escoges un pasaje que describe en primera persona uno de los personajes más difíciles de la novela... Porque a lo largo del libro se mueve en una inquietante ambigüedad en cuanto a los sentimientos que nos provoca. Uno no sabe nunca si adorarla, odiarla, olvidarla... En el fondo, una pobre alma, con buena intención, que quizás es un poco objeto injusto de risa por parte de muchos, pero que es muy sincera y que a pesar de resultar muy barroca a veces, siemrpe parte de una sencillez cándida de su corazón...

Como en el resto de la historia, son los personajes de los que se rodea William Hamilton los que experimentan, los que viven con intensidad en carne propia, los que son auténticos ríos de lava. Y él, William, taciturno como es, observa y colecciona momentos, pasiones, volcanes y lava detenidos.
La pasión y la belleza desmedida pasan por sus manos y por su mente, pero sin tocar su piel... Me llamó siempre la atención de este personaje cómo sirve de pretecto para hablar de las grandes pasiones del hombre (con mayúsculas) desde su posición de reflejo de las mismas, de inteligentísimo coleccionista de ellas...

Gracias de nuevo por las atenciones de ayer y hoy... Eres un cielo... Espero no haber sido demasiado peñazo con mi temita del amante del volcán... Que conste que tenía posts preparados sobre ese tema, y que ahora los tendré que seguir dejando en reposo hasta que los lectores se olviden un poco de quién era ese amante del volcán"

Luís said...

O último poema é divino. Espelha algo tão forte de uma forma, também ela, tão forte.

Arrebatador.